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2 LINGUAGEM E DIREITO

6.3 A regra-matriz de incidência tributária

6.3.1 O antecedente da regra-matriz de incidência tributária

Conforme já referido, o antecedente da regra-matriz de incidência tributária traz consigo as notas, os critérios, os caracteres que possibilitam identificar o evento que, ocorrido, irá instaurar a relação jurídica tributária. Para isso, é composto pelos critérios material, espacial e temporal. Aqui está previsto, de forma abstrata, o fato jurídico tributário.

O critério material estabelece um acontecimento do mundo social, que, uma vez relatado em norma individual e concreta, irá ensejar a relação jurídica tributária. Pode ser considerado como o núcleo do antecedente, formado por um verbo e seu complemento, por exemplo: “auferir renda”, “vender mercadorias”, “industrializar produtos”, “importar produtos estrangeiros”, entre outros. Esse aspecto, conjugado com o espacial e o temporal, permite identificar os caracteres que um evento precisa ter para poder se tornar fato jurídico tributário.

Já no critério espacial se encontram as notas utilizadas para identificar o lugar onde se deve dar a consumação do evento, para que seja possível a aplicação da norma geral e abstrata. Somente poderá ser fato jurídico o evento que se realizar no local determinado pelo critério espacial. Segundo Paulo de Barros Carvalho, a delimitação desse elemento pode-se dar de três formas:

a) hipótese cujo critério espacial faz menção a determinado local para a ocorrência do fato típico; b) hipótese em que o critério espacial alude a áreas específicas, de tal sorte que o acontecimento apenas ocorrerá se dentro delas estiver contido; c) hipótese de critério espacial bem genérico, onde todo e qualquer fato, que suceda sob o manto da vigência territorial da lei instituidora, estará apto a desencadear seus efeitos peculiares234.

Assim, o critério espacial serve para identificar onde o evento tem de ocorrer para que se dê a sua subsunção à regra-matriz de incidência tributária. É mais um aspecto a ser observado pelo enunciado protocolar que constitui o fato jurídico tributário.

O último elemento do antecedente da regra-matriz, o critério temporal, é que “permite identificar a condição que atua sobre determinado fato (também representado abstratamente – critério material), limitando-o no tempo”235. Geraldo Ataliba define o critério temporal como a propriedade da hipótese de incidência utilizada para “designar (explícita ou implicitamente) o momento em que se deve reputar consumado (acontecido, realizado) um fato imponível”236. Aparece explícita ou implicitamente porque tal critério pode vir expresso ou não no texto legal.

Enquanto o critério espacial traz as notas que permitem identificar onde deve acontecer o evento, o critério temporal serve para identificar quando acontece o evento. A partir de então, com a linguagem competente, surgirá a relação tributária com o Estado no pólo ativo detentor de um direito subjetivo de exigir que o sujeito passivo cumpra seu dever: o pagamento do tributo.

234 Curso de direito tributário, p. 262.

235 Paulo de Barros CARVALHO, Teoria da norma tributária, p. 134. 236 Hipótese de incidência tributária, p. 94.

6.3.1.1 Tempo do fato e tempo no fato

Aqui é importante apresentar uma distinção feita por Paulo de Barros Carvalho entre tempo do fato e tempo no fato237. Na fenomenologia da incidência da norma jurídica, percebe-se que a norma geral e abstrata é fundamento de validade para a edição de uma norma individual e concreta, desde que aconteça no mundo fenomênico o evento descrito no antecedente da norma geral e abstrata. Assim, identificam-se os seguintes marcos temporais: o da ocorrência do evento no mundo fenomênico e o da constituição do fato jurídico tributário.

Tempo do fato, segundo o ilustre professor da USP e da PUC/SP, serve para demarcar o instante em que o enunciado denotativo ingressa no ordenamento jurídico por meio das normas individuais e concretas, constituindo os direitos e deveres correlatos. Por sua vez, tempo no fato consiste no momento da ocorrência de um evento, porém somente haverá acesso a essa data com a linguagem competente. Por isso, o antecedente da norma individual e concreta volta-se para o passado, declarando um evento que ocorreu.

Um exemplo pode ajudar a compreender a distinção: (i) há no sistema jurídico uma norma geral e abstrata que determina: dado o fato de ser proprietário de um imóvel na cidade de São Paulo no dia 1º de janeiro de cada ano, deve ser a obrigação de o proprietário pagar 3% do valor venal do imóvel à Prefeitura de São Paulo a título de IPTU; (ii) acontece no mundo fenomênico o evento de João ser proprietário de um imóvel em São Paulo no dia 1º de janeiro do ano de 2008; (iii) no dia 12 do mês de março de 2008, a Prefeitura de São Paulo efetua o lançamento tributário (norma individual e concreta); dado o fato de João ser proprietário de imóvel na cidade de São Paulo no dia 1º de janeiro de 2008, deve ser a obrigação de pagar o valor X para a Prefeitura a título de IPTU. Identifica-se em t(ii) o momento em que ocorreu o evento, ou conforme a terminologia acima, o tempo no fato ocorre em t(ii). Já em t(iii) há o tempo do fato, pois é nesse instante que a norma individual e

concreta ingressa no sistema jurídico.

Tal distinção é importante para determinar as normas a serem aplicadas, pois há duas condutas distintas envolvidas. A primeira consiste no comportamento humano a ser regulado, e a segunda é a produção da norma individual e concreta do lançamento. Assim, há a incidência de duas normas: a geral e abstrata, que determina os critérios necessários para se conceituar um fato jurídico (norma de conduta), e a de competência (no caso, competência administrativa), cujo conteúdo contém a forma (procedimento) como o emissor da norma individual e concreta deve agir (norma de estrutura). Trata-se de um problema de vigência. O aplicador faz incidir a regra em vigor no momento em que se realizou o evento para se constituir o fato jurídico (norma de conduta) que corresponde ao tempo no fato. E a norma de competência, a ser aplicada, referente ao ato de produção de outra norma, é aquela em vigor no tempo do fato, isto é, a vigente no momento da produção da norma individual e concreta. Voltando ao exemplo do IPTU, a norma a ser aplicada para a constituição do fato jurídico tributário é aquela em vigor no dia 1º de janeiro de 2008; e a norma a ser aplicada para a produção do lançamento é aquela em vigor no dia 12 de março de 2008.

O tempo do fato permite identificar o procedimento e o órgão competente para a feitura de novos enunciados prescritivos, ou seja, “os atos relativos à estruturação formal do enunciado jurídico serão governados pela legislação que estiver em vigor no momento de sua realização”238. O tempo no fato está relacionado com o acontecimento do evento no mundo fenomênico, sendo a legislação aplicável a vigente na data a que o fato se refere, ou seja, a data do evento239.

238 Paulo de Barros CARVALHO, Direito tributário: fundamentos jurídicos da incidência, p. 131. 239 Ibid. p. 132.