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O ato administrativo típico ou de efeitos concretos: posição no regime jurídico administrativo,

CAPÍTULO 2 – DELIMITAÇÃO DO ATO ADMINISTRATIVO COMO OBJETO DE

2.2. O ato administrativo típico ou de efeitos concretos: posição no regime jurídico administrativo,

Em que pese não se possa falar em um conceito definitivo de ato administrativo, a dupla influência referida pode ser sentida na definição que vem sendo acolhida pela doutrina administrativista brasileira. Basta citar os conceitos adotados por Celso Antônio Bandeira de

Mello e Odete Medauar. Para o autor, conceitua-se ato administrativo como a “declaração do Estado (ou de quem lhe faça as vezes) no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgão jurisdicional”235. Para a autora, “é um dos

modos de expressão das decisões tomadas por órgãos ou entidades da Administração Pública, que produz efeitos jurídicos, em especial no sentido de reconhecer, modificar, extinguir direitos ou impor restrições e obrigações, com observância da legalidade”.236

Apesar de o conceito reunir os mesmos pressupostos fundamentais (origem estatal, modificação de situações jurídicas e legalidade), não há uniformidade doutrinária quanto ao tratamento que se dá aos componentes que formam o ato administrativo. Conforme registra

Celso Antônio Bandeira de Mello, não há “concordância total entre os autores sobre a

234 MAYER, Otto. Derecho administrativo alemán. Buenos Aires: Depalma, 1982. t. I, p. 76 e 126: “O ato administrativo é um ato de autoridade que emana da administração e que determina ao súdito o que para ele é de

direito em um caso concreto”.

235 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 271.

identificação e o número dos elementos”237, opinião compartilhada por Maria Sylvia Zanella

de Pietro238 e Odete Medauar239. Enquanto alguns autores240 entendem que o ato é composto de elementos (que dizem respeito à sua existência241) e de requisitos (que são indispensáveis à sua validade), outros242 empregam ambos os termos indistintamente.

Essa construção teórica, que fundamenta a distinção entre os componentes que delimitam a existência do ato (elementos) e os que lhe garantem a conformidade com a ordem jurídica (requisitos), tem sua origem no direito civil. A teria do negócio jurídico admite como elementos o que “compõe sua existência no campo do direito” e como requisitos, no plano da validade, “a qualidade que o negócio deve ter ao entrar no mundo jurídico, consistente em

estar de acordo com as regras jurídicas (‘ser regular’)”243.

Na linha da doutrina que não distingue os componentes do ato, o presente trabalho rompe com essa diferenciação entre requisitos e elementos. Compreende tratar-se de construção teórica distanciada da realidade, que pode servir como um dos fundamentos que sustentam a categoria dos atos inexistentes. E no regime que acolhe a presunção de legalidade da atuação administrativa, as consequências que afetam diretamente o administrado não podem ser desconsideradas. Adota-se como princípio, assim como Carlos Bastide Horbach, que “a independência dos atos administrativos reside no fato de estarem subordinados a um

regime jurídico especial, o regime da cogência e da imperatividade, o regime de direito público”244.Nesses termos, são duas as razões que fundamentam o posicionamento adotado.

Não se pode negar a aproximação do regime do ato jurídico e do ato administrativo, especialmente unidos em suas origens teóricas. Contudo, compreende-se que a diversidade de circunstâncias que podem decorrer da atuação administrativa não é compatível com qualquer tipo de pré-compreensão conceitual teoricamente fechada, cuja opção possa levar a consequências absolutamente diversas. E não é outra a hipótese: definir que os atos

237 BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 11. ed. São Paulo: Malheiros, 1999, p. 275.

238 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 186.

239 MEDAUAR, Odete. O direito administrativo em evolução. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1992, p. 149. 240 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 187. PONTES DE MIRANDA, Francisco Cavalcante. Trato de direito privado. Parte Geral. Rio de Janeiro: Borsoi, 1954. t. IV, p. 4; MEDAUAR, Odete. Direito administrativo moderno. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 154; AMARAL, Diogo Freitas do. Curso de direito administrativo. Coimbra: Almedina, 2001, p. 249.

241 AZEVEDO, Antônio Junqueira de. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 29.

242 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 49; MASAGÃO, Mário. Curso de direito administrativo. 6. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, p. 144; GASPARINI, Diógenes. Direito administrativo. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 59.

243 AZEVEDO, Antônio Junqueira. Negócio jurídico: existência, validade e eficácia. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 29.

244 HORBACH, Carlos Bastide. Teoria das nulidades do ato administrativo. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 56.

administrativos possuem requisitos de existência pode contribuir para à conclusão de que a ausência de qualquer desses requisitos determinaria sua inexistência. De outro lado, vícios que maculassem seus elementos acarretariam alguma hipótese de invalidade. Esse quadro teórico geral delimita o padrão de possibilidades e suas respectivas consequências, inviabilizando soluções variadas que considerem a complexidade de cada situação. Essa construção limitada acaba por desconectar-se das singularidades de cada conjunto de circunstâncias e não parece compatível com a demanda democrática procedimental e individualizada.

Além disso, não nos parece que a existência dos atos administrativos esteja vinculada aos caracteres necessários para a sua formação, mas, sim, ao momento em que passa a produzir efeitos. Não importa de que maneira e em que formato um ato administrativo – por mais incompleto que seja – alcança o universo de terceiros. No momento em que os efeitos são produzidos e sentidos, interna ou externamente, não se pode negar o fato de que sua existência é real. A percepção do ato e as consequências produzidas por seus efeitos materializam-se nas obrigações que recaem sobre a Administração Pública, destinada a gerenciar a realidade que decorre desses efeitos, especialmente tendo em conta a presunção de legalidade dos atos administrativos. Nada mais real e existente do que consequências com as quais se tenha que lidar.

Sem qualquer distinção, portanto, o trabalho avança considerando que o ato administrativo é composto por cinco elementos: competência, objeto, forma, motivo e finalidade. Nesse elenco, especificamente, a doutrina é bastante convergente245.

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