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A modulação de efeitos e o elemento subjetivo do agente

CAPÍTULO 5 – A SEGURANÇA JURÍDICA E ATOS ADMINISTRATIVOS CONCRETOS:

5.3 Interesse Público e eficiência: a necessidade de um modelo que considere a posição do

5.4.4 A modulação de efeitos e o elemento subjetivo do agente

Resta, ainda, definir se a modulação de efeitos na extinção e na modificação dos atos administrativos está necessariamente vinculada à boa-fé. A questão preliminar que se coloca, é definir como ocorreria a averiguação desse elemento. Para tanto, é preciso considerar que os efeitos das relações jurídico-administrativas não alcançam apenas as partes diretamente envolvidas nos atos administrativos. Afinal, como acentua Cabral de Moncada, especificamente para a “relação jurídica administrativa”, é de se notar que estas “não

relevam apenas as posições jurídicas atendíveis dos destinatários directos da actividade administrativa, relevando também os direitos e interesses de terceiros, numa perspectiva multilateral e não apenas bilateral das posições atendíveis.” 588

Em cada situação, os beneficiários da modulação podem ser os destinatários diretos do ato, terceiros afetados por seus efeitos e os próprios agentes públicos. Nesse ponto, duas questões centrais precisam ser consideradas: i) o regime de responsabilidade não se confunde com a gestão dos atos administrativos; não se podem confundir as consequências que devem atingir os responsáveis por uma prática equivocada, com o destino que deve ser atribuído ao ato em si; ii) de modo geral, um ato administrativo não repercute na esfera jurídica de um único indivíduo, assim como sua extinção, modificação ou modulação de efeitos.

Como exposto nos fundamentos deste estudo, a perspectiva de modulação de efeitos está inserida na dinâmica da gestão das relações jurídico-administrativas e não na esfera da responsabilidade. A extinção de um ato ilícito ou a prospecção de seus efeitos não têm a função de punir ou premiar agentes públicos, administrados ou terceiros. Em alguns casos, como visto, servem à garantia das expectativas legítimas dos administrados, fundamentada em sua boa-fé. Em outros tantos, ainda que agentes públicos e terceiros tenham praticado atos ilícitos, com a mais absoluta má-fé, dolosamente, os elementos do caso podem exigir a manutenção do ato ou, acolhendo-se a tese ora proposta, a modulação de seus efeitos. A necessidade de responsabilização dos atores do ilícito, públicos ou privados, não deve interferir no procedimento que apura o destino do ato em si.

588 MONCADA, Luís S. Cabral de. A relação jurídica administrativa: para um novo paradigma de compreensão da actividade, da organização e do contencioso administrativos. Coimbra: Coimbra, 2009, p. 1042.

Embora essa não seja uma diferenciação comumente tratada pelos tribunais, o STJ já teve oportunidade de decidir589 que um ato nulo, oriundo de uma prática ímproba, não necessariamente deve ser anulado e encerrado pela Administração Pública, pois essa decisão teria de considerar cada caso, especialmente o interesse público e a segurança jurídica envolvidos. A boa-fé, nesse sentido, seria um dos elementos a serem considerados na decisão administrativa, embora não o único ou o seu pressuposto indispensável.

Também não se deve perder de vista que a modulação de efeitos pode ser viabilizada de duas formas: i) unilateralmente, após procedimento administrativo, no momento em que a Administração Pública decide; e ii) no curso do procedimento administrativo, por meio da consensualidade, hipótese que não será objeto do presente trabalho, mas que tem ganhado

