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Integrar as tarefas na construção de trajetórias hipotéticas de aprendizagem

Capítulo 4 O professor, as tarefas e o sentido de número

4.2 A seleção/construção e preparação das tarefas

4.2.2 Integrar as tarefas na construção de trajetórias hipotéticas de aprendizagem

Vários autores sugerem que a conceção das tarefas deve ser integrada na construção de trajetórias hipotéticas de aprendizagem (Clements & Sarama, 2004; Cobb, Stephan, McClain & Gravemeijer, 2001; Simon, 1995; Yackel, Underwood & Elias, 2007). Para Simon (1995), este processo obriga a que elas sejam pensadas de modo sequencial, permitindo a progressão da aprendizagem dos alunos e partindo das hipóteses que o professor coloca sobre essa progressão. Esta trajetória representa um caminho plausível, que pode não corresponder ao caminho real de aprendizagem, sendo por isso uma trajetória hipotética.

De acordo com o ciclo de ensino da Matemática de Simon (1995), representado na Figura 4.2, uma trajetória hipotética de aprendizagem é constituída por três componentes: (i) os objetivos de aprendizagem, que orientam o caminho, (ii) as atividades de aprendizagem, que são pensadas tendo em conta os objetivos definidos, e (iii) o processo hipotético de aprendizagem, que corresponde a uma previsão do pensamento e da compreensão dos alunos quando resolvem as tarefas.

Quando o professor planifica o trabalho a realizar na aula, numa primeira fase, é importante pensar nas ideias e processos matemáticos que pretende que os alunos desenvolvam ao longo de um determinado período e selecionar ou construir um conjunto de tarefas que permitam apoiar essas aprendizagens. O professor pensa antecipadamente nas tarefas que vai propor, no tipo de discussões que estas poderão suscitar e nas eventuais estratégias e resoluções que poderão ser realizadas pelos alunos, mas, o que se passa na sala de aula e a avaliação que o professor for fazendo desses acontecimentos é que irão traçar a trajetória ‘real’ de aprendizagem (Simon, 1995).

Figura 4.2 - Ciclo (abreviado) de ensino da Matemática (Simon, 1995)

Assim, construir uma trajetória hipotética de aprendizagem constitui, essencialmente, um processo segundo o qual o professor planifica o ensino. Na sala de aula, devido às interações que se estabelecem, professores e alunos fazem parte de uma experiência que, provavelmente será diferente da que foi antecipada. Esta experiência irá

influenciar o conhecimento do professor que, por sua vez, introduzirá alterações na trajetória que foi planeada ou influenciará a construção de uma nova trajetória hipotética de aprendizagem.

A construção de trajetórias hipotéticas de aprendizagem como modo de orientar o ensino tem sido alvo, sobretudo, de duas críticas. Uma relaciona-se com a relação entre a construção de trajetórias de aprendizagem e a evolução individual dos alunos. Por exemplo, Doerr (2006) afirma que se atendermos aos processos individuais dos alunos, numa sala de aula, não existe uma única trajetória hipotética de aprendizagem, mas sim diversas trajetórias hipotéticas de aprendizagem, tornando-se quase impossível para o professor dar resposta a esta diversidade. Contudo, traçar uma trajetória não significa que se tenha de seguir um determinado objetivo durante todo o processo nem que só exista uma única trajetória (Simon, 1995). A necessidade de pensar numa trajetória hipotética reside no facto de se considerar que as decisões tomadas pelo professor devem ser orientadas por objetivos. Estes objetivos norteiam a planificação das atividades que, por sua vez, influencia e é influenciada pelas hipóteses que o professor coloca acerca do modo como os alunos pensam (Simon, 1995).

A outra crítica liga-se à perspetiva de ensino e aprendizagem que lhe poderá estar subjacente, por partir da antevisão de um caminho de aprendizagem. Para Doerr (2006) o professor ao construir uma trajetória de aprendizagem tenderá a seguir uma orientação avaliativa, no sentido em que “inicialmente estará preocupado em identificar e corrigir os erros dos alunos” (p. 6). Nesta perspetiva o professor analisa o trabalho dos alunos tendo por base a sua forma de resolver a tarefa, ‘guiando-os’ na trajetória que foi construída por ele próprio. Esta autora contrapõe o ensino planificado através de trajetórias a um ensino que valoriza as ideias dos alunos, que se preocupa em aceder aos seus modos de pensar e em interagir e negociar significados.

Contudo, vários autores consideram que o modelo de ensino proposto por Simon (1995) apresenta importantes vantagens quer para o professor quer para os alunos (Clements & Sarama, 2004; Cobb et al., 2001; Yackel et al., 2007). Do ponto de vista da aprendizagem dos alunos, Clements e Sarama (2004) realçam a importância do recurso a sequências de tarefas na construção de conceitos e procedimentos matemáticos de uma

forma progressiva. Para além deste aspeto, Yackel et al. (2007) salientam a importância da construção de sequências de tarefas como forma de facilitar a matematização vertical.

