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2 LINGUAGEM E DIREITO

9.4 Requisitos essenciais para a compensação tributária

9.4.4 A liquidez e certeza do crédito tributário e do débito do Fisco

Outro pressuposto essencial da compensação são a liquidez e certeza do crédito tributário e do débito do Fisco. Não é possível a compensação quando um dos objetos da relação jurídica não tiver seu valor exato determinado. Isso decorre da necessidade de se constituir o crédito tributário e o débito do Fisco. Em outras palavras, antes das normas individuais e concretas que determinam o exato valor do crédito tributário e do débito do Fisco, não é possível realizar a incidência da norma de compensação. Isso porque a linguagem é o suporte existencial do direito e a liquidez e certeza do crédito tributário e do débito do Fisco decorrem da ponência das respectivas normas individuais e concretas no sistema, quantificando os valores das prestações. É o ensinamento de Paulo de Barros Carvalho387:

Do mesmo modo que crédito tributário líquido e certo é aquele formalizado pelo ato do lançamento ou do contribuinte, débito do Fisco líquido e certo é o que foi objeto de decisão administrativa ou decisão judicial, ou, ainda, reconhecido pelo contribuinte com fundamento em expressa autorização legal. Tais atos, formalizando o fato do pagamento indevido, introduzem-no no sistema. Tanto o crédito tributário como o débito do Fisco são líquidos e certos quando estão identificados (i) o credor e o devedor, (ii) o montante do objeto da prestação e (iii) o motivo de surgimento do vínculo relacional.

Aqui é preciso mencionar a teoria de Paulo Cesar Conrado. Segundo o autor, é impossível cogitar uma relação jurídica que não fosse líquida e certa, motivo que retira a qualidade de tais itens como pressupostos para a compensação388. Por isso, a questão da “liquidez” e “certeza” da relação de débito do Fisco é vista, pelo autor, como aspectos da competência e do procedimento para inserir a norma individual e concreta que constitui a relação de débito do Fisco. Eis a conclusão apresentada pelo

387 Direito tributário, linguagem e método, p. 479. 388 Compensação tributária e processo, p. 133.

ilustre professor389:

(...) tomada essa linha, seria possível reduzir a questão da ‘liquidez’ e ‘certeza’ a uma única indagação: a norma (individual e concreta) que põe no sistema a relação de débito do fisco o foi por pessoa competente e segundo o procedimento para tanto previsto? Se sim, o débito é ‘líquido’ e ‘certo’; caso contrário, o débito não é ‘líquido’ e ‘certo’, apesar de, no sentido usual desses termos, todo débito, justamente por ser débito, estar dotado de tais elementos.

Entende-se, porém, que o problema de competência e procedimento está voltado para a validez da norma jurídica no sistema. Se uma norma jurídica for produzida por emissor não autorizado ou desobedecendo ao procedimento inscrito no sistema jurídico, ela é passível de ser dele rechaçada. Assim, uma norma permanece no ordenamento jurídico, mesmo quando elaborada em desacordo com as regras de produção, até ser excluída por outra norma de mesma ou superior hierarquia. Pode, inclusive, existir uma norma no sistema, individual e concreta, que constitua o débito, porém produzida afrontando as normas de estrutura. Essa norma formaliza a relação de débito do Fisco, tornando-a líquida e certa, mesmo que não tenha sido criada por pessoa jurídica competente nem tenha sido usado o adequado procedimento. Por isso, liquidez e certeza significa a formalização dos sujeitos-de- direito do vínculo jurídico e do valor do objeto prestacional, bem como do fato jurídico do qual se originaram390.

Menciona o art. 170 do CTN que a compensação pode ser efetuada com créditos do sujeito passivo vencidos e vincendos. Fabio Grillo aponta ser esse aspecto uma importante diferença entre a compensação descrita pela legislação tributária e compensação do Código Civil: “Ao mesmo tempo em que o art. 170 do CTN autoriza que lei discipline compensação de créditos vencidos ou vincendos, o artigo 369 do

389 Compensação tributária e processo, p. 145.

390 Registra-se a opinião de Hugo de Brito MACHADO, para quem pode haver compensação de créditos ilíquidos

e incertos, quando se tratar da compensação prevista no art. 66 da Lei 8.383/91. A compensação autorizada pelo art. 66 da Lei 8.383/91, Repertório IOB de jurisprudência. n. 15, p. 273. O STJ tem decido exigindo a liquidez e certeza dos créditos apurados: “A primeira turma do STJ, por maioria, em inúmeros precedentes tem assentado que a compensação prevista no art. 66, da Lei 8.383/1991, só tem lugar quando, previamente, existe liquidez e certeza do credito a ser utilizado pelo contribuinte”. (REsp. 128.631/PR, Rel. Min. José Delgado, julgado em 03.11.1997, DJ 15.12.1997, p. 66246).

NCC somente admite compensação entre dívidas vencidas”391.

Urge, então, questionar o que seriam créditos vincendos para fins da compensação tributária. Já se afirmou reiteradas vezes no curso deste estudo que o direito tem a linguagem como elemento essencial à sua constituição. Somente há crédito tributário e débito do Fisco com a edição da norma individual e concreta que define quem deve pagar, para quem se deve pagar e quanto se deve pagar. Sem essa norma não é possível se falar em crédito tributário nem em débito do Fisco. O art. 170 do CTN ao mencionar créditos vincendos está se referindo à relação de débito do Fisco, pois nesse vínculo o contribuinte é o sujeito ativo que tem o crédito, ou seja, o direito subjetivo de exigir a conduta prestacional contra a Fazenda Pública.

Nos léxicos, vincendo significa aquele crédito que está por vencer392, ou seja, ainda não pode ser exigido. Acontece que essa hipótese não se verifica na fenomenologia do débito do Fisco. A relação jurídica que constitui o débito do Fisco decorre do fato jurídico pagamento indevido. Ora, construído esse fato jurídico por meio da linguagem competente do direito, a dívida do Fisco já se torna exigível pelo contribuinte. Teria tido mais sucesso o legislador tributário se determinasse a compensação dos créditos tributários vincendos. Isso porque, com a constituição do fato jurídico tributário, o contribuinte fica obrigado a pagar o tributo ao Fisco. A partir desse momento, o sujeito passivo possui o prazo de trinta dias para adimplir a obrigação, salvo disposição em contrário (art. 160 do CTN). Aí, sim, existiriam créditos vincendos, aqueles constituídos por norma individual e concreta (líquidos e certos, portanto) que se encontram no curso do prazo para a sua quitação. Agora, são créditos vencidos os que já tiveram o prazo para seu pagamento expirado.

Paulo Cesar Conrado propõe uma interpretação diferente para os créditos do sujeito passivo vencidos e vincendos, tomando como ponto de referência o fato de a obrigação tributária estar ou não constituída. Conclui o autor que “o débito do fisco será tido como (i) vencido, se constituído antes ou simultaneamente com o crédito

391 Compensação tributária e direito privado, Direito tributário e o novo Código Civil, p. 500. (grifo do original). 392 Caldas AULETE, Dicionário contemporâneo da língua portuguesa, p. 4227.

tributário; e (ii) vincendo, se constituído depois do crédito tributário”393.