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Marx: da sociedade civil ao Estado.

A CRÍTICA À FILOSOFIA DO DIREITO DE HEGEL E O PROBLEMA DA SOCIEDADE CIVIL

4.6. Marx: da sociedade civil ao Estado.

Para chegar as formulações da crítica de 1843, Marx transita de uma concepção positiva do Direito e da política, ambas resultantes de um pensamento

243 MARX, Karl. Diferença entre as filosofias da natureza em Demócrito e Epicuro. São Paulo: Global, s/data.P. 25-27. 244 HEGEL, G. W. F. Princípios da filosofia do direito. São Paulo: Ícone, 1997. 262. P. 213-214.

ainda de matriz hegeliana, no qual o Estado e o Direito ainda são vistos como realização da razão e da sua universalidade.

A lei – vista por um Marx ainda hegeliano - é tratada em termos de ser ou não ser verdadeira. Não é também considerada como medidas repressivas contra a liberdade. Nessa etapa ele afirmava que as leis não eram medidas repressivas contra a liberdade mais do que a lei da gravidade seria uma medida repressiva contra o movimento: a lei é verdadeira quando, dentro dela, a lei natural da liberdade torna-se lei consciente do Estado.246

Tal afirmação evidencia o conflito entre caráter da reflexão jurídica de Marx, na ocasião e a tomada de consciência acerca dos fundamentos dos problemas sociais.

Marx trabalha com o conceito de sociedade civil de Hegel, mas, da mesma maneira que na dialética, opera também aqui uma inversão: a vida social, isto é, os humanos são quem determinam o Estado e não o oposto.

Ao empreender o exame da filosofia do direito de Hegel, Marx começa, desde logo, pela crítica a concepção de ser.

Ele nega, explicitamente, o pressuposto segundo o qual todo o sistema parte da “idéia”, que, em Hegel, é colocada como sujeito e não como decorrência ou qualidade do real.

Em outras palavras, ao abordar família e sociedade civil Hegel faz a partir da idéia, do Estado e não, a partir daquelas.247

E, adiante, no parágrafo 308, Marx critica Hegel por este desenvolver um formalismo de estado, já que, no sistema hegeliano, o princípio material de que parte é a idéia, forma pensada e abstrata do Estado, enquanto sujeito ou idéia absoluta desprovida de qualquer elemento passivo.248

E, reitera, tal ocorre porque Hegel inverte a precedência entre os elementos da relação, inverte a determinação de sujeito e de objeto e, por exemplo, converte todos os atributos do monarca em autodeterminações absolutas da vontade. Hegel

246 MARX, Karl. Debates sobre a liberdade de imprensa. In: Liberdade de imprensa. Porto Alegre: L&PM, 2001. P. 60-61. 247 MARX, Karl. Crítica da Filosofia do direito de Hegel. Lisboa: Presença, s/data. P. 10-14 e HEGEL, Georg W. F. Filosofia do

não diz – frisa Marx – “a vontade do monarca é decisão última” e sim: “a decisão última da vontade é o monarca”. A primeira afirmação prossegue, é empírica, já a segunda tergiversa o fato empírico em axioma metafísico.249

Ou seja, em lugar de partir do ser real, Hegel se vale de um “suporte”, papel que no seu sistema é cumprido pela “idéia”.

Com isso Hegel dá um “passo atrás” e reforça uma certa teleologia de sua concepção, visto que nela o sistema age com finalidade, isso leva, de novo, a crítica de Marx, segundo a qual, não é o curso da vida, da família, enfim, da sociedade, que forma o Estado, e sim o oposto: é o curso da idéia que leva ao Estado, a idéia real é representada como se atuasse de acordo com princípio e intenção determinadas.250

A questão, para Marx, é: Hegel não desenvolve seu pensamento a partir do objeto, ao contrário, desenvolve os objetos partindo de um pensamento.251

Apesar desta diferença de perspectiva não se pode obscurecer o legado de Hegel (também nessa questão), fato que Marx reconhece quando lembra ao leitor que sua especialidade era jurisprudência, ainda que como disciplina secundária, e das dificuldades em tomar parte nos debates sobre questões materiais, embora – frisava com honestidade científica – muitas vezes a vontade de “ir à frente” ocupasse o lugar do conhecimento do assunto.

Mas, decidido a estudar, empreende uma revisão da filosofia do direito de Hegel, onde conclui que as relações jurídicas, tais como formas de Estado, não se compreendem a partir de si mesmas nem de um suposto “desenvolvimento geral do espírito”, elas se enraízam nas relações materiais de vida, cuja totalidade foi resumida por Hegel – afirma ele – sob o nome de “sociedade civil”.252

Ou seja, a “revisão” que faz da filosofia do direito de Hegel permite-lhe formular respostas quanto a dúvida central que o assediava: os problemas

248 MARX, Karl. Crítica da filosofia do direito de Hegel. Lisboa: Presença, s/data. P. 177-178.

249 MARX, Karl. Crítica da filosofia do direito de Hegel. Lisboa: Presença, s/data. P. 35-39. O comentário refere-se ao

parágrafo 279.

250 MARX, Karl. Crítica da filosofia do direito de Hegel. Lisboa: Presença, s/data. P. 11. 251 MARX, Karl. Crítica da filosofia do direito de Hegel. Lisboa: Presença, s/data. P. 22.

252 MARX, Karl. Para a crítica da economia política. Prefácio. In: Manuscritos econômicos-filosóficos e outros escritos. São

relativos a concepção de Estado, a natureza do mesmo e como ele reflete os conflitos da sociedade.

Posteriormente, na Ideologia Alemã, ele lembraria que todas as lutas no

interior do Estado são formas aparentes e nas quais se manifestam as lutas sociais reais.253

Marx nega então, o Estado como ente autoposto para demonstrar sua gênese na concreticidade das contradições da sociedade civil.

Na visão de Marx, a base natural do Estado moderno é o homem moderno, ligado aos outros apenas pelos frios laços dos interesses privados. E toda a sociedade assim constituída não conseguiria ultrapassar os limites dessa guerra recíproca entre as pessoas.254

Enfim, para se contrapor aos conceitos jusnaturalistas de sociedade civil – mas também para criar um ponto arquimediano que o diferenciasse de Hegel - Marx foi buscar seu fundamento, como vimos na primeira parte, em Aristóteles, pelo qual, como já vimos, tinha grande reverência.255

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