Curiosamente, pensar antecipadamente num caminho de aprendizagem, um dos fundamentos da segunda crítica de Doerr (2006), corresponde também a um dos aspetos positivos atribuídos ao trabalho em torno de trajetórias de aprendizagem assinalado por alguns autores. Por exemplo, Cobb et al. (2001) consideram que a construção de trajetórias hipotéticas de aprendizagem leva o professor a fazer conjeturas sobre a aprendizagem da Matemática dos seus alunos e sobre os meios que poderá recorrer para apoiar e organizar essa aprendizagem. Ao envolver-se neste processo aumenta o conhecimento sobre os alunos e sobre as estratégias de ensino (Clements & Sarama, 2004; Cobb et al., 2001).

Às vantagens de perspetivar o ensino com base na construção de trajetórias hipotéticas de aprendizagem estão também associados desafios que este tipo de trabalho coloca ao professor. Ao implicar que, à partida, o professor defina os objetivos de ensino e pense numa sequência de tarefas que permita atingir esses objetivos, este processo exige um conhecimento sobre as ‘grandes’ ideias matemáticas associadas à aprendizagem dos tópicos que pretende trabalhar com os alunos (Clements & Sarama, 2009). Para além disso, constitui um processo que implica uma relação constante entre a atividade e os seus efeitos (Simon & Tzur, 2004). Ou seja, é um processo que obriga o professor a refletir acerca das atividades desenvolvidas na sala de aula e nos seus efeitos na aprendizagem dos alunos. Exige, também, um forte conhecimento acerca dos seus alunos, no sentido em que, neste processo, o professor terá de prever o tipo de atividade mental que é desenvolvido por eles que permita a construção dos conceitos e a sua progressão (Clements & Sarama, 2009; Simon & Tzur, 2004).

Os argumentos favoráveis à construção de trajetórias de aprendizagem, acima apresentados, e os desafios que se colocam aos professores permitem destacar a compreensão sobre o modo como os alunos pensam como algo que é desenvolvido no processo de construção de trajetórias e, simultaneamente, exigido ao professor para desenvolver este processo. A sua importância é destacada por vários autores que perspetivam o ensino a partir da construção de trajetórias hipotéticas de aprendizagem (Clements & Sarama, 2004; Cobb et al., 2001; Simon, 1995; Yackel et al., 2007), por

documentos de referência sobre o ensino da Matemática (NCTM, 2000/2007) e tem constituído a base de alguns projetos de investigação, tais como: Cognitively Guided Instruction (CGI) (citado por Chamberlin, 2005), QUASAR (citado por Stein et al., 2007) e Desenvolvendo o Sentido do Número (DSN) (Equipa do projeto DSN, 2006).

Numa análise de projetos que têm subjacente esta ideia, Chamberlin (2005) conclui que, quando os professores têm em conta o pensamento matemático dos alunos, evidenciam mais tendência em centrar o ensino nos alunos e mostram mais aptidão para construir e selecionar tarefas matemáticas. Também Sowder (2007) afirma que, quanto melhor os professores compreenderem o modo como os alunos pensam, mais capacitados estarão para selecionar ou construir tarefas adequadas à aprendizagem da Matemática e para colocar questões apropriadas durante a exploração das tarefas na sala de aula.

Uma forma de o professor desenvolver a compreensão do modo como os alunos pensam é colocar-se no seu lugar e tentar pensar como eles (Simon & Tzur, 2004, Kraemer, 2008). Esta atividade corresponde a uma das cinco práticas para orquestrar as discussões das tarefas na sala de aula indicadas por Stein, Engle, Smith e Hughes (2008), modelo que é discutido em pormenor na secção seguinte. Estes autores referem que antecipar as estratégias que os alunos poderão usar na resolução das tarefas constitui uma atividade fundamental a realizar pelo professor durante a sua preparação. Esta atividade passa por inventariar as resoluções corretas e incorretas dos alunos e pensar antecipadamente em estratégias que traduzem diferentes níveis de desenvolvimento da aprendizagem (Stein, et al., 2008).

Para além de permitir ao professor desenvolver a compreensão sobre como pensam os alunos, permite organizar e orientar as discussões na sala de aula sobre as suas resoluções e oferece ao professor a possibilidade de ele próprio apresentar estratégias mais eficazes, quando estas não são sugeridas pelos alunos (Markovits & Sowder, 1994). Por exemplo, Ferreira (2012), num estudo que realizou sobre o desenvolvimento do sentido de número dos alunos no âmbito da resolução de problemas de adição e subtração no 2.º ano de escolaridade, salienta a importância do professor antecipar os possíveis caminhos a seguir pelos alunos, permitindo que este “colocasse questões inquiridoras no sentido de os alunos considerarem estratégias e procedimentos mais eficientes” (p. 512).