589 STJ. 1ª Turma. REsp 950489/DF, Luiz Fux, DJe 23.2.2011: “Os princípios que norteiam os atos da Administração Pública, quando em confronto, indicam deva prevalecer aquele que mais se coaduna com o da razoabilidade. 2. No balanceamento dos interesses em jogo, entre anular o contrato firmado para a prestação de serviços de recuperação e modernização das instalações físicas, construção de ossuários, cinzários, crematórios e adoção de medidas administrativas e operacionais, para a ampliação da vida útil dos 06 (seis) cemitérios pertencentes ao Governo do Distrito Federal, ou admitir o saneamento de uma irregularidade contratual, para possibilitar a continuidade dos referidos serviços, in casu, essenciais à população, a última opção conspira em prol do interesse público. 3. Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público do Distrito Federal e dos Territórios objetivando a decretação de nulidade do contrato celebrado com a empresa vencedora da Licitação realizada pela Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil - NOVACAP para a Concessão de Serviços Públicos precedido de Obra Pública sobre imóvel do Distrito Federal 01/2002 (administração dos cemitérios do DF), ao argumento de que a inobservância do capital social mínimo exigido do edital de licitação, não configura mera irregularidade, ao revés, constitui vício grave capaz de nulificar o Contrato Administrativo, mercê de violar o disposto no art. 55, incisos VI e XIII, da Lei 8.666/93. 4. O princípio da legalidade convive com os cânones da segurança jurídica e do interesse público, por isso que a eventual colidência de princípios não implica dizer que um deles restará anulado pelo outro, mas, ao revés, que um deles será privilegiado em detrimento do outro, à luz das especificidades do caso concreto, mantendo-se, ambos, íntegros em sua validade. 5. Outrossim, convém ressaltar que a eventual paralisação na execução do contrato de que trata a presente demanda, relacionados à prestação de serviços realizada pelos 06 (seis) cemitérios pertencentes ao Governo do Distrito Federal, coadjuvado pela impossibilidade de o ente público assumir, de forma direta, a prestação dos referidos serviços, em razão da desmobilização da infra-estrutura estatal, após a conclusão do procedimento licitatório in foco, poderá ensejar a descontinuidade dos serviços prestados pela empresa licitante, em completa afronta ao princípio da continuidade dos serviços públicos essenciais. 6. In casu, merece destaque as situações fáticas assentadas pelo Tribunal a quo, insindicáveis nesta Corte, assim sintetizadas: (a) o procedimento licitatório, realizado pela Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil - NOVACAP, teve como vencedor o Consórcio DCB, formado pelas empresas Dinâmica - Administração, Serviços e Obras Ltda.; Contil - Construção e Incorporação de Imóveis Ltda; e Brasília Empresa de Serviços Técnicos Ltda, o qual, antes da assinatura do contrato administrativo, valendo-se de permissivo legal, constituiu a empresa denominada Campo da Esperança Serviços Ltda; (b) o Consórcio DCB, vencedor do procedimento licitatório sub examine, comprovou todos os requisitos para participação no certame, inclusive, a exigência do capital mínimo, de R$ 1.438.868,00 (um milhão, quatrocentos e trinta e oito mil, oitocentos e sessenta e oito reais); (c) a empresa Campo da Esperança Serviços Ltda, criada para substituir o consórcio vencedor do certame, inobstante obrigada ao cumprimento das exigências editalícias nos mesmos moldes do vencedor, mormente no que se refere ao valor do capital mínimo, foi constituída, inicialmente, com capital de R$ 10.000,00 (dez mil reais), o qual foi majorado para R$ 300.000,00 (trezentos mil reais), mediante alteração dos seus atos constitutivos, e, posteriormente, ampliado para R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais), em razão do cumprimento da decisão proferida pelo Juízo de Direito da Vara da Fazenda Pública do Distrito Federal, com supedâneo no art. 798 do CPC, consoante se verifica da verifica da decisão de fls. às fls. 334/344. 7. Deveras, o Ministério Público Federal, na qualidade de custos legis, destacou que: "o princípio da continuidade dos serviços públicos admite o saneamento de uma irregularidade contratual, no intuito de atingir o interesse público. Correta a decisão do Tribunal a quo que entendeu possível a correção posterior de uma exigência prevista no edital de licitação (capital social mínimo de

progressivo destaque no cenário público nacional.590 Não é por outra razão que, na esfera penal, a transação é obrigatória para os tipos que atendam aos requisitos legais, independentemente do elemento subjetivo, além de não constituir reconhecimento de culpa.

Sem embargo, indispensável à modulação de efeitos é a análise dos elementos de cada caso concreto, independentemente, portanto, do elemento subjetivo que pautou a atuação daqueles envolvidos na relação jurídico-administrativa.

5.4.5 As peculiaridades dos casos concretos e alguns precedentes relevantes

A modulação de efeitos das decisões administrativas que concluem pela modificação ou pela extinção de um ato encontra fundamento principal na segurança jurídica e na necessidade de dar tratamento adequado aos casos concretos. Essa perspectiva, contudo, não se apresenta como a abertura de uma via excepcional, mas como uma alternativa possível que deve ser considerada como regra em todos os atos administrativos.

Embora a doutrina e a jurisprudência não tratem de forma sistemática a necessidade de modular os efeitos das decisões de acordo com as peculiaridades de cada caso, é possível encontrar poucos, mas valorosos precedentes em que a insuficiência das soluções binárias apresentadas pela teoria geral levou à construção de alternativas outras que, entretanto, são tratadas como exceções.

