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Capítulo 4 O professor, as tarefas e o sentido de número

4.2 A seleção/construção e preparação das tarefas

4.2.3 Perspetivar o desenvolvimento do sentido de número

4.2.3.5 O cálculo mental e a estimação

A discussão sobre os significados atribuídos a sentido de número, realizada na secção 2.1, salienta que, globalmente, o sentido de número se relaciona com uma certa habilidade para efetuar cálculos de modo flexível (Carpenter, 1989; Greeno, 1989; Reys; 1989; Silver, 1989; Sowder, 1989). Quando Carpenter (1989) refere o modo como considera que o sentido de número se manifesta, realça esta flexibilidade em situações de cálculo mental e de estimação. Por exemplo, afirma que um aluno com ‘bom’ sentido de número tem mais facilidade em realizar estimativas, por ter uma melhor noção da grandeza dos números envolvidos e da proximidade ao valor exato dos resultados a que vai chegando em cada passo. Também Reys (1989), quando explicita o modo como considera que o sentido de número se desenvolve, realça a possibilidade dos alunos serem envolvidos em situações de estimação e de cálculo mental. Esta autora afirma que se o ensino for pensado de forma a promover a discussão com os alunos sobre várias maneiras de estimar e de calcular, envolvendo a compreensão de diferentes estratégias para o fazer, poderá contribuir para o desenvolvimento do sentido de número, ou seja, para um modo pessoal e global de pensar e de lidar com os números (Reys, 1989). Daqui podemos inferir que o cálculo mental e a estimação são tipos de atividades que potenciam o desenvolvimento do sentido de número e, simultaneamente, permitem evidenciar esse sentido de número.

A interdependência entre sentido de número e estes dois tipos de atividades matemáticas levou-me a salientar a importância destes aspetos como dois elementos a ter em conta na seleção/construção de tarefas. Efetivamente, alguns estudos que visam compreender esta relação destacam a realização de tarefas de cálculo mental e estimação

como forma de promover o desenvolvimento do sentido de número dos alunos (Markovits & Sowder, 1994; Nickerson & Whitacre, 2010).

Por exemplo, Markovits e Sowder (1994) realizaram um estudo com alunos do 7º ano de escolaridade de uma escola dos Estados Unidos com o objetivo de compreenderem os efeitos do ensino orientado para o desenvolvimento do sentido de número, focado em tarefas que promovem o cálculo mental e a estimação. Estas tarefas foram concebidas tendo por base contextos que permitiam e suscitavam a exploração dos números, das relações entre os números e das operações com números. Estes autores referem que o facto de se tratar de um ensino focado na ideia de fornecer oportunidades estruturadas para permitir a descoberta de regras e a invenção de algoritmos (não convencionais), se mostrou fundamental no desenvolvimento do cálculo flexível dos alunos. Também Baek (1998) explicita a relação entre o cálculo mental e o desenvolvimento do sentido de número, salientado a importância dos alunos resolverem tarefas onde tenham a oportunidade de inventar algoritmos (não convencionais).

Nickerson e Whitacre (2010) realizaram uma experiência com futuros professores do ensino básico que tinham participado numa experiência anterior para melhorar o seu sentido de número, nomeadamente no que se refere ao seu cálculo mental flexível com números inteiros (Whitacre & Nickerson, 2006). Nesta segunda experiência houve um alargamento do conjunto numérico, passando dos números inteiros para o conjunto dos números racionais na sua representação de fração (corresponde a uma extensão do sentido de número inteiro para o sentido de número racional). Tanto numa situação como na outra, os estudantes participaram em atividades de cálculo mental, estimação e raciocínio acerca da grandeza dos números envolvidos. As tarefas foram concebidas tendo em conta os seguintes pressupostos: (i) os estudantes aproveitam as oportunidades de usar estratégias sensíveis aos números (ii) os estudantes desenvolvem um reportório de estratégias sensíveis aos números e (iii) os estudantes desenvolvem a capacidade/habilidade de raciocinar através de modelos (Nickerson & Whitacre, 2010; Whitacre & Nickerson, 2006). Estes autores concluem que os estudantes durante estas experiências desenvolveram o sentido de número através do que designam ser uma ‘matemática mental’.

