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A influência do racionalismo e da filosofia alemã

O AMBIENTE DO SÉCULO XIX.

2.1. A influência do racionalismo e da filosofia alemã

Para se buscar uma compreensão acerca das condições de surgimento das concepções de Marx deve-se, em primeiro lugar, se relembrar que sua filosofia e sua concepção jurídica não surge espontaneamente, como Minerva da cabeça de Júpiter (ou, Atena da cabeça de Zeus)117.

As condições de sua emergência foram dadas em um determinado ambiente político, social e intelectual, no qual a herança da racionalidade cartesiana era, ainda, incontestável, mesmo a partir da revolução Kantiana, que muda radicalmente o problema do conhecimento ao introduzir na problemática o sujeito e as condições em que este conhece.

E, numa consideração que será posteriormente desenvolvida, pode se dizer que o principal acento do cartesianismo foi ter trazido a necessidade do método como pressuposto que gera segurança e certeza, questões fundamentais para solidificar a sociedade mercantil e viabilizar – ao longo dos séculos XVII e XVIII – as condições que permitirão emergir o paradigma da sociedade moderna, que viria a se expressar na sociedade burguesa118.

117 GRIMAL, Pierre. A mitologia grega. São Paulo: Brasiliense, 1982. P. 48. Aqui se relata a lenda sob o enfoque da cultura

grega (Atena / Zeus). Já ULIANOV. Vladimir I. Que Fazer? In: Obras escolhidas. São Paulo: Alfa-Ômega, 1980. Vol.1, à propósito de examinar o conceito de liberdade de crítica, faz a mesma comparação, em outro sentido, e utilizando-se dos mitos romanos (Minerva / Júpiter). Mas, tanto numa como noutra acepção, usa-se a mitologia greco-romana ao fazer-se menção do surgimento de Minerva / Atena, de forma espontânea e sem intervenção de um princípio feminino, da cabeça de Júpiter / Zeus.

118 DA MAIA, Alexandre. Da epistemologia ao argumento como racionalidade jurídica: para uma dogmática jurídica da

E foi também por isto que se fortaleceu a demanda por um conhecimento racional, que pretendia uma observação controlada dos fenômenos sociais, pelo estabelecimento, para estes, de leis equivalentes às naturais.

Nesta premência por certeza e segurança é que vislumbramos, como veremos adiante, a sedimentação das bases teóricas do positivismo jurídico.

Além de moldado por esse ambiente de racionalidade estrita – que, aliás, marca o pensamento ocidental até hoje – Marx (1818 - 1881) não foi indiferente àquela que, depois dos gregos, foi a mais importante corrente filosófica que a humanidade produzira, a chamada filosofia clássica alemã, do qual Kant (1724 - 1804) foi a expressão mais notável e destacada e não apenas no campo filosófico: ele anteciparia, fazendo uso apenas da especulação, o que Laplace só em 1796 vem a comprovar, uma teoria evolucionista do sistema solar.119

E foi exatamente Kant quem questionou alguns dos pressupostos mais caros do racionalismo – e proporcionado uma reviravolta no tormentoso problema do conhecimento - ao postular, em seus escritos, a impossibilidade de se conhecer a essência das coisas (a chamada “coisa em si”).

As interpretações mais superficiais tendem a confundir a tese da impossibilidade, resultante da formulação kantiana, como uma forma de solipsismo, o que é completamente errado, na medida em que ele não nega – ao contrário – a existência da “coisa em si” e sim, afirma a impossibilidade de nosso aparato cognoscitivo em apreendê-la plenamente e, em outros termos, transformá-la de coisa em si em coisa pra nós.120

A confluência das contribuições de Descartes e Kant, no que diz respeito ao jurídico, poderiam ser posta da seguinte forma: se o pleno conhecimento da essência é impossível pela via da razão e se a busca do conhecimento deve legitimação do conhecimento e da formação da lei na modernidade: uma leitura a partir de Descartes. Recife: repro, 2003. P.1-5.

119 Aqui, uma pequena digressão para frisar a relação problemática entre ciência e fé: quando perguntado por Napoleão em que parte de sua mecânica celeste se encaixaria deus, Laplace respondeu serenamente que não teve necessidade de tal hipótese para justificar o seu sistema.

120 KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. São Paulo: Martin Claret, 2002. P. 34-36, 78-86 e 256-257 e ADEODATO, João

Maurício Leitão. Filosofia do direito: uma crítica à verdade na ética e na ciência (através de um exame da ontologia de Nicolai Hartmann). São Paulo: Saraiva, 2002. P. 25-33.

começar pela dúvida permanente pode-se deduzir que bastaria determinar como o direito funciona sem perquirir acerca de uma possível essência.

É oportuno, aqui, dizer que, na quarta parte de seu ‘Discurso’, Descartes toma a precaução de ressaltar que sua dúvida é metodológica (e não, cética), pois se se pode duvidar de tudo, não se duvida que duvida.

Por sua vez, a forma como tal tradição racionalista influi Marx evidencia-se num desses questionários infantis, no qual ele responde a perguntas formuladas por suas filhas e afirma como seu lema preferido exatamente o “duvidar de tudo”.

Já uma corrente dotada duma visão diversa da marxista – o pragmatismo – coloca-se noutra direção ao afirmar, através de um de seus fundadores, Peirce (como examinaremos com mais detalhe na última parte), que não se pode partir da dúvida completa, pois é preciso iniciar um estudo com todos preconceitos que possuímos no momento em que o começamos, visto que eles não podem ser banidos por uma máxima. E conclui: não vamos duvidar em filosofia daquilo que não duvidamos em nossos corações.121

Ou, em outros termos: se não havia como conhecer o direito no que ele é, somado a constatação de que a ética que norteia o jurídico não é material, tratar- se-ia então de reduzi-lo a estruturas formais de produção122.

Foi esta a base filosófica do positivismo jurídico, somado a crítica ao direito natural, efetuada pela escola histórica.

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