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Encontros e desencontros de duas filosofias com diferentes fundamentos

MARXISMO E PRAGMATISMO COMO FILOSOFIAS DA PRÁTICA E DE AÇÃO.

6.1. Encontros e desencontros de duas filosofias com diferentes fundamentos

Trata-se, neste capítulo, de se tentar fazer uma análise de alguns aspectos do pragmatismo cotejando-o com uma corrente filosófica que dele se diferencia e que sempre buscou examiná-lo em seus fundamentos, o marxismo.

O exame destes fundamentos do pragmatismo não deve implicar, necessariamente, em negar seus méritos, até porque não haveria como obscurecer as imensas possibilidades do uso que se pode fazer de vários construtos pragmáticos – e em especial na argumentação jurídica - a exemplo da afirmação segundo a qual verdadeiro é o que é útil e o que é útil é verdadeiro312. Seu autor,

William James – que se tornou pragmatista através da leitura do Como tornar clara nossas idéias313 – correlaciona de forma muito peculiar, em outro exemplo dessas

possibilidades, verdade e direito, ao afirmar que assim como o verdadeiro é o conveniente no caminho de nosso pensamento, o direito é tão somente o

conveniente no caminho de nosso comportamento.314

312 JAMES, William. Pragmatismo. 6ª conferência (concepção da verdade no pragmatismo). In: Pragmatismo e outros textos.

São Paulo: Abril Cultural, 1979. P.73. Mas, é de se reconhecer, que essa foi uma colocação infeliz de James, até porque em todo o resto de sua obra, ela nunca a sustentou, como nos lembrou, em precisa contribuição, o Professor Doutor George Browne, do PPGD / UFPE.

313 PEIRCE, Charles S. Cómo esclarecer nuestras ideas. Traducción castellana de José Vericat.

http://www.unav.es/gep/howmakeideas.html. 25/12/2002.

314 JAMES, William. Pragmatismo. 6ª conferência - concepção da verdade no pragmatismo. In: Pragmatismo e outros textos.

Vê-se, por essas duas formulações que tal aporte ao direito não é algo que se deva deixar de levar em conta - que o diga o crescente prestígio do chamado neopragmatismo e o uso de uma série de inferências desta concepção, por exemplo, em Rorty e em Harbermas.

Este último, para alguns estudiosos, deveria ser situado, hoje, nessa variante do pragmatismo, na medida em que só teria do marxismo da chamada teoria crítica apenas uma reverência moral com a Escola de Frankfurt.315

Também a concepção desenvolvida sobre como se dá a construção de certeza na comunidade científica, aproxima muito o pragmatismo das modernas teorias de argumentação jurídica.

A base dessa concepção se fundamenta na crítica que o pragmatismo desenvolve ao chamado espírito do cartesianismo e que se expressava em quatro regras, uma das quais afirmava que o teste derradeiro da certeza se assentaria na consciência individual.

Em oposição a tal desenvolvimento, Peirce defendia que uma teoria está permanentemente sob prova até que se construa o consenso (que ele chamava de acordo) e este, uma vez obtido, torna a questão da certeza superada visto que ninguém ficara de fora para duvidar.316

As peculiaridades do pragmatismo podem se explicar pelo caráter bastante particular do desenvolvimento da sociedade americana e de suas raízes remotas no empirismo.

Em sua forma acabada, tal qual como se consagrou, via Peirce e James, provavelmente não poderia ter surgido em outro ambiente e em outra época. Outras circunstâncias talvez não tivessem possibilitado o substrato necessário para que se germinasse corrente ao mesmo tempo tão peculiar e característica de uma dada sociedade e uma dada época.

315 GHIRALDELLI JR, Paulo. Neopragmatismo, Escola de Frankfurt e Marxismo. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2001. P.118-

128.

316 PEIRCE. Charles S. Algumas consequências de quatro incapacidades. In: Escritos coligidos. São Paulo: Abril Cultural,

Foi inegavelmente – e é, de certa forma e em certa medida, até hoje – um ideário de legitimação do modo de vida americano – independente de qualquer conotação de valor, ou desvalor – ainda que essa não tenha sido a intenção de seus formuladores.

Ao afirmar, no terreno das idéias, o traço essencial do espírito americano, funcionou – e isso em geral ocorre com as filosofias e ideologias – como uma teoria de justificação.

Seu substrato poderia ser assim resumido: já que o êxito se ligaria ao mérito individual, o fracasso, por oposição, se daria pela falta de mérito.

