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Os pressupostos filosóficos do jovem Marx.

O AMBIENTE DO SÉCULO XIX.

2.5. Os pressupostos filosóficos do jovem Marx.

A filosofia clássica alemã teve um papel decisivo na formação do pensamento moderno, junto com a filosofia francesa do século XVIII, retomando as melhores tradições da Grécia antiga.

É nesse mundo, contraditório e complexo, de gigantes do pensamento, que surge Marx, com toda herança idealista da filosofia de então. E, em tal contexto, a afirmação de um sistema de pensamento próprio e original não se faria à margem de polêmicas. Elas seriam imprescindíveis, sob pena de impossibilidade da aludida afirmação. É por isto que procuramos situar o marxismo dentro da herança cultural que não apenas assimilou, mas, fundamentalmente, criticou e re-elaborou, num contexto de dramáticas transformações.

A concepção marxista de direito, embora esparsa em todo conjunto da obra de Marx, é mais rica em referências no lapso temporal que se convencionou chamar de “jovem Marx” ou “Marx da primeira fase”, que vai dos escritos que marcam sua

produção lítero-acadêmica e que se expressará na tese acerca das Diferenças

entre as filosofias da natureza em Demócrito e Epicuro – examinada no primeiro capítulo desta dissertação -, e através da qual recebeu o grau de doutor, até a

Ideologia alemã, esta escrita em parceria com Engels.

Tal divisão, desenvolvida por Althusser, embora questionada pela arbitrariedade que a envolve – como ocorre em quase todas esquematizações – é operativa e didaticamente útil. Ela separa um Marx jovem, ainda pensando com os marcos conceituais oriundos do idealismo alemão, de um Marx já maduro.24

A obra que operaria a cesura entre a primeira fase e as seguintes seria a Ideologia alemã e, de certa forma, as Teses contra Feuerbach, escritas no mesmo ano. Com a primeira dessas obras, Marx faria, para usar uma expressão que é dele (e de Engels), um acerto de contas com a nossa consciência filosófica anterior.

24 Tal divisão, embora muito questionada pela arbitrariedade que envolve qualquer esquematização, é muito operativa e

didaticamente útil. Ela separa o Marx jovem, ainda pensando com os referenciais do idealismo alemão, do Marx em amadurecimento e do Marx já maduro. A obra que opera a cesura entre uma fase e as outras é a ‘Ideologia Alemã’, [mas também as ‘Teses sobre Feuerbach’, do mesmo ano de 1845] com a qual, nas palavras de Marx, fizemos um ‘acerto de contas com nossa consciência anterior’. A formulação de tais divisões está desenvolvida especialmente em ALTHUSSER, Luis. A favor de Marx. Rio de Janeiro: Zahar, 1979. P.22-30.

O Marx que escreve a tese de doutorado é, portanto, no dizer da historiografia, um hegeliano de esquerda – ou como seria classificado posteriormente, racionalista liberal, na medida em que ainda não formulara o que viria a ser sua concepção materialista da história.

E o que isto significava? O jovem advogado ainda pensava a filosofia grega não a partir de uma concepção histórica tal como conhecemos hoje e sim pelos parâmetros da crítica que começava a esboçar à filosofia clássica alemã.

Por isso nela, como vimos no capítulo anterior, o contraponto é entre um Demócrito cético e empírico, que nega o acaso, em oposição a um Epicuro ontológico, que vê o mundo como fenômeno objetivo, mas que considera o acaso como parte de sua ontologia137.

Quando, ainda na juventude, esboça uma crítica a concepção do direito predominante – a qual abordaremos na segunda parte desta dissertação – o faz centrando-a na superação da dicotomia entre indivíduo x Estado, caracterizando a sociedade civil, da qual o indivíduo é membro, enquanto esfera de interesses egoísticos privados, oposto àquele outro, objetivo da emancipação, que pela afirmação de sua humanidade genérica se libertaria das amarras dos mesquinhos interesses.

Assim é que ele delineia a superação da contradição entre indivíduo e sociedade, onde aquele deve despojar-se de sua classe, a sociedade civil privada, a fim de adquirir significação, pois a sociedade civil encontra-se precisamente entre o indivíduo e o estado político.138

Com isso, Marx desenvolve a seguinte crítica: frente a visão da realidade, que Hegel explica – como um dos luminares da filosofia clássica alemã – à partir das idéias, opõe uma visão materialista: as idéias se explicam à partir da realidade e o Estado se explica à partir da sociedade, e não o oposto.

Fundamenta ainda a sua posição em três pressupostos principais: a um: Marx nega o caráter ideal da oposição sociedade civil x Estado, o que – conforme ele

137 MARX, Karl. Diferença entre as filosofias da natureza em Demócrito e Epicuro. São Paulo: Global, s/data. P.19. 138 MARX, Carlos. Critica de la filosofia del estado de Hegel. Buenos Aires: Claridad, 1946. P.149.

critica em Hegel – daria à administração um papel mediador; a dois: embora, como Hegel, parta da separação entre essas duas esferas, em Marx a sociedade civil (como dito acima) não aparece determinada pelo Estado; e, por fim, para resolver tal separação Marx propõe que se extinga o Estado, algo que sequer Hegel imaginaria139.

Mas só no Marx “maduro” o direito será visto claramente como instrumento de dominação, expressando o conflito entre interesses classistas diversos140.

Mas, do exposto, não se pode legitimamente inferir que o direito tenha de ser exercido sempre através da violência e coação abertas, embora muitas vezes se faça tal vulgarização para se tentar desqualificar, por superada, a concepção marxista de direito.

O argumento segundo o qual a imensa maioria das regras jurídicas é aplicada sem violência, não responde ao problema visto que o ponto nodal da mesma situa- se em torno da seguinte questão: se o que dá qualidade – ou, em outros termos, o que define, o que caracteriza – o fenômeno jurídico é a dominação, o controle, ele não precisa, para ficar bem caracterizado, ser exercido sempre mediante tal coação aberta.

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