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Antecedentes do conceito de Sociedade Civil.

A CRÍTICA À FILOSOFIA DO DIREITO DE HEGEL E O PROBLEMA DA SOCIEDADE CIVIL

4.1. Antecedentes do conceito de Sociedade Civil.

Embora comumente seja considerado como formulado por Hegel e, em seguida, criticado por Marx, do conceito de sociedade civil já se valiam outros autores, antes daqueles.

Em seu significado mais originário a sociedade ou esfera civil não apresentava nenhuma autonomia perante o Estado.185

Em Aristóteles, Estado, sociedade política, sociedade civil e comunidade civil são termos que se equivalem.186

Ele reconhece implicitamente a existência de uma economia que ultrapassava o mero âmbito familiar ao afirmar que enquanto a família é a comunidade constituída por natureza, a primeira comunidade derivada da união de famílias e que se desenvolve para satisfazer necessidades não-cotidianas, é a aldeia e cujo conjunto é que constitui a polis.

Para ele, a família é a sociedade formada para atender as necessidades cotidianas, e que evolui para o pequeno burgo e deste para a sociedade política: o homem é, por natureza, um ser político.

185 BECCHI, Paolo. “Distinciones acerca del concepto hegeliano de sociedad civil”. In: Doxa – Cuadernos de Filosofía del

Acrescente-se ainda que Aristóteles entendia o estado civil como inerente ao ser humano, ou seja, a natureza faz com que todos os homens se associem.187

Só com o claro estabelecimento da dicotomia “estado natural X estado civil” se começa a operar uma transformação no conceito de sociedade civil. E isso se inicia quando o estado civil deixa de ser mero prolongamento do estado natural e, pelo contrário, passa a ser resultado (numa visão pactualista) de um contrato estipulado por indivíduos originalmente livres e que decidem abandonar àquele estado e dar vida a um estado civil dotado de poder e legitimidade.188

Hobbes, Locke e Rousseau usam os conceitos de Estado e de sociedade civil sem fazer entre eles nenhuma distinção de fundo.

Hobbes, na sua obra De Cive, ao tratar do processo pelo qual se forma a

vontade única, afirma que a sociedade civil é a união construída por tal modo, pois, prossegue, quando a vontade é de todos e é única, ela adquire personalidade, que se expressa na, e através da sociedade civil.189

Locke, por sua vez, no Segundo Tratado sobre o Governo, trata a sociedade

civil como sociedade política ou civil. Para ele, a esfera civil não se distingue da esfera política. E afirma que só se pode dizer que existe sociedade política quando cada um de seus membros transfere seu direito natural para a sociedade e que, visto de tal maneira, torna-se simples distinguir quem é e quem não é membro da sociedade política: aqueles que estão unidos sob lei comum estabelecida, que contam com autoridade a quem possam recorrer e dotada de poder para dirimir diferenças que surjam entre as pessoas, tais sujeitos estão em sociedade civil.190

Rousseau, em Do contrato social referia-se a uma “esfera civil” enquanto

governo dos homens – homem, nessa acepção, tomado em sentido genérico – e contraposta a um estado natural.191

186 ARISTÓTELES. Política. São Paulo: Martin Claret, 2004. P. 88, 119, 175, 193. 187 ARISTÓTELES. Política. São Paulo: Martin Claret, 2004. P. 13-15.

188 BECCHI, Paolo. “Distinciones acerca del concepto hegeliano de sociedad civil”. In: Doxa – Cuadernos de Filosofía del

Derecho. Nº 14, 1993. P. 382. www.cervantesvirtual.com/portal/doxa. Acesso em: 14/06/2003.

189 HOBBES, Thomas. Do cidadão. São Paulo: Martin Claret, 2004. P. 87.

190 LOCKE, John. Segundo tratado sobre o Governo. São Paulo: Martin Claret, 2002.P. 69-70, 109; BOBBIO, Norberto. Direito

e Estado no pensamento de Emanuel Kant. São Paulo: Ed.Mandarim, 2000. P. 59-64.

Hegel, como veremos na parte seguinte, afirma na sua obra o conceito de sociedade civil como esfera autônoma, mas considera-a precedida pelo Estado.

Sua diferença fundamental em relação às explicações contratualistas é que, ao invés da sociedade criar o Estado, o movimento é exatamente o oposto.

Marx, que herda o conceito hegeliano de sociedade civil, ainda que inverta a precedência, também se contrapõe às teorias contratualistas, onde o indivíduo isolado abandonaria o estado natural e pactua viver em sociedade.

Ele, como se abordará em sede própria, chama a sociedade civil de esfera do homem egoísta, voltado unicamente para si mesmo, ou seja, enquanto humano desvinculado da sua humanidade.192

Em sua análise, valoriza claramente a explicação aristotélica e critica as teorias

de um pacto originário, argumentando a partir da Política: o homem é,

literalmente, um animal político, não é apenas animal social, mas o é no sentido de que, até o seu isolamento pressupõe vida social. A produção do indivíduo fora da sociedade é uma raridade que só aconteceria a um homem civilizado que, mesmo sendo transportado a um lugar selvagem, ainda assim levaria consigo as forças da sociedade, ou seja, é algo tão inusitado como seria a criação e desenvolvimento de uma linguagem sem o pressuposto de indivíduos que vivessem juntos e falassem entre si.193

As pessoas vivem e produzem em sociedade e este é o ponto de partida. O caçador e o pescador isolados pertenceriam ao mundo da ficção.

Ou seja, ao invés de enxergar o indivíduo como resultado de um processo histórico, vêem-no como o prius da história. Tal visão é meramente aparência visto que a sociedade primitiva é tão somente uma antecipação do que virá a ser a sociedade civil.

Em Marx, a teoria do “pacto originário” é rejeitada e os que dela se valem, tomam como pressuposto algo que estariam obrigados a explicar194, pois o espírito

192 MARX, Karl. A questão Judaica. São Paulo: Ed. Moraes, 1991. P. 26-27 e 41.

193 MARX, Karl. Introdução à Crítica da economia política. São Paulo: Abril Cultural, 1978. P. 104.

da sociedade civil pressupõe a existência da “guerra de todos”195 e não a sua

eliminação, como imaginou, por exemplo, Rousseau. E, quanto a este, ele lembra que mesmo a idéia de contrato social, que pressupõe a relação de sujeitos independentes por natureza, tampouco repousaria sob tal naturalismo aparente, pois o que se forjava, já naquela época, era a concepção de uma sociedade que se preparava para a livre-concorrência e na qual o indivíduo aprece plenamente destituído de tais laços naturais.196

Mas, embora critique Rousseau quanto as suas formulações de um estado da natureza, foi o genebrino que talvez tenha mais se aproximado de uma concepção socialista para explicar a origem da sociedade civil. Para Rousseau, a origem da sociedade civil e das desigualdades sociais dela decorrente, reside na propriedade privada, pois o primeiro indivíduo que, tendo cercado um pedaço de terra, teve a idéia de dizer “isso é meu” e encontrou quem acreditasse, foi o verdadeiro inventor da sociedade civil.197

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