• Nenhum resultado encontrado

2 LINGUAGEM E DIREITO

10.1 A norma geral e abstrata da compensação de ofício

A compensação de ofício é a cadeia de positivação de normas cujo ponto final é inserido pela autoridade administrativa. Esse é o órgão habilitado para colocar a norma individual e concreta no sistema jurídico estipulando a compensação entre o crédito tributário e o débito do Fisco.

Como se viu no capítulo anterior, a compensação tributária requer o cumprimento de certos requisitos para poder ser efetivada. No caso da compensação de ofício, o legislador ordinário, exercendo a competência do art. 170 do CTN, estabeleceu outros pressupostos além daqueles essenciais a todos os tipos de compensação, porém sem inviabilizar o seu procedimento. A norma de estrutura tributária não impede a criação de uma espécie de compensação cuja estrutura seja movimentada pela autoridade administrativa. Por isso, foi produzido o Decreto-lei 2.287/86, que, no art. 7º, com redação dada pela Lei 11.196/05, concede o direito subjetivo à Receita Federal do Brasil, ao verificar a existência de débito em nome do contribuinte e pedido de restituição ou de ressarcimento de tributos, de compensá- los.

A análise da compensação de ofício inicia-se com esse dispositivo. Nele se encontra o primeiro critério que a norma geral e abstrata da compensação de ofício deverá possuir: o pedido de restituição de tributo pago indevidamente.

O contribuinte, ao realizar a conduta pagamento indevido, tem a escolha de movimentar duas cadeias de normas para reaver o valor pago408: (i) o pedido de restituição (em sentido estrito); ou (ii) o pedido de compensação. São opções concorrentes; impossível realizar as duas. Dizendo de outra forma, há duas maneiras

de se extinguir a relação de débito do Fisco: com o pagamento ou com a compensação.

Ao eleger o pedido de restituição, o contribuinte tem de seguir o procedimento que o direito positivo escolheu para receber os valores indevidamente pagos. Percebe-se que se está diante de outro eixo de positivação de normas, iniciando-se com o pedido de restituição e que se findará com a norma individual e concreta do pagamento.

Eleita essa possibilidade, a autoridade administrativa federal, ao ficar diante do pedido de restituição e verificar a existência de um crédito tributário líquido e certo, irá determinar a compensação desses valores. Note-se que a relação de débito do Fisco é formalizada, em linguagem competente, pelo pedido de restituição feito pelo contribuinte. Eis o débito do Fisco líquido e certo. Com isso, o fato jurídico suficiente para que o Fisco emita uma norma individual e concreta determinando a compensação é acontecer o pedido de restituição pelo contribuinte e existir uma relação de crédito. A diferença aventada é a forma como se apresenta a relação de débito do Fisco, o veículo introdutor exigido é o pedido de restituição formalizado pelo contribuinte.

Em razão do § 1º do Decreto-lei 2.287/86 usar a palavra débito409, surge a questão de qual tipo seria esse débito410. Como se viu, a compensação tributária deve acontecer entre o crédito tributário e o débito do Fisco. Assim, o débito seria o crédito tributário constituído pela linguagem do lançamento ou do autolançamento; líquido, certo e exigível, portanto. Por isso, não se pode realizar a compensação de ofício quando o crédito tributário esteja com a sua exigibilidade suspensa por qualquer uma das causas previstas no art. 151 do CTN. Os Tribunais Regionais têm enveredado por essa trilha, conforme se verifica nos julgados:

409 Eis o seu teor: “Existindo débito em nome do contribuinte, o valor da restituição ou ressarcimento será

compensado, total ou parcialmente, com o valor do débito”.

