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Uma proposta de modulação de efeitos aplicável aos casos concretos

CAPÍTULO 5 – A SEGURANÇA JURÍDICA E ATOS ADMINISTRATIVOS CONCRETOS:

5.3 Interesse Público e eficiência: a necessidade de um modelo que considere a posição do

5.4.1 Uma proposta de modulação de efeitos aplicável aos casos concretos

Verifica-se, portanto, que o exame tópico dos atos administrativos possibilitará a implementação de soluções que considerem a juridicidade para além de um conceito genérico de interesse público. Essa perspectiva da juridicidade, implícita na cláusula do Estado democrático de direito (art. 1º, CR/88), exige que a modulação de efeitos atue de forma a complementar à segurança jurídica, mesmo porque alguns deles possuem estatura constitucional.

Do que se estudou, é possível sintetizar que a segurança jurídica fundamenta: a vedação de adoção retroativa de nova interpretação legal pela Administração Pública, em desfavor do administrado (art. 2º, parágrafo único, XIII, da Lei 9.784/99), a possibilidade de flexibilização dos efeitos retroativos das decisões proferidas no controle de constitucionalidade de normas (art. 27 da Lei 9.868/99 e art. 11 da Lei 9.882/99), bem como a

580 ARAÚJO, Florivaldo Dutra de. Negociação coletiva dos servidores públicos. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2011, p. 381: “Conditio sine qua non da atuação de boa-fé constitui-se na obediência ao princípio da motivação, que obriga ambas as partes a explicitar as razões de seus posicionamentos no decorrer de todo o procedimento negocial. Não basta, por exemplo, afirmar simplesmente que não se pode atender a certa reinvindicação. Devem ser esclarecidos os motivos legais e fáticos que levem a tal conclusão. O dever de motivação é mais incisivo para a administração pública, pois quem administra os interesses da coletividade tem o dever de prestar contas dos seus atos diante dos cidadãos. Por isso, diante de reinvindicação dos servidores, não bastará afirmar que se pode ou não acatá-la. Faz-se necessário explicar, aos servidores e à coletividade, o porquê da postura assumida. Assim, qualquer acordo feito ou rechaçado deve ser fundamentado diante da sociedade, para fins de controle, pela opinião pública, do exercício do poder, pois aquela tem o direito de conhecer a viabilidade e a seriedade do comportamento da administração. A motivação deve atender aos requisitos de congruência, exatidão, suficiência e clareza, tal como salienta a doutrina sobre o tema, constituindo-se em importante fator não só para o desenvolvimento e sucesso da negociação, mas também para o seu controle, em face dos interesses sociais em

possibilidade de convalidação ou de validação dos efeitos pretéritos de atos administrativos geradores de benefícios ilegais (art. 55 da Lei 9.784/99). O princípio também arrima a regra impeditiva de anulação dos atos ampliativos de direitos, decorridos mais de cinco anos de sua prática, salvo comprovada má-fé (art. 54 da Lei 9.784/99). Some-se a isso, a proteção ao direito adquirido, à coisa julgada e ao ato jurídico perfeito.

Quando os óbices narrados incidem sobre as espécies de extinção/modificação do ato administrativo – de que se cuidou nos Capítulos 4 e 5 –, é possível visualizar que o sistema binário não tem conseguido conciliar legalidade e segurança. A modulação de efeitos aplicada aos atos administrativos concretos busca preservar a confiabilidade e calculabilidade da atuação administrativa e, ao mesmo tempo, evitar o prolongamento de infindáveis debates a respeito da legalidade/ilegalidade do ato e a judicialização de questões que podem ser definidas no próprio âmbito administrativo.

Sempre cabe lembrar que princípios jurídicos são comandos genéricos (mandado de

otimização para Robert Alexy) que apontam para uma finalidade a ser alcançada, mas

demandam densificação de acordo com as circunstâncias fáticas e jurídicas. Não se trata de normas binárias, pois dependem de um juízo de aplicação ou de ponderação.581 Assim, em qualquer caso, deverá o administrador ponderar a importância da norma violada e a possibilidade de convalidação do vício; os efeitos da extinção (independentemente da espécie) e a existência de confiança legítima (dada pela apuração da boa-fé objetiva); os efeitos da presunção de legitimidade do ato administrativo sobre o administrado; o tempo transcorrido desde a prática do ato e o grau de irreversibilidade dos efeitos da decisão.

Desse modo, consideradas as circunstâncias dos casos concretos como aqui se propõe, entende-se que o administrador tem à sua disposição cinco opções para modular os efeitos de uma decisão que poderia, em princípio, levar à extinção ou a modificação de um ato administrativo: i) a extinção do ato administrativo com retroação de efeitos ex tunc; ii) a extinção do ato administrativo com retroação de efeitos modulados, de acordo com a decisão administrativa; iii) a extinção do ato administrativo com efeitos ex nunc; iv) a extinção do ato administrativo prospectivamente, delimitado prazo pro futuro para que o administrado possa se adaptar à decisão e compensar eventuais danos que lhe tenham sido causados; v) a convalidação do ato administrativo.

581 Em que pese as divergências teóricas a respeito da matéria, o tema não demanda maior aprofundamento dentro do escopo proposto para o presente trabalho.

Embora cada uma das espécies de extinção/modificação do ato tenha merecido análise individualizada e um quadro geral tenha iniciado este capítulo, vale ilustrar a aplicação do instituto em hipótese de revogação.

Fruto da ideia de discricionariedade,582 a revogação do administrativo pressupõe atuação lícita e costuma não encontrar barreira no tempo ou na boa-fé, senão no direito adquirido (art. 53 da Lei 9.784/99). Com efeito, seguindo a regra tradicional, o terceiro beneficiado por um ato revogável (v.g. autorização para venda ambulante) não encontra proteção que lhe possa garantir espaço de previsibilidade. Já na perspectiva de modulação de

efeitos, o ato não pode ser revogado de forma abrupta, a qualquer tempo, sem que se

considere a possibilidade de extinção prospectiva, a depender dos elementos do caso concreto. Então, será preciso avaliar as razões que circundam a pretensão de revogação, que poderiam ser sintetizadas como: i) não houve alteração desde a expedição do ato, mas a Administração Pública reavaliou a hipótese e chegou a conclusão diversa; ii) determinado fato, já acessível à época do ato, não foi considerado e é suficiente para alterar a decisão tomada; iii) fato superveniente devidamente demonstrado altera as condições fáticas e fundamenta a revogação do ato.

Todos esses critérios que levarem a uma ou outra decisão, no momento de revogação, devem integrar sua motivação, de modo que os administrados e os terceiros interessados tenham a efetiva garantia de que atuam em ambiente de confiabilidade e calculabilidade, viabilizado pela avaliação justificada de um regime de transição (art. 50, VIII da Lei 9.784/99). No exemplo específico, o administrador poderia concluir pela necessidade de revogação, com a consequente extinção do ato, mas garantindo ao permissionário efeitos prospectivos que viabilizassem maior planejamento, sem prejuízo ao bem comum, já que foi surpreendido por uma reavaliação do mesmo cenário.

Solução semelhante serve ao exemplo que não encontrou resposta no Capítulo 2, relativo à permissão de taxi. Com o falecimento do permissionário em razão de acidente provocado pelo Poder Público, caberia à Administração