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Capítulo 4 O professor, as tarefas e o sentido de número

4.4 Ensinar e aprender a ensinar numa perspetiva de desenvolvimento do sentido

4.4.1 Constrangimentos

4.4.1.1 As perspetivas ‘instituídas’ acerca do ensino e da aprendizagem dos números e das operações

Discutir os constrangimentos associados a um ensino que promova o desenvolvimento do sentido de número dos alunos, leva-me a retomar algumas ideias referidas na secção 3.2 sobre os aspetos que influenciam globalmente as práticas de um professor. Tal como foi referido, as perspetivas que o professor vai criando acerca do ensino e as práticas que desenvolve relacionam-se com o contexto onde essas práticas ocorrem, com as orientações curriculares e com as experiências anteriores dos professores (Goos, 2005; Ponte & Chapman, 2006; Simon, 2007; Schoenfeld, 1998) Vários autores destacam, também, estes três aspetos como possíveis constrangimentos quando se trata de ensinar ou aprender a ensinar numa perspetiva de desenvolvimento do sentido de número (Fosnot & Dolk, 2001b; Stein et al., 2007; Tsao & Lin, 2011; Yang et al., 2008b).

Fosnot e Dolk (2001b) referem as eventuais pressões dos Encarregados de Educação como um elemento contextual que influencia as práticas de ensino dos números e das operações. Estes, enquanto alunos e estudantes, fizeram parte de um sistema de ensino que valoriza os algoritmos como ferramenta de cálculo essencial. Como produtos desta visão do ensino, tendem a olhar para as aprendizagens que os seus educandos realizam à luz daquilo que eles próprios aprenderam, pelo que, “quando eles não veem as suas crianças a aprender aquilo que acreditam ser o objetivo da Matemática – os algoritmos – assumem que nada está ser aprendido” (p. 101).

Para além deste tipo de pressões, a verdade é que os professores, enquanto alunos e estudantes, e, posteriormente, enquanto professores, fizeram parte do mesmo sistema de ensino onde vigoraram programas, durante largos anos, que valorizaram o ensino dos algoritmos (Fosnot & Dolk, 2001b) e a ideia de que “a prática faz a perfeição” (Menon, 2004, p. 12). Por exemplo, Yang et al. (2008b), que realizaram um estudo cujo objetivo era analisar o sentido de número de futuros professores do 1.º ciclo, concluem que estes recorrerem a métodos baseados em regras, em vez de usarem estratégias que evidenciam sentido de número, tais como usar números de referência apropriados ou reconhecer a

grandeza dos números. Estes autores consideram que esta tendência está associada às características dos programas de Matemática que vigoraram na Tailândia durante algumas décadas.

Contudo, Sood e Jitendra (2007) advertem que mudar o programa não constitui uma garantia de mudança de ensino. Efetivamente, por exemplo, na Tailândia, apesar de a partir de 2001 se ter iniciado uma reforma curricular cujos documentos orientadores salientam a importância do desenvolvimento do sentido de número dos alunos, persistem práticas de ensino dos números e das operações centradas nos algoritmos (convencionais) e na repetição de procedimentos (Yang, 2005). Embora diversos documentos curriculares de referência, tal como NCTM (2000/2007), sugerirem que os professores devem dar ênfase ao sentido de número, muitos professores continuam a ensinar matemática valorizando práticas rotineiras (Menon, 2004).

Alguns autores atribuem parte da responsabilidade desta situação ao modo como são concebidos os manuais escolares (Dolk, 2009; Stein et al., 2007; Yang et al., 2008b). Na verdade, os manuais escolares constituem um material de apoio importante à prática letiva dos professores que nem sempre retratam as orientações curriculares (Stein et al., 2007). Para Yang et al. (2008b) um dos motivos para a persistência de um ensino baseado em práticas rotineiras relaciona-se com o facto de as ideias que orientam as reformas curriculares não serem visíveis nos manuais escolares. Estes autores consideram que os manuais escolares continuam a enfatizar o uso de regras e métodos de cálculo escrito (algoritmos convencionais), influenciando o modo como os professores percecionam e apresentam o trabalho em torno dos números e das operações.

Também Dolk (2009) considera que grande parte dos manuais escolares incentivam o cálculo algorítmico e não estimulam abordagens flexíveis dos problemas, tendendo a uniformizar as formas de raciocínio dos alunos. Apesar de reconhecer estas características nos manuais escolares, este autor refere que algumas alterações no enunciado dos problemas apresentados e no modo como podem ser explorados pelo professor podem estimular um ‘novo’ olhar por parte dos alunos e, consequentemente, incentivar o uso de diferentes estratégias de resolução. Esta sugestão de Dolk (2009) trás para primeiro plano a importância do papel do professor na preparação e exploração de tarefas na sala de aula

que visem o desenvolvimento do sentido de número dos alunos, mesmo partindo de tarefas de manuais adotados que não estejam concebidas com esse propósito.

