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Capítulo 5 Metodologia

5.2 A opção pelo desenvolvimento de um projeto colaborativo

5.2.2 Formas e características de colaboração

Como surge a colaboração? Que características tem ou deve ter? São questões sobre as quais alguns autores já se debruçaram e cujas reflexões constituíram elementos importantes nas opções que fui tomando ao longo do desenvolvimento do projeto. Hargreaves (1998), um dos investigadores de referência no que respeita ao estudo de culturas de colaboração, refere que quando pensamos em colaboração de professores com os seus colegas, as relações de trabalho que se estabelecem entre eles tendem a ser espontâneas, no sentido em que “estas relações partem dos próprios professores, enquanto grupo social” (p. 216). Apesar destas relações poderem ser apoiadas pelas direções das escolas, retirando-lhes, eventualmente, alguma espontaneidade, “em última instância, as relações de trabalho colaborantes evoluem a partir da própria comunidade docente e são sustentadas por ela” (p. 216).

Referindo-se às formas de emergência de projetos colaborativos, também Ponte (2012) menciona os que surgem espontaneamente por parte dos professores como resultado da necessidade de dar resposta a situações novas. Para além desta possibilidade, identifica ainda mais duas: os projetos que estão diretamente relacionados com dispositivos de formação e os que se desenvolvem na sequência de uma proposta de um investigador, com o intuito de compreender e analisar uma determinada situação ou problema.

O caso particular do projeto colaborativo desenvolvido no âmbito desta investigação enquadra-se nesta última situação. Efetivamente, fui eu quem desafiou os dois professores a participarem no projeto. À partida e assumidamente, este projeto nasce de um interesse meu, que passa a ser partilhado também por eles. Em conjunto, passámos a constituir uma equipa com um objetivo comum – o de aprofundar modos de desenvolver o sentido de número dos alunos através da reflexão sobre a seleção/construção, preparação e exploração de tarefas.

A existência de objetivos comuns, que sejam partilhados e assumidos por toda a equipa, é essencial no estabelecimento de uma relação de colaboração (Boavida & Ponte, 2002; Hargreaves, 1998; Martinho, 2007). Estes objetivos devem orientar o trabalho da equipa ao longo do desenvolvimento do projeto, sendo fundamental que todos os seus elementos se reconheçam neles (Boavida & Ponte, 2002). Pensando em concreto neste projeto, considero que tem em conta esta dimensão, uma vez que a ideia fundamental foi envolver os professores num trabalho que esteja diretamente relacionado com a sua prática letiva e com a reflexão sobre essa prática, no qual continuassem a tomar decisões e opções, de acordo com essa reflexão e com os seus contextos de trabalho – a turma, a escola e o Agrupamento.

Para além da existência de interesses ou objetivos comuns dos vários elementos da equipa, é essencial que haja uma participação voluntária (Boavida & Ponte, 2002; Hargreaves, 1998):

As relações de trabalho em colaboração resultam (…) da perceção que os docentes têm do seu valor, a qual deriva da experiência, da inclinação ou da persuasão não- coerciva, segundo a qual trabalhar em conjunto é simultaneamente agradável e produtivo. (Hargreaves, 1998, p. 216)

É importante que a participação numa equipa de trabalho colaborativo não resulte de uma obrigação, quer por constrangimentos administrativos, quer por algum tipo de coação. Deve ser o resultado de uma opção de cada elemento, por considerar relevante o trabalho realizado na equipa, por encará-lo como produtivo e por considerar importante dar os seus contributos. Efetivamente, perante a possibilidade de participarem no projeto proposto por mim, como se poderá ver tanto no desenvolvimento do capítulo 6, como nos

que se referem aos casos destes professores, é evidente a vontade de participarem neste projeto, contribuindo com as suas experiências e opiniões. Ambos apresentam expectativas positivas antes da sua realização (ver subsecção 6.3.2) e um balanço também positivo após o seu desenvolvimento (ver secção 6.6).