Exemplo significativo é o caso do concurso público em que o teste físico, designado para uma data determinada, esvai-se pelo decurso do tempo. Seria uma hipótese clássica de extinção do ato administrativo pelo cumprimento de seus efeitos. Sensível à condição específica das candidatas grávidas e de enfermidades supervenientes, a Administração Pública tem deferido pedidos para remarcação da data em que serão realizados os testes físicos. Inicialmente, os tribunais reconheciam a legalidade desta decisão, ainda que sem amparo em regra legal ou editalícia.591 Mais recentemente, o STF uniformizou o entendimento, em

590 O estudo da consensualidade demanda aprofundamento por caminhos diferentes dos que foram percorridos no presente trabalho. Esse objeto merece pesquisa própria que não é suportada pela limitação da tese.

591 STF. 1ª Turma. AgR AI 825.545/PE, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJe 13.4.2011. EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ADMINISTRATIVO. CONCURSO PÚBLICO. PROVA FÍSICA. REMARCAÇÃO. POSSIBILIDADE. OFENSA AO PRINCÍPIO DA ISONOMIA. INOCORRÊNCIA. PRECEDENTES. AGRAVO IMPROVIDO. I – A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que não implica em ofensa ao princípio da isonomia a possibilidade de remarcação da data de teste físico, tendo em vista motivo de força maior. II – Agravo regimental improvido”. O Supremo Tribunal Federal pacificou o tema no sentido de que é possível a remarcação dos testes de aptidão física sem que isto implique qualquer violação do princípio constitucional da isonomia. Precedentes: AgRg no AI 825.545/PE, Relator Min. Ricardo Lewandowski, Primeira Turma, publicado no DJe 084 em 6.5.2011 e no Ementário vol. 2516-03, p. 623; AgRg no RE 598.759/AL, Relatora Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, publicado no DJe 223 em 27.11.2009 e no

repercussão geral, no sentido de que não há direito de candidatos à prova de segunda chamada nos testes de aptidão física, em razão de circunstâncias pessoais, ainda que de caráter fisiológico ou de força maior, salvo contrária disposição editalícia. No caso, assegurou-se a validade das provas de segunda chamada realizadas até a data do julgamento.592

Também no STJ, encontram-se precedentes – embora componham um grupo de exceção593 - em que um ato nulo, oriundo de prática ímproba, não foi extinto pois, as peculiaridades do caso concreto “[indicavam devesse] prevalecer aquele [princípio] que mais

se coaduna com o da razoabilidade”. Na hipótese, discutia-se a necessidade de anular um

contrato firmado para a prestação de serviços de recuperação e modernização das instalações físicas, construção de ossuários, cinzários, crematório e adoção de medidas administrativas e operacionais, para a ampliação da vida útil dos 06 (seis) cemitérios pertencentes ao Governo do Distrito Federal, ou admitir o saneamento de uma irregularidade contratual594, para possibilitar a continuidade dos referidos serviços.

Embora a repercussão da decisão tenha afetado os efeitos do contrato administrativo, o vício apontado seria decorrente da licitação. Assim, o Tribunal compreendeu que a manutenção do contrato seria a opção que “[conspirava] em prol do interesse público”. Para chegar a essa conclusão, os Ministros consideraram que “eventual paralisação na execução

do contrato, relacionados à prestação de serviços realizada pelos seis cemitérios, coadjuvado pela impossibilidade de o ente público assumir, de forma direta, a prestação dos referidos

Ementário vol. 2384-06, p. 1145; AgRg no AI 630.487/DF, Relatora Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, publicado no DJe 030 em 13.2.2009, no Ementário vol. 2348-06, p. 1168 e no LEXSTF v. 31, n. 362, 2009, p. 114-119; e AgRg no RE 376.607/DF, Relator Min. Eros Grau, Segunda Turma, publicado no DJ em 5.5.2006, p. 35 e no Ementário vol. 2231-03, p. 589. No mesmo sentido: STJ. 2ª Turma. REsp 1293721/PR, Rel. Min. Eliana

Calmon, DJe 10.4.2013: “3. A tese de fundo, referente à possibilidade de remarcação do exame físico em

concurso público por força maior, já foi objeto de apreciação nesta Corte, bem como no Supremo Tribunal Federal e, recentemente, tem-se firmado favoravelmente ao pleito, por não implicar em ofensa ao princípio da isonomia. Afasta-se, portanto, o fundamento da extinção do feito por impossibilidade jurídica do pedido”. 592 STF. Pleno. RE 630733 RG/DF. Rel. Min. Gilmar Mendes. DJ 21.10.2010. “CONCURSO PÚBLICO. REMARCAÇÃO DO TESTE DE APTIDÃO FÍSICA. A possibilidade de remarcação de teste de aptidão física para data diversa da estabelecida por edital de concurso público, em virtude de força maior que atinja a higidez física do candidato, devidamente comprovada mediante documentação idônea, é questão que deve ser minuciosamente enfrentada à luz do princípio da isonomia e de outros princípios que regem a atuação da