a) CRÉDITOS TRIBUTÁRIOS. DÉBITOS COM EXIGIBILIDADE SUSPENSA. COMPENSAÇÃO DE OFÍCIO. PEDIDO DE RESSARCIMENTO. PRAZO DE 30 DIAS. RAZOÁVEL. 1. A jurisprudência desta Corte não admite a compensação de ofício de créditos reconhecidos pela Fazenda Pública em favor do contribuinte com débitos tributários cuja exigilidade esteja suspensa. 2. Em se tratando processo de ressarcimento, afigura-se razoável o prazo de 30 dias para operacionalização do pedido, considerando a estrutura administrativa da Fazenda Nacional. (TRF4, AG 2006.04.00.027290-7, Segunda Turma, Relator Otávio Roberto Pamplona, D.E. 06/12/2006). b) (...) 4. O cerne da questão encontra-se na análise da possibilidade de realização da compensação administrativa, de ofício, dos créditos apurados de IPI com débitos previdenciários parcelados em face de adesão ao programa Refis III, que implica na suspensão de sua exigibilidade, na modalidade de parcelamento, prevista no inc. VI do art. 151 do CTN, o que impediria a cobrança ou a retenção de quaisquer valores sob esse título, enquanto vigente o parcelamento. 5. O preceito legal acima mencionado possibilita a compensação de débitos vencidos, de ofício, restringindo-se porém aos débitos em aberto, não alcançando, entretanto, os débitos cuja exigibilidade esteja suspensa, devendo prevalecer, in casu, o previsto no art. 151, VI, do CTN. (TRF3, AMS 2006.61.13.003713-0, Sexta Turma, Relatora Consuelo Yoshida, DJU 13/08/2007, p. 430).

A norma jurídica geral e abstrata da compensação de ofício pode ser construída com os seguintes enunciados: dado o fato de haver pedido de restituição pelo contribuinte e de existir um crédito tributário deve ser a relação jurídica em que o sujeito ativo é a Secretaria da Receita Federal do Brasil, cujo direito subjetivo é realizar a compensação dos créditos e débitos descritos no fato em face de um sujeito passivo, o contribuinte, detentor do dever jurídico de aceitar a compensação.

Cotejando a norma geral e abstrata da compensação de ofício, produzida com base nos enunciados prescritivos contidos no Decreto-lei 2.287/86, com o seu fundamento de validade, que é o art. 170 do CTN, conclui-se que não há ruptura com o sistema jurídico tributário da compensação. Isso porque a regra da compensação de ofício não afronta os requisitos essenciais de toda compensação tributária. Prevê a existência de duas relações jurídicas recíprocas, em que o sujeito ativo de uma é o sujeito passivo da outra, e vice-versa. Ainda, são homogêneas, pois versam sobre valores expressos em pecúnia. E, por último, requer a liquidez e certeza dos vínculos,

com exata identificação do credor e do devedor e o montante objeto da prestação. Alexandre Macedo Tavares entende que a compensação de ofício é inconstitucional, pois desrespeita o princípio do devido processo legal por ser um meio coercitivo de cobrança das obrigações fiscais e afronta o art. 146, III, “b” da CF em razão de criar uma nova modalidade extintiva de crédito tributário, matéria de competência de lei complementar411.

Não parece que seja desse modo. A compensação de ofício encontra seu fundamento de validade no art. 170 do CTN. Essa forma de extinção do crédito tributário tem como peculiaridade a autoridade administrativa como sujeito-de- direito competente para inserir a norma individual e concreta da compensação no sistema. Isso não a caracteriza como um meio coercitivo de cobrança de tributos nem um cerceamento ao direito de restituição do indébito tributário. O contribuinte tem os instrumentos de defesa para questionar a compensação realizada pelo Fisco caso a considere ilegal ou abusiva, o que descaracteriza esse tipo de encontro de contas como um procedimento coercitivo. Em suma, o simples fato de ser efetuado pela Secretaria da Receita Federal não quer dizer que o instituto da compensação teve sua natureza jurídica corrompida. Trata-se, apenas, de um meio mais eficiente e econômico de realização tanto do crédito tributário como do débito do Fisco.

Também não assiste razão o argumento de inconstitucionalidade por violação do art. 146 da CF. A compensação de ofício possui todas as características comuns ao gênero compensação tributária, e, por isso, não é uma nova forma de extinção da obrigação tributária. Além disso, a competência da lei complementar é para versar acerca da prescrição e decadência, e não de todas as formas de extinção da relação jurídica tributária.

Assim, considera-se a compensação de ofício, instituída pelo art. 7º do Decreto-lei 2.287/86, com redação dada pela Lei 11.196/05, constitucional e legal, pois esse veículo introdutor de normas foi produzido respeitando os limites formais e

materiais prescritos pela norma de competência412.