A herança do puritanismo quaker explicava tal fenômeno pelo aspecto da fraqueza moral e não por falta de inteligência dos fracassados, pois já era evidente desde então, que o cérebro não era pré-requisito para se obter sucesso nos negócios.

Mas diga-se também que tal consideração não implicava numa atitude antiintelectual, embora a mesma já fosse bem disseminada na Inglaterra e Estados Unidos, em vista de que os vencedores nos negócios eram, sobretudo pessoas pouco ilustradas, que usavam do empirismo e do senso comum, valorizando mais a experiência ganha na vida real do que a pura introspecção.

Para quem assim via o mundo, a experiência a ser obtida através de livros, embora freqüentemente valiosa, é da natureza do aprender, enquanto que a experiência ganha na vida real é da natureza da sabedoria – uma pequena loja da última valeria muito mais que um estoque da primeira317.

Afirmações desse tipo, que mais parece tirada de um desses manuais vulgares de auto-ajuda, acabaram por reforçar o preconceito de excessivo espírito prático, que se convencionou atribuir ao homem médio americano e a sua expressão no plano das idéias, o pragmatismo.

E para que não tenhamos dúvida alguma de tal preferência é que se afirmou categoricamente que praticam o pragmatismo, geralmente, os homens

que têm êxito; na realidade, o gênero dos homens eficientes se distinguiria dos ineficientes precisamente por isto.318

É um pouco por todas essas razões que, à época de surgimento, a filosofia pragmatista dava eco aos anseios pela consolidação daquele novo mundo novo.

Tão disseminados estavam tais anseios que suas reverberações se estenderam, inclusive, ao campo da arte, expressando o libertarismo individualista, o igualitarismo antifeudal, reflexos do vigor inaugural do capitalismo, na América, com o espírito de época refletindo-se não apenas na filosofia, mas nas artes, na literatura e poesia.319

E, por mais que rejeitem as teses centrais do materialismo histórico320

certamente os pragmatistas concordariam num ponto: aquele em que os marxistas procuram explicar o surgimento das idéias a partir do caldo de cultura das condicionantes históricas - embora nunca é demais ressaltar que tal relação não é de mera cópia, como a estabelecida entre um objeto e a sua imagem num espelho plano, visto que as idéias sofrem outras determinações, umas influem as outras321

e, no caso em tela, o ambiente econômico, político e cultural que criou as condições de surgimento da sociedade americana tal com a conhecemos no século XX.

Não é ao acaso que, alguns anos depois, uma personalidade que não se pode acusar da menor identificação com o pragmatismo – embora tenha sido pragmático em muitas de suas ações – definira o ideal de um revolucionário como

317 HOBSBAWM, Eric J. A era do capital. Rio de Janeiro: Paz e Terra. 1977. P.256. Hobsbawm comenta que extraiu tal

afirmação de um livro editado em 1859 e de autoria de um certo Samuel Smiles, intitulado Self Help. Pelo que se pode deduzir que o ramo da “auto-ajuda” deita raízes de longa data.

318 PEIRCE, Charles S. Pragmatismo:las ciencias normativas - §3º El significado de las consequencias praticas. In: Harvard

lectures on pragmatism. Traducción castellana de Uxia Rivas. www.unav.es/gep/. Em 01/09/2003.

319 A poesia Withman é emblemática desses tempos: “aceito a realidade e não ouso questioná-la (...)/ viva a ciência positiva

/viva a experiência exata”. WITHMAN, Walt. Canto a mim mesmo. Fragmento 23. In: Folhas de Folhas de relva. Tradução e seleção por Geir Campos e apresentação por Paulo Leminski. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1983. P.25-26.

320 Uma exposição das teses do materialismo histórico, que se constitui em uma teoria de interpretação da vida social, feita

pelos próprios fundadores do marxismo, pode ser encontrada em ENGELS, Friedrich e MARX, Karl. A ideologia Alemã. Lisboa: Editorial Presença, 1975, 1º volume, especialmente a parte que examina as concepções de Feuerbach.

321 ENGELS, Friedrich. Carta a Stakenburg. In: Marx & Engels – Obras escogidas en tres tomos. Moscú: Editorial Progreso.

1974. Esta carta foi publicada pela primeira vez e sem indicação a quem era dirigida, na revista ‘Der Sozialistische Akademiker’, em 1895, cujo redator era Stakenburg, que – por esta circunstância – passou a ser tido como o destinatário (na verdade a carta fora dirigida a W. Borgius, militante socialista alemão).

sendo a junção do espírito bolchevique russo com o senso prático norte- americano322.

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