Administração Pública. Repercussão geral reconhecida”. NA SESSÃO DO PLENÁRIO DE 15.05.2013(acórdão

ainda pendente de publicação) - Decisão: O Tribunal, por maioria e nos termos do voto do Relator, negou provimento ao recurso, mas reconheceu a inexistência de direito de candidatos à prova de segunda chamada nos testes de aptidão física, em razão de circunstâncias pessoais, ainda que de caráter fisiológico ou de força maior, salvo contrária disposição editalícia, e assegurou a validade das provas de segunda chamada realizadas até a data deste julgamento, vencido o Ministro Marco Aurélio que desprovia o recurso, mas com consequências diversas, e quanto à aplicação do regime da repercussão geral ao caso.

593 STJ. 1ª Turma. REsp 950489/DF, Luiz Fux, DJe 23.2.2011.

594 O Ministério Público apontava a inobservância do capital social mínimo exigido no edital de licitação,argumentando que tal fato não configura mera irregularidade, ao revés, constitui vício grave capaz de nulificar o Contrato Administrativo, mercê de violar o disposto no art. 55, incisos VI e XIII, da Lei 8.666/93.

serviços, poderá ensejar a descontinuidade dos serviços prestados pela empresa licitante, em completa afronta ao princípio da continuidade dos serviços públicos essenciais”.

Fundamentando sua decisão, o Tribunal salientou que “o princípio da legalidade

convive com os cânones da segurança jurídica e do interesse público, por isso que a eventual colidência de princípios não implica dizer que um deles restará anulado pelo outro, mas, ao revés, que um deles será privilegiado em detrimento do outro, à luz das especificidades do caso concreto, mantendo-se, ambos, íntegros em sua validade”.

Finalmente, cita-se, decisão do Tribunal de Contas da União, em que a Corte decidiu que pode “determinar a anulação da licitação e autorizar, em caráter excepcional, a

continuidade da execução contratual, em face de circunstâncias especiais que desaconselhem a anulação do contrato, em razão da prevalência do atendimento ao interesse público”.

Julgava-se representação referente ao pregão presencial da Codevasf para aquisição de cisternas, e o relator concluiu que houve “manifesto o prejuízo à competitividade decorrente

da opção da CODEVASF pelo pregão presencial em vez do eletrônico [...] impondo-se, em consequência, a declaração de nulidade do certame”595.

Contudo, ao apreciar as consequências da declaração parcial de nulidade em relação aos contratos já celebrados, uma vez que a nulidade do procedimento licitatório induz a do contrato (art. 49, § 2º, da Lei 8.666/93), “defrontou-se o relator, seguindo a moderna

doutrina administrativista em torno da teoria das nulidades, com a necessidade de verificar se a anulação dos contratos não estaria em desacordo com o interesse público”.

Diante de todas as circunstâncias e consequências envolvidas, da documentação constante dos autos e das manifestações da unidade técnica, concluiu o relator que “o

interesse público estará melhor atendido caso se autorize, de forma excepcional, a continuidade do contrato relativamente ao item 2 do Pregão Presencial nº 11/2013”. O

Tribunal, quanto ao ponto, acolhendo o voto do relator determinou à entidade que anule a licitação bem como as atas de registro de preços correspondentes, mas autorizou, excepcionalmente, a Codevasf a dar continuidade à execução do contrato sem que haja a celebração de aditivos ao longo de sua execução596.

Verifica-se, embora por breve amostragem que se limita pelo número de precedentes que enfrentam a matéria, que os Tribunais têm se aberto à análise dos interesses em conflito, da repercussão que a supressão do ato ocasionará, do alcance dos seus efeitos e da boa-fé para

595 Em virtude da violação do disposto no art. 4º, § 1º, do Decreto nº 5.450/2005 c/c o art. 3º da Lei nº 8.666/1993, assim como do disposto no art. 4º, incisos XI, XVI e XVII, da Lei nº 10.520/2002.

encontrar a solução mais adequada. Muito embora não tratem expressamente da possibilidade de modulação de efeitos, acolhem todos os fundamentos que abrem caminho para tanto.

CAPÍTULO 6 - UM MODELO DE TRANSIÇÃO APLICADO AO ATO

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