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Cognoscibilidade: clareza na apresentação das decisões e devido processo legal

CAPÍTULO 1 – A SEGURANÇA JURÍDICA COMO FATOR DE LEGITIMIDADE NO

1.2 O conceito de segurança jurídica e o sentido de sua aplicação

1.2.1 Cognoscibilidade: clareza na apresentação das decisões e devido processo legal

Para que a cognoscibilidade seja assegurada é preciso que os cidadãos, a partir do delineamento de um caso concreto, consigam identificar quais são as alternativas disponíveis, de modo que sejam capazes de delimitar o que podem ou não fazer e quais as consequências de suas opções. Seria a capacidade de acessar os sentidos que podem ser extraídos das normas que regem a hipótese.

É inegável que esse acesso pode demandar conhecimento prévio que, muitas vezes, não integra os pressupostos da grande maioria da população brasileira. Algumas previsões normativas e construções jurídicas têm a finalidade precípua de assegurar ou, ao menos, facilitar o acesso e a compreensão das normas jurídicas. Entre elas, pode-se destacar: i) a publicidade das normas e dos atos; ii) a motivação do ato administrativo e a fundamentação das decisões judiciais. Não se pode ignorar, por outro lado, que os instrumentos disponíveis não são suficientes para garantir a efetividade desse elemento da segurança.

O que se vê é que o ônus pelo desconhecimento não apenas das normas, mas das mais variadas possibilidades de interpretação, é atribuído aos seus destinatários. Basta ver que, muito embora o art. 3º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro disponha expressamente que “ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”, seu conteúdo é sempre traduzido no sentido de que se deve presumir que todos têm conhecimento

do conteúdo das leis. Não se pode questionar que a previsão do referido art. 3º é indispensável

para o Estado de Direito, sob pena de enfrentar-se sistemático descumprimento às normas. Contudo, um sistema construído sobre essas bases, deve desenvolver instrumentos compensatórios suficientes para equilibrar a imposição desse ônus.

Notadamente, nas relações jurídico-administrativas, em que a presunção de legalidade acompanha os atos administrativos, não se pode pretender que a segurança exija o acesso ao

conhecimento dos elementos básicos de planejamento – quais sejam: regras e consequências – como se essa fosse uma realidade corriqueira. Especialmente porque, no

momento em que os administrados são afetados pelas mudanças (extinção ou alteração dos atos administrativos), as nuances de cada caso não podem ser desconsideradas, transferindo-se aos administrados, mais uma vez, o ônus de uma objetividade forjada.

Como o ordenamento jurídico e as decisões se apresentam por meio da linguagem, não é possível encontrar significados absolutamente determinados na atividade interpretativa. Isso não quer dizer, contudo, que esses conteúdos não contenham “núcleos de sentido já determinados paulatinamente pela atividade doutrinária e jurisprudencial” e que não seja desejável o seu acesso material e intelectual pelos administrados130.

Permeados pelos mais variados métodos de interpretação e hermenêutica existentes no ordenamento jurídico, embora vinculados aos limites da publicização e principalmente da fundamentação, o intérprete e sua sociedade aberta de intérpretes da Constituição131, no constitucionalismo contemporâneo, são convocados a democratizar o processo de interpretação.

O processo judicial (afastado da ideia privatista) é alargado para a participação de novos e outros atores, além da salutar postura do próprio Estado em tornar públicas, acessíveis e compreensíveis as decisões judiciais e o dia a dia das Cortes. A distância tradicionalmente alargada e formal entre o cidadão e o Judiciário é reduzida pela sociedade contemporânea que privilegia a informação132.

Nesse contexto, a cognoscibilidade busca garantir que o administrado saiba o que pode ou não fazer e quais as consequências de sua ação. Afigura-se como instrumento de garantia da liberdade, pois visa a garantir o conhecimento dos comportamentos do Estado e dos demais cidadãos133. Pode-se pretender, por um extremo, que para atender à cognoscibilidade, os administrados deveriam ter conhecimento exato das normas, o que demandaria certeza absoluta sobre o conteúdo do Direito134.

Com pretensão menos rigorosa, por outro lado, pode-se entender esse aspecto da segurança jurídica como “determinabilidade de conteúdos normativos”, referindo-se à capacidade de compreender os sentidos que podem ser extraídos da norma, ou como

“compreensibilidade e cognoscibilidade”, entendidas como “capacidade, formal ou material, de conhecimento de conteúdos normativos possíveis de um texto normativo ou de práticas

130 BORGES, José Souto Maior. Curso de Direito Comunitário. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 10. ÁVILA, Humberto. Segurança Jurídica.., p. 256.

131HÄBERLE, Peter. Hermenêutica Constitucional – a Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição: Constituição para e Procedimental da Constituição. Tradução de Gilmar Ferreira Mendes. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris editor, 1997.

132 Os meios de comunicação (TV Justiça, Twiter, Rádio Justiça e Facebook) representam importantes iniciativas de acesso e divulgação dos atos judiciais. No âmbito legislativo merece referência a salutar Lei 12.527 de 18 de novembro de 2011 que regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5o, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. 133 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. 3ª ed., São Paulo: Malheiros, 2011, p. 184.

134 NOVOA, César Garcia. El principio del seguridad jurídica em matéria tributaria. Madrid: Marcial Pons, 2000, p. 113.

argumentativas destinadas a reconstruí-los.135 Seria, com efeito, a capacidade de compreensão das alternativas disponíveis, ainda que uma delas seja a indeterminação ou

o risco.

Essa capacidade se refere ao ordenamento jurídico como um todo, às normas gerais ou atos normativos,“no sentido de que este, no seu conjunto, deve ser inteligível formal e

materialmente”136 e aos atos normativos e administrativos, caracterizados por seus efeitos concretos, caso em que “a exigência de cognoscibilidade dirige-se à sua intimação,

pertinência e adequada fundamentação”.137

Haveria, portanto, a cognoscibilidade quando o próprio cidadão comum (“cidadãos médios”138), não especialista em Direito, fosse capaz ou de compreender ou de conseguir acessar instrumento para alcançar o sentido normativo para o seu caso “sem exercício de

ginástica intelectual”.139 Essa capacidade não corresponde ao conhecimento do Direito em si, mas à condição de buscar informações em bases de dados seguras, acessíveis e coerentes.

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