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Liberdade, causalidade e a instância jurídica em Marx.

O AMBIENTE DO SÉCULO XIX.

2.6. Liberdade, causalidade e a instância jurídica em Marx.

Embora se encontre, de forma esparsa, ao longo da obra de Marx – mas também em Engels – várias análises sobre o direito, especialmente nos textos da juventude, o que é explicável, entre outros motivos, por sua formação acadêmica, não se pode afirmar, exatamente pelo caráter disperso das análises, que ali exista uma teoria geral do direito, se isto se entende como um estudo sistemático, estrito e generalizado.141

139 ATIENZA, Manuel. Marx y los derechos humanos. Madrid: Editorial Mezquita, 1983. P.39-45.

140 MARX, Karl. Crítica ao programa de Gotha. In: Marx e Engels – textos. Volume 1. São Paulo: Edições Sociais, 1977.

P.227-243.

A importância de Marx neste campo é, fundamentalmente, crítica, ou seja, pelo que desnudou e desmistificou em relação à forma jurídica.

Na construção de sua concepção filosófica, a partir de um olhar crítico-histórico sobre a atividade dos humanos e fundamentalmente sobre os diversos papéis que eles ocupam na produção e reprodução de seus meios de vida, Marx acabou por se diferenciar das demais filosofias postas até então porque teorizava, de forma explícita, que não bastaria mais “interpretar o mundo”.142

As principais polêmicas enfrentadas, naquela época, pelo marxismo (no terreno que abrange direito e moral), além da atitude não-contemplativa em relação ao mundo e de perceber o direito como dominação, foram a da discussão acerca do papel do chamado livre-arbítrio, nas ações humanas e como se colocar perante as visões predominantes acerca do direito.

Para a primeira polêmica se note que é comum se afirmar que os seres humanos são dotados de livre-arbítrio sem que se faça maiores discussões sobre o alcance e o significado dessa liberdade de escolha e até que ponto elas podem ser social e historicamente determinadas. O correlativo de tal senso comum, no qual a liberdade é tratada de forma tão genérica, é considerar-se o direito como sua realização.

Trata-se então de se perguntar – como o fizemos de outra forma mais atrás – se essa é mesmo a qualidade essencial do direito ou, dito de outra forma, se o direito realiza a liberdade.

Em Kant, as leis que regem o âmbito da conduta humana são chamadas de leis da liberdade para se contrastarem das chamadas leis da necessidade, isto é, aquelas que regem os fenômenos do universo natural.143

Na verdade, o reconhecimento da instância de liberdade não resulta numa negação da causalidade, mas na busca de um conhecimento cada vez maior e amplo das múltiplas determinantes do comportamento humano visto que, cada vez mais, num mundo complexo, a liberdade de vontade será a de decidir com

142 MARX, Karl. Teses contra Feuerbach. São Paulo: Abril Cultural, 1978. XI tese. P.53.

conhecimento de causa, de forma que tanto mais livres serão julgamentos que presidam as nossas condutas perante algo, quanto maior for nosso conhecimento acerca do problema.

Ora, nestas condições ideais não se pode dizer que haverá crescente possibilidade de se estabelecer um nível de necessidade entre a plena consciência dos dados em exame e os possíveis resultados dos juízos a serem emitidos?

Quanto a segunda polêmica, das duas citadas acima, lembremo-nos que o marxismo diferenciou-se do positivismo, quer em sua forma legalista, quer nos desdobramentos seguintes, não só por não ter se proposto a formular uma teoria geral do direito, mas, fundamentalmente, pelo afastamento de qualquer concepção meramente formalista ou em si do fenômeno jurídico (embora tenha havido quem pensasse em conciliar as duas posições, baseando-se no fato de o normativismo kelseniano, por ser não-conteudista, seria apto a assimilar qualquer visão do jurídico).144

Mas também nunca considerou o marxismo ter maior afinidade com as visões jusnaturalistas, pois nesta a concepção de justiça é também algo em si, ou seja, genérica, e não uma construção classista ou ideológica. Além do mais, como já lembrado com propriedade, se a crença em um direito natural, superior, pode servir como fato de progresso, não se deve esquecer que elas podem embasar perspectivas intolerantes.145

O ponto comum com essa concepção seria apenas o fato do marxismo ter uma visão conteúdista do direito.

Mas, para o marxismo, tal conteúdo – ou qualidade essencial – seria o direito ter sua essência na dominação e não, como os jusnaturalismos, na realização da justiça.

144MANERO, Juan Ruiz. “Sobre la crítica de kelsen ao marxismo”. In: Revista Doxa, N°3, 1986. P. 191-231. Neste artigo,

Manero procura recensear as principais críticas – e incompatibilidades – da teoria pura do direito com o marxismo, embora mostre uma série de colocações de Kelsen reconhecendo aspectos positivos do sistema soviético (especialmente nas pp.195- 200). Penso que, opostamente, é uma atitude estreita de alguns analistas marxistas não reconhecer nenhum mérito da obra kelseniana.

Ao mesmo tempo a teoria colocou um problema acerca do qual trataremos de aprofundar no próximo capítulo os reflexos no mundo jurídico: a categoria da alienação como afastamento, separação e estranhamento e que buscaremos estender à contradição entre os que produzem normas e os seus destinatários. Ou seja, entre o indivíduo e o Estado cujas normas lhes são estranhas, de cuja produção ele objetivamente é alijado e, por conseqüência, com as quais não se identifica.

CAPÍTULO 3

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