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Direito e violência – contradição e legitimidade.

AUTOPOIESE X AUTONOMIA RELATIVA DO DIREITO: DUAS NARRATIVAS SOBRE O MESMO PROBLEMA

7.5. Direito e violência – contradição e legitimidade.

De forma bem esquemática pode-se dizer que, na teoria marxista, o direito surge na sociedade devido ao fato que, no interior desta, se instala um conflito distributivo, fundado na apropriação privada dos bens, conflito tal que só pode ser resolvido por uma instituição, aparentemente acima das classes – o Estado –

382 SAMPAIO, Inês S. “Conceitos e modelos de comunicação”. In: Ciberlegenda. Rio de Janeiro: UFF, 2001. Nº 5.

http://www.uff.br/mestici, acesso em 10/02/2004.

383 ‘De acordo com a teoria dos sistemas, a sociedade moderna resultaria da hiper-complexificação social vinculada à

diferenciação funcional das esferas do agir e do vivenciar’. Pelo que, em NEVES, a modernidade periférica é categorizada como modernidade negativa, ainda que se tome tal dicotomia como meramente analítica. NEVES, Marcelo. “Do pluralismo jurídico à miscelânea social: o problema da falta de identidade da(s) esfera(s) de juridicidade na modernidade periférica e suas implicações na América Latina”. In: Anuário do Mestrado de Direito. Recife: UFPE, 1993. P. 322-324.

384 LUHMANN, Niklas. Legitimação pelo procedimento. Brasília: UNB, 1980. P. 40-41 e MOREIRA, Luiz. Fundamentação do

dotado de um aparato de normas jurídicas – o Direito – e com uma organização de poderes que garante a existência daquele e a aplicação deste, se preciso pela violência.385

Também por essa visão de direito é que não se opunham ao problema da autoridade enquanto garantia da aplicação do direito. Para a teoria marxista, autoridade quer dizer imposição da vontade de outrem à nossa, o que pressupõe, por outro lado, subordinação.386

Mas, não viam – especialmente nos textos pós-1845 - o direito como valor em si, cujo objetivo seria a igualdade. Para Marx, por exemplo, a idéia de um direito igual é mera ilusão: direito igual continua a ser direito burguês. Sua igualdade consistiria em que é medido por um mesmo critério, ou seja, pelo trabalho.

Só que, sendo alguns indivíduos mais eficazes, na atividade laboral, do que outros, resulta que o direito igual é direito desigual para trabalho desigual e no fundo é, como todo direito – afirma Marx – o direito da desigualdade387.

Ou seja, existe o direito – e o Estado - porquê na sociedade instalou-se uma contradição cuja solução definitiva não pode se dar nos marcos da mesma.

Marx e Engels viam tal contradição positivamente e como um fator de progresso social.

Por isso, a categoria da contradição ocupa lugar central no pensamento marxista, que, aliás, herdou-a da tradição filosófica ocidental, mas que só veio a ter papel chave no sistema filosófico hegeliano, de onde Marx foi buscá-la.

385 Embora nunca tenham se proposto a formularem uma teoria geral do Direito e do Estado, Marx e Engels, individual e

conjuntamente, produziram vasta literatura que, detalhada ou pontualmente, abordam essas questões jurídicas, v.g: ENGELS, Friedrich. Anti-Dühring. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976. P.71-91 e 137-160; Sobre a autoridade.In: In: Marx e Engels – Textos.Vol.2.. São Paulo: Ed. Ciências Sociais, 1977 e A origem da Família, da propriedade privada e do Estado.Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991. P. 120 em diante. MARX, Karl. Crítica ao Programa de Gotha. In: Marx e Engels – Textos, Vol. 1. São Paulo: Ed. Ciências Sociais,1977. P. 227-243; The philosophical Manifesto of the Historical School of Law (O manifesto filosófico da Escola histórica do Direito) e Debates on the law on thefts of wood (Debates acerca da lei sobre os furtos de lenha), ambos em: www.marxists.org/archive/marx/works.htm; Crítica à Filosofia do Direito de Hegel. Porto: Ed.Presença, s/data; MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

386 ENGELS, Friedrich. Sobre a autoridade. In: Marx e Engels: Textos. Vol. 2. São Paulo: Ed. Sociais, 1976. P. 119. 387 MARX, Karl. Crítica ao programa de Gotha.In: Marx e Engels: Textos. Vol. 1. São Paulo: Ed. Sociais, 1977. P. 232.

Luhmann não a nega e lembra que a contradição é um tema recorrente em sociologia, embora ressalte que dela muito se fale e pouco se determine o que significa.

Existiriam critérios pelos quais se possa dizer se algo é ou não uma contradição?

Luhmann ensaia uma resposta: as contradições são formas específicas de autoreferência e a função delas consistiria em conservar e ressaltar a unidade de um contexto de sentido e não o de fortalecer a separação das expectativas a ele ligadas.

Atuando de outra forma, as contradições desestabilizariam o sistema e redundariam em insegurança de expectativas.388

Mas, não se deixe de levar em conta que o direito não poderia se estabilizar se necessitasse permanentemente do uso de violência efetiva e atual. Ao mesmo tempo, para garantir estabilidade precisa justificar permanentemente sua prevalência – ou dominação. E quem cumpre esse papel é a legitimidade.389

A busca de legitimação se reflete, também, na tensão entre os diversos níveis da esfera pública, compreendida, em sentido estrito, como campo de tensão do mundo da vida e os sistemas político e jurídico, de outro.390

Finalmente, não podemos olvidar que a interpretação acerca da natureza de classe, ou não, do Estado, tem sido objeto de intensa disputa política, com algumas variantes se manifestando entre mesmo os que se reivindicam marxistas: há os que defendem uma visão abertamente instrumentalista, expressa na fórmula pela qual o Estado seria um mero gestor de negócios da classe burguesa e, em oposição, uma visão estruturalista que aponta os constrangimentos estruturais à ação do Estado como o que determina a sua natureza classista, e o que o faz gozar de autonomia relativa perante outras esferas.

388 LUHMANN, Niklas. LUHMANN, Niklas. Sistemas sociales: lineamientos para una teoría general. Mexico: UIA, 1998. P. 324

e 332.

389 LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito II. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1983. P. 61 e ss e ADEODATO, João

Maurício Leitão. O problema da legitimidade: no rastro do pensamento de Hannah Arendt. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1989. Passim.

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