Ainda relacionada com as perspetivas acerca do ensino da Matemática, Kraemer (2008) refere constrangimentos associados, em particular, à ideia de planificar. O ciclo de ensino da Matemática de Simon (1995), discutido na subsecção 4.2.2, constitui, como vimos, uma forma de planificar o ensino centrada no modo como os alunos pensam, aspeto que é salientado por diversos autores quando se tem o propósito de trabalhar os números e as operações numa perspetiva de desenvolvimento do sentido de número (Ferreira, 2012; Kraemer, 2008; Mendes, 2012; Whitacre & Nickerson, 2006; Sood & Jitendra, 2007). Contudo, Kraemer (2008) identifica dois constrangimentos que poderão estar na origem de dificuldades do professor na construção de trajetórias de aprendizagem. Um dos constrangimentos prende-se com a perspetiva que habitualmente os professores têm de planificação do trabalho a realizar com os alunos na sala de aula. Esta perspetiva é tradicionalmente centrada nos conteúdos a ensinar, sem atender aos processos de aprendizagem dos alunos. Um outro constrangimento está intimamente relacionado com o anterior e prende-se com as exigências que se colocam ao professor que provocam a mudança desta perspetiva. Para Kraemer (2008) exige que o professor “construa novas referências para poder determinar a direção a seguir, fixar objetivos realizáveis, selecionar tarefas, fichas de trabalho e materiais adequados e organizar eficazmente o encadeamento das atividades” (p. 19).

4.4.1.2 O conhecimento do professor relativo ao sentido de número

O reduzido conhecimento dos professores acerca do que é o sentido de número constitui também um dos constrangimentos subjacentes à seleção/construção e exploração de tarefas numa perspetiva de desenvolvimento do sentido de número (Yang et al., 2008b; Tsao & Lin, 2011). A discussão realizada na secção 2.4 mostra que o sentido de número é, atualmente, valorizado nas orientações curriculares de diversos países. Revela, também, que esta valorização é relativamente recente, aspeto que na perspetiva de Tsao e Lin (2011) pode justificar algum desconhecimento dos professores acerca do que é ter sentido de número. Segundo estes autores a maioria dos professores desconhece o que é sentido de

número ou não lhe reconhece valor, o que pode impossibilitar a realização de práticas adequadas ao seu desenvolvimento.

Num estudo que realizaram, com o objetivo de analisar a compreensão acerca do sentido de número e as estratégias de ensino e de desenvolvimento do sentido de número de dois professores do ensino básico, Tsao e Lin (2011) encontraram uma relação entre estes dois aspetos. Observaram que um dos professores aposta na discussão de sala de aula mas não atende à construção dos conceitos matemáticos básicos sobre as operações entre frações, revelando fracos conhecimentos matemáticos. O outro, apesar de possuir um bom conhecimento do que envolve ter sentido de número, negligencia a discussão na sala de aula e insiste na memorização de regras de cálculo das quatro operações quando trabalha com frações. No primeiro caso, sobressai o desconhecimento acerca do que é o sentido de número e, no segundo, não lhe é atribuído valor (Tsao & Lin, 2011). Também Yang et al. (2008b) salientam a importância do valor que o professor atribui ao sentido de número no desenvolvimento do sentido de número dos alunos. Refere, por exemplo, que a baixa performance dos alunos na análise da razoabilidade das respostas dos problemas, relaciona-se com o facto de os professores valorizarem respostas exatas e de não considerarem este aspeto como um objetivo importante de ensino.

Para além do conhecimento do professor acerca do que envolve ter sentido de número e do valor que lhe atribui, é importante que os professores tenham um ‘bom’ sentido de número. Para Yang et al. (2008b), um professor com um fraco sentido de número não saberá como ajudar os seus alunos a desenvolvê-lo. Assim, para poderem estimular e ajudar os alunos a desenvolver o sentido de número, os professores precisam de melhorar os seus conhecimentos relacionados com o sentido de número (Nickerson & Whitacre, 2010; Tsao & Lin, 2011; Yang et al., 2008b).

Tsao e Lin (2011) afirmam que o fraco conhecimento dos professores acerca do sentido de número e a fraca valorização que lhe atribuem estão intimamente relacionados com as características das experiências anteriores, nas quais incluem a formação inicial. Para estes autores estas experiências são fortemente marcadas pelo ensino tradicional, caracterizado pelo uso de regras e pelo cálculo algorítmico. Assim, melhorar o sentido de

número dos alunos passa por melhorar os conhecimentos de e sobre sentido de número dos seus professores e daqueles que virão a ser professores (Yang et al., 2008b).