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2 LINGUAGEM E DIREITO

3.1 Um modelo comunicacional do Direito

Consoante se demonstrou, o direito necessita da linguagem jurídica para construir suas realidades; somente surgem os efeitos jurídicos com a linguagem eleita pelo sistema do direito como competente. Sem essa linguagem não há conseqüências jurídicas, fatos jurídicos, normas jurídicas.

John Hospers elenca a linguagem como o principal instrumento da comunicação60. A comunicação entre os homens se dá por meio de uma linguagem. Gregorio Robles, ao destacar a linguagem como elemento essencial para a existência da sociedade, afirma que “toda ação coletiva ou ação em comum (e ação desse tipo é o mero conviver) precisa da existência de um sistema de signos (isso é a linguagem) que assegure a comunicação dos seus membros”61. Em outras palavras, a sociedade é um sistema de comunicação entre seus membros. Para Lucia Santaella, comunicação significa “a transmissão de qualquer influência de uma parte de um sistema vivo ou maquinal para uma outra parte, de modo a produzir mudança. O que é transmitido para produzir influência são mensagens, de modo que a comunicação está basicamente na capacidade para gerar e consumir mensagens”62.

Como o direito somente se expressa por meio de linguagem, ele pode ser estudado como um sistema de comunicação em que a linguagem do direito positivo é usada para comunicar à sociedade as condutas a serem seguidas por meio de mensagens. Essa forma de pensar segue a doutrina de Paulo de Barros Carvalho, para quem “o direito se realiza no contexto de um grandioso processo

60 Introducción al análisis filosófico, p. 13.

61 Teoría del derecho: fundamentos de teoría comunicacional del derecho, p. 65. (grifo do original – tradução livre).

No original: “toda acción colectiva o acción en común (y acción de este tipo es el mero convivir) precisa de la existencia de un sistema de signos (eso es el lenguaje) que asegure la comunicación entre sus miembros”.

comunicacional”63.

Gregorio Robles toma o direito como um fato comunicacional, de acordo com a Teoria Comunicacional do Direito. Para o autor espanhol, o direito é uma forma de comunicação social, cuja finalidade consiste na organização da sociedade por meio da expressão lingüística dos conteúdos normativos64. Conclui que “o direito é um sistema de comunicação, cujas unidades de mensagem são as normas. Trata-se de um sistema de comunicação prescritivo, ordenador, razão pela qual suas unidades elementares (as normas) são expressões lingüísticas prescritivas”65.

Na teoria dos sistemas sociais apresentada por Niklas Luhmann, o critério que diferencia a sociedade do ambiente é a comunicação66. Nessa perspectiva, há duas classes distintas: o sistema social, que inclui todas as comunicações; e o ambiente, desprovido de comunicação.

Dentro da classe do sistema social é possível ainda visualizar vários subsistemas: o econômico, o religioso, o político, o jurídico, cada um portador de um tipo de comunicação específica. A comunicação gerada pelo sistema do direito não se confunde com aquela produzida por qualquer outro dos subsistemas.

O direito possui, pois, uma forma própria de comunicação que o distingue dos demais subsistemas sociais. E essa comunicação se dá por meio das normas jurídicas. Conforme assinala Celso Campilongo, “na rede de comunicações da sociedade, o direito se especializa na produção de um tipo particular de comunicação que procura garantir expectativas de comportamento assentadas em normas jurídicas”67.

63 Curso de direito tributário, p. 438.

64 O direito como texto: quatro estudos de teoria comunicacional do direito, p. 78. 65 Ibid. p. 87.

66 El derecho de la sociedad, p. 110. 67 O direito na sociedade complexa, 162.

Definido o direito como um sistema comunicacional, com seu tipo específico de comunicação, resta saber como ocorreria esse fenômeno. Para tanto, primeiro serão descritos os fatores presentes nos processos de comunicação, segundo a teoria de Roman Jakobson:

O remetente envia uma mensagem ao destinatário. Para ser eficaz, a mensagem requer um contexto a que se refere (ou ‘referente’, em outra nomenclatura algo ambígua), apreensível pelo destinatário, e que seja verbal ou suscetível de verbalização; um código total ou parcialmente comum ao remetente e ao destinatário (ou, em outras palavras, ao codificador e ao decodificador da mensagem); e, finalmente, um contacto, um canal físico e uma conexão psicológica entre o remetente e o destinatário que os capacite a ambos a entrarem e permanecerem em comunicação68.

É fácil visualizar a presença dos seis fatores de que necessita o processo de comunicação: remetente, contexto, mensagem, canal físico, código e destinatário, que podem ser assim descritos:

(a) emissor: aquele que produz e remete a mensagem;

(b) contexto: a situação a que a mensagem se refere e as circunstâncias de sua transmissão;

(c) mensagem: é o objeto, o conteúdo da comunicação;

(d) canal físico: a via de circulação das mensagens, que é o ar na comunicação verbal e o papel na comunicação escrita;

(e) código: é o conjunto de símbolos e suas regras de combinação; (f) destinatário: aquele para quem a mensagem é enviada.

Ao se comunicar, o remetente tem a intenção de transmitir para o receptor seus interesses, pedidos, perguntas, informações, exigências ou emoções69. A partir

68 Roman JAKOBSON, Lingüística e comunicação, p. 123. (grifo do original). Deve-se elucidar que o modelo

comunicacional jakobsoniano é diverso daquele apresentado por Luhmann. Jakobson trata a comunicação em conformidade com os modelos lineares, em que se leva a mensagem de um emissor para um receptor, porém com a extração das funções da linguagem conforme a referencialidade da mensagem. Tal modelo recebe o nome de lingüístico-formal por Lucia SANTAELLA, Comunicação e pesquisa, p. 55. Já a teoria de Luhmann se ampara nos sistemas autopoiéticos, em que a comunicação é compreendida como um sistema fechado completo, capaz de produzir os componentes a partir da própria comunicação. Esse modelo, apesar de antagônico aos modelos dominantes das ciências cognitivas, é incluído, por SANTAELLA como um modelo cognitivo. Comunicação e pesquisa, p. 61.

daí, mediante um processo de seleção e combinação, o remetente formula as mensagens que são transmitidas para o destinatário. “Falar implica a seleção de certas entidades lingüísticas e sua combinação em unidades lingüísticas de mais alto grau de complexidade”70. Assim, o legislador, diante da sua intenção de receber certa quantia daquele que aufere renda, seleciona as palavras mais adequadas para transmitir a mensagem e as combina de forma que seja possível ao receptor compreendê-la. A próxima etapa consiste na transmissão da mensagem e na sua recepção pelo destinatário, para que se possa entender o seu conteúdo conforme o contexto em que foi produzida. Note-se, portanto, que, para a efetiva realização do processo comunicacional, os fatores descritos devem estar presentes. A existência de algum problema em qualquer um desses elementos gera um ruído71 na transmissão da informação.