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Alienação e trabalho enquanto categorias ontológicas

ALIENAÇÃO E HUMANISMO.

3.2. Alienação e trabalho enquanto categorias ontológicas

Embora no final do século XX, tenha sido praticamente decretado o fim do mundo do trabalho – com o que o pensamento social ficaria destituído quase que totalmente de objeto e aplicabilidade - os fatos do mundo contemporâneo parecem indicar a precipitação de tal entendimento. O próprio período que se convencionou chamar de neoliberal – período onde ontologias tais como “o fim da história” e a negação de padrões mínimos de tolerância se estabeleceram - ao que parece esgotou-se.

Com esse esgotamento, anunciado desde a crise dos mercados asiáticos e acirrado mais recentemente pelo questionamento da política externa americana, voltou-se a discutir assuntos tais como a função dos Estados nacionais, inserção internacional, soberania e outras questões conexas que, abruptamente, foram

147 PETROVIC, Gajo. “Alienação”. In: BOTTOMORE, Tom (org). Dicionário do pensamento marxista. Rio de Janeiro: Jorge

eliminados da agenda de debates, enquanto temas dados por superados no admirável mundo novo que então se formava.

Entre as questões que se tornaram heréticas brilhava, pelo ocultamento das premissas, qual o lugar do trabalho – e, por via de conseqüência, qual o papel de quem trabalha – na sociedade dita global.

Interessa, especialmente aos que lidam com as lides jurídicas – mas não só a estes - rever o lugar e o papel do trabalho na vida social.

Mas, não se trata de, apriorísticamente, determinar – como muito se fez, em prejuízo da própria teoria - que uma concepção do mundo tenha a palavra final e sim de analisá-la em seus fundamentos, visto ser, se não a única, mas uma das que tratou de forma mais profunda a ontologia149 do ser social a partir do próprio

trabalho.

Ao Direito, que opera com um tal mundo complexo de relações, essa discussão não pode ser indiferente, pois – para fazer uso de uma paráfrase – malabarismo pode se fazer de costas para o mundo, Direito, não.150

Assim, para entendermos o problema da alienação necessário se faz, previamente, localizar o status que o trabalho ocupa na vida social dos humanos e os problemas e conflitos daí resultantes.151

Para tanto partimos da constatação que, em Marx, ele é a essência constitutiva dos indivíduos e, portanto, categoria ontológica do ser social que – por conseqüência – no momento em que é desapossado da riqueza que produz, deixa de ser livre em sua atividade, que perde seu caráter criativo e origina o fenômeno da alienação, do estranhamento, da não identificação do indivíduo com o que lhe confere a essência humana, isto é com o seu próprio trabalho.152

148 LUKÁCS, Georg. El joven Hegel y los problemas de la sociedad capitalista. Barcelona: Grijalbo, 1976. P. 516.

149 A filosofia, dentre várias formas de dividi-la, pode ser enfocada a partir da teoria do conhecimento (gnosiologia), da

teoria dos valores (axiologia) e da teoria do ser (ontologia). Para uma análise mais aprofundada destes três campos, ver: ADEODATO, João Maurício. Filosofia do Direito: uma crítica à verdade na ética e na ciência. São Paulo: Saraiva, 2002. P. 1- 18.

150 A frase original, aqui parafraseada, é “malabarismo se faz de costas para o mundo, poesia, não!”, cuja autoria deve-se ao

poeta maranhense Ferreira Gullar.

151 ARAUJO, Eneida Melo Correia de. As relações de trabalho: uma perspectiva democrática (Tese de doutorado). São Paulo:

LTr, 2003. P. 85-94 e 298-321.

152 Na concepção marxista de humanidade o trabalho adquire peso tal, que Engels dedica-lhe um texto clássico – e

Mas, ainda que se afirme a existência de elementos de uma ontologia – do trabalho, do ser social - em Marx, tal atitude deve ser precedida de cautelas.

Em primeiro lugar significa, quanto ao método, reconhecer que este tem como pressuposto o reconhecimento da existência do objeto independentemente do processo de conhecimento, ou como é afirmado: os pressupostos dos quais partimos não são arbitrários e nem dogmáticos, são reais e não podem ser abstraídos, a não ser na imaginação.153

Por outro lado, é de se frisar que a ontologia em Marx não tem uma natureza meramente especulativa. Ele mesmo afirma que não procede à base de conceitos e que parte da mais simples forma na qual o produto do trabalho se manifesta, que é a mercadoria, para daí formular idéias gerais. E é isto que ele analisa, para estar seguro, na forma em que ela aparece.154

Como lembra Lukács, no desafio de fixar, em traços gerais, os pontos de partida de uma possível ontologia marxista do ser social, deve-se sublinhar em primeiro lugar, quanto ao próprio ser, em sua generalidade e em cada um de seus processos, que se pressupõe como ser singular (orgânico) e em suas relações com a natureza; em segundo lugar, e do ponto de vista metodológico, trata de delimitar a realidade que existe em si e como processo, das formas através das quais se pode conhecê-la.

Como o conhecimento desenvolve-se, quer o queiramos ou não, a partir do real, da vida, somos quase que obrigados a nos comportar espontaneamente de

modo ontológico155, ainda que tal não implique necessariamente numa atitude

estática.

Natureza’. Conferir: ENGELS, Friedrich. El papel del trabajo en la transformación del mono en hombre. Moscú: Progreso, 1966.

153 MARX, Karl e ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã. São Paulo: Martins Fontes, 1997. P. 27.

154 MARX, Karl. Notas sobre Adolph Wagner. In: Marx e Engels: Obras. Baixado de: www.marxists.org/works/1880.htm Em:

16/12/2003. Os itálicos são do próprio Marx.

3.5. Trabalho e labor como expressões de trabalho concreto e

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