Numa cultura de colaboração as relações de trabalho devem ser orientadas para o desenvolvimento (Hargreaves, 1998), no sentido em que a equipa estabelece as tarefas e as finalidades do trabalho a realizar. Mesmo quando as equipas incluem também investigadores, as decisões e opções do desenvolvimento do trabalho devem ser realizadas por todos os elementos num processo constante de negociação. Referindo-se a esta forma de composição das equipas colaborativas, Saraiva e Ponte (2003) advertem para a necessidade de evitar situações em que os professores são encarados como técnicos, cuja função é colocar em prática abordagens ou ideias predeterminadas. Na perspetiva destes autores, é fundamental que o professor encontre nestes projetos um espaço para refletir sobre a sua própria prática e que lhe permita reconhecer-se “como verdadeiro protagonista curricular capaz de tomar decisões fundamentais para a sua prática, em função das necessidades dos seus alunos e dos seus contextos institucionais” p. 49). Ainda assim, “a presença de investigadores numa equipa colaborativa traduz-se na maior possibilidade do professor se distanciar da sua própria prática, bem como uma aproximação entre a prática profissional dos professores e a investigação” (Saraiva & Ponte, 2003, p. 48). Para além destes aspetos, equipas com estas características têm estado na base de projetos de desenvolvimento profissional com sucesso, uma vez que, os investigadores podem desempenhar um papel importante no apoio do trabalho a realizar pelos professores e na reflexão que estes fazem sobre a sua prática (Clements & Sarama, 2009).

Ainda sobre as características da relação de colaboração, Hargreaves (1998) refere que uma relação desta natureza é difundida no tempo e no espaço, no sentido em que o trabalho conjunto não é suscetível de ser completamente calendarizado. Apesar da marcação de reuniões e/ou de sessões de planificação poder constituir uma forma de organizar espacial e temporalmente o trabalho a realizar, esta está, sobretudo, dependente do modo como a vida profissional dos professores se desencadeia na escola. No caso concreto deste projeto, apesar de existir à partida uma proposta de dinâmica de

funcionamento do projeto que previa uma alternância de momentos de trabalho (duas sessões de trabalho consecutivas e uma aula observada por mim), a sua realização dependeria, e efetivamente dependeu, das disponibilidades e necessidades dos professores envolvidos no projeto, havendo uma constante negociação relativamente ao trabalho a efetuar e aos momentos em que este ocorreu.

Baseando-se em Boavida e Ponte (2002), Ponte (2012) descreve a colaboração do seguinte modo, sublinhando aspetos centrais da colaboração que têm vindo a ser discutidos nesta secção:

a colaboração [é apresentada] como envolvendo uma adesão voluntária e uma relação próxima entre os participantes. Nesta perspetiva, a colaboração pode prosseguir propósitos diversos e assumir formas bastante diferenciadas. Envolve assumir objetivos comuns e uma divisão de trabalho racional, num quadro de confiança pessoal, onde todos têm algo a ensinar e a aprender uns com os outros. Deste modo, a colaboração não é vista como um valor moral, que deve ser prosseguido de uma dada maneira, a única perfeita e desejável, mas, pelo contrário, é encarada numa perspetiva pragmática, como uma solução encontrada por um grupo para resolver problemas comuns, que seria difícil resolver de modo puramente individual. (p. 8)

Este excerto permite, não só, resumir as principais características da colaboração discutidas nesta secção – nomeadamente, a adesão voluntária, a existência de objetivos comuns, a relação próxima e de confiança dos participantes, a divisão racional do trabalho, a aprendizagem mútua e a resolução de problemas comuns –, como também descreve as principais ideias que tinha presente quando propus a realização deste projeto aos dois professores participantes deste estudo.

Nesta secção procurei posicionar-me quanto à forma de colaboração estabelecida e justificar algumas opções associadas à conceção deste projeto, no que respeita às características de colaboração que pretendia que assumisse. No entanto, tal como refere Hargreaves (1998), as relações de colaboração são imprevisíveis, dado que os elementos da equipa vão tomando decisões sobre o seu desenvolvimento, pelo que é difícil, ou mesmo impossível, justificar opções que foram sendo tomadas e refletir sobre essa relação sem ‘o contar da história’. Assim, integrarei algumas reflexões sobre estes aspetos no capítulo 6, nomeadamente nas secções que se centram no ‘arranque’ e no desenvolvimento do projeto

e, sobretudo, na última secção desse capítulo onde me foco na relação estabelecida entre os elementos da equipa.