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MARXISMO E PRAGMATISMO COMO FILOSOFIAS DA PRÁTICA E DE AÇÃO.

6.4. O pragmatismo, hoje.

Tendo em vista a rejeição a qualquer definição de verdade fundada em

critérios racionais a priori, o pragmatismo é considerado uma variante do

empirismo e do ceticismo, ou, contemporaneamente seria tido como uma teoria deflacionista da verdade visto que não se preocupa em responder a questão acerca do que ela é através de critérios fundacionistas.339

O pragmatismo, como toda filosofia que se preze, captou a essência - se é que disso se pode falar - de sua época. Um período no qual o saber, que é poder, não respeitou nenhuma barreira.

É evidente que o pragmatismo – assim como sucedera com Marx - deixou questões sem resposta – não nos parece que, tê-las para tudo, fosse a intenção de Peirce e seus seguidores, o que desde já é algo muito positivo.

Dentre essas, uma das mais polêmicas dentre todas foi a questão da intuição.

Ao afirmar que não temos o poder de intuir e que cada cognição é logicamente determinada por uma intuição prévia340, ficou em aberto a indagação acerca de como explicar a cognição primeira.

Peirce busca responder tal questionamento ao afirmar que é necessário admitir a proposição contida na tese da segunda incapacidade como hipótese e aceitar que não há primeira cognição em sentido absoluto, mas que esta surge de um processo contínuo.341

Embora isso não resolva o problema e deixe a questão vaga, pois como colocou, com precisão, alguém que não estaria de modo algum num campo racionalista, intuir que não intui já é uma intuição, o que acarreta uma cisão esquizofrênica no sujeito pensante.342

As teses seminais do pragmatismo, formuladas por Peirce, foram aprofundadas por James e por Schiller – que o chamava de humanismo. Em Dewey, o instrumentalismo pode ser tido como o desenvolvimento pleno e desdobramento lógico das formulações dos dois primeiros.

O pragmatismo foi, ao seu tempo, uma tentativa de se criar – para usar uma expressão do jargão político recente – uma terceira via em filosofia. Para isto negou (como não-operante) a oposição materialismo x idealismo, bem como utilizando-se – coerentemente com a concepção de verdade como utilidade – elementos das duas teorias que fossem aptos ao seu edifício teórico.

339 GHIRALDELLI JR, Paulo. Neopragmatismo, Escola de Frankfurt e Marxismo. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2001. P. 118-

120.

340 PEIRCE, Charles S. Algumas conseqüencias de quatro incapacidades. In: Escritos coligidos. São Paulo: Editora Abril, 1980.

P.72.

341 PEIRCE, Charles S. Algumas conseqüencias de quatro incapacidades. In: Escritos coligidos. São Paulo: Editora Abril, 1980.

P.73.

Tendo o imediato como ponto de partida, do pragmatismo se decorre que ao mesmo fato podem ser oferecidas diferentes – e até opostas – explicações, desde que sejam úteis.

Se a conclusão obtida for determinada ou não, racional ou irracional, afirme ou negue deus, pouco importa. Se for útil – isto é, se resolver o problema e se for aceita, ou aceitável – será verdadeira.

Num mundo complexo como o jurídico, cheio de conflitos, onde o que se discute não é o que é verdade e sim o que parece veraz, o pragmatismo está longe de ser algo – para usar uma expressão com a qual marxistas e pragmáticos concordariam – desprovido de valor de uso.

Mas, no limite, ao supervalorizar a concepção de utilidade em si e por si, o pragmatismo pode servir – independentemente do sentido ético de seus criadores – para a justificação teórica, política e ideológica de uma série de condutas da chamada real politik - vide o exemplo da política externa americana onde em nome de uma atitude pragmática, que deve fazer Peirce tremer na cova, se pratica os maiores absurdos contra a humanidade.

Isto não deve nos levar a uma conclusão superficial que o pragmatismo teria oferecido, de forma consciente, fundamento para políticas conservadoras. Uma coisa é uma filosofia, outra o uso que dela se faz – algo que aconteceu ao próprio marxismo. Em Dewey, por exemplo, o conceito de utilidade é extraído da própria idéia de experiência. E. embora todas as ações sejam frutos da experiência e só pela experiência se perceba o que é útil, disto não se pode decorrer – a não ser por um sofisma – que tudo que dela decorra seja forçosamente útil.343

O pragmatismo refletiu seu tempo porque os filósofos são frutos de sua época e de seu povo e destes extrai sutilezas para exprimi-las nas idéias filosóficas.

343 É o que observou, com argúcia, em anotações enviadas ao autor, analisando um artigo em vias de publicação, o

O espírito que constrói os sistemas filosóficos nos cérebros dos pensadores é o mesmo que constrói as estradas de ferro com as mãos dos operários. A filosofia não é exterior ao mundo.344

Foi por esta ligação interna com o mundo que a filosofia que aquela sociedade estava amadurecida para produzir não apenas se assumira como um método, mas fundamentalmente, como uma teoria genética do que se entende por

verdade345, interrogando-se não apenas o que ela era, mas também como se

diferenciaria do erro.

Esta pergunta, fundamental em qualquer especulação filosófica, levou o pragmatismo a elaborar não apenas um sistema filosófico, mas um conjunto de atitudes que ainda hoje repercute intensamente e é alvo de intensas, e produtivas, polêmicas.

Os marxistas, por mais que divirjam das diversas formas de empirismo – e o pragmatismo é uma delas – com elas tiveram pontos de contato: a valorização da experiência, o reconhecimento do positivo como o real (mas se diferenciando ao afirmar que não era o único real).

O uso de inferências do pragmatismo, por exemplo, em argumentação jurídica, não é algo que uma atitude serena, não-ontológica e tolerante, deva desprezar. Habermas, por exemplo, herdeiro do marxismo da escola de Frankfurt – ainda que se diga que em relação à ela não tenha mais nada em comum, guardando apenas um respeito reverencial – não ignorou-as, pelo contrário, delas fez uso amplo.

A existência de pontos de contato com a concepção do real como, ainda que parcialmente, o que está posto, nos leva a perquirir, no próximo capítulo, sobre o que separa e aproxima algumas idéias do marxismo – a exemplo da autonomia relativa da superestrutura – com uma visão sistêmica da realidade.

344 MARX, Karl. Artigos (14 de julho de 1842) para a ‘Gazeta Renana’ In: Obras, Tomo I. Moscú: Editorial Progreso, 1976.

P.242.

345 JAMES, William. Pragmatismo. 2ª conferência: O que significa o pragmatismo. In: Pragmatismo e outros textos. São

CAPÍTULO 7

AUTOPOIESE X AUTONOMIA RELATIVA DO DIREITO: DUAS

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