Mas que características especiais devem ter as tarefas que promovem o cálculo mental e a estimação? Efetivamente, podem existir tarefas com o propósito de desenvolver estes dois aspetos. Por exemplo, as cadeias numéricas constituem uma forma particular de desenvolver estratégias de cálculo mental (Fosnot & Dolk, 2001b). Ao construir uma cadeia numérica é importante que professor tenha em conta muitos dos aspetos já referidos ao longo da subsecção 4.2.3. Para além de uma escolha criteriosa dos números envolvidos, deve pensar nas relações numéricas e/ou nas propriedades que pretende que os alunos compreendam e utilizem quando resolvem esses cálculos sequencialmente. É também fundamental que, na sala de aula, vá apresentando os vários cálculos sequencialmente, incentivando os alunos a relacionar cada cálculo com o(s) que efetuou na(s) linha(s) anterior(es). Mendes (2012), referindo-se a este tipo de tarefas, afirma que “a estrutura da cadeia influencia os procedimentos dos alunos e ajuda a promover um cálculo mental eficiente, baseado em propriedades dos números e das operações” (p. 519).

Ainda assim, as cadeias numéricas não constituem a única forma de desenvolver estratégias de cálculo mental. Se reunirem as características referidas ao longo da subsecção 4.2.3, teremos tarefas que desenvolvem o cálculo mental e a estimação. Por exemplo, tarefas que envolvam o uso de números de referência e que apelem à realização de estimativas constituem boas oportunidades dos alunos desenvolverem a sua capacidade de estimação. Como vimos, a estimação é também considerada uma atividade inerente a todo o trabalho de resolução de problemas, estando associada ao processo de revisão dos dados e da razoabilidade do resultado (McIntosh, et al., 1992). Tanto num caso como no outro, para além dos aspetos inerentes à tarefa, enquanto proposta de trabalho, é fundamental o modo como o professor a explora na sala de aula, proporcionando a apresentação de várias formas de pensar dos alunos e incentivando a comparação e reflexão sobre as estratégias apresentadas (Baek, 1998; Yang, 2003a). Este assunto será desenvolvido com mais pormenor na secção seguinte.

Se pensarmos no trabalho em torno dos números e, principalmente, das operações numa perspetiva de desenvolvimento do sentido de número, o cálculo mental e a estimação podem ser encarados como atividades transversais e essenciais a esse trabalho, ideia que é transmitida por diversos documentos de orientação curricular (ME, 2007; NCTM,

2000/2007). Por exemplo, nas primeiras páginas que orientam o trabalho do tema Números e Operações do PMEB (ME, 2007) pode ler-se:

É necessário proporcionar aos alunos situações diversas que lhes permitam desenvolver o cálculo mental. Para isso devem ser trabalhadas diferentes estratégias de cálculo baseadas na composição e decomposição de números, nas propriedades das operações e nas relações entre os números e entre as operações. (p. 14)

Ao analisar o entendimento de cálculo mental apresentado por diversos autores, Mendes (2012) refere que este não é consensual, sobretudo no que respeita à existência ou não de suporte escrito. Esta autora afirma que a conotação atribuída a esta expressão, que surge na década de 70 do século XX, é que o cálculo mental se relaciona “com a memorização e a rapidez de realizar cálculos “de cabeça”” (p. 104). Mais recentemente, alguns autores referem que o cálculo mental, apesar de se realizar sobretudo mentalmente, pode incluir registos escritos que auxiliem a memória a curto prazo (Anghileri, 2003; Buys, 2008), o que está de acordo com a perspetiva de cálculo mental descrita no PMEB (ME, 2007).

Este documento explicita o que entende por cálculo mental, identificando três aspetos que o permitem caracterizar. O primeiro tem a ver com o que se exige do aluno – “um bom desenvolvimento do sentido de número e um saudável conhecimento dos factos numéricos elementares” (p. 10), o que permite salientar, mais uma vez, a forte ligação entre cálculo mental e o sentido de número. O segundo relaciona-se com o modo como se ‘veem’ e usam os números. Calcular mentalmente implica “trabalhar com números e não com algarismos” (p. 10), aspeto que desde logo o permite distinguir do cálculo algorítmico (convencional) realizado apenas com ‘a cabeça’. O terceiro diz respeito à possibilidade de se recorrerem, ou não, a registos. Tal como para Anghileri (2003) e Buys (2008), para o PMEB (ME, 2007), calcular mentalmente pode “permitir o uso de registos intermédios de acordo com a situação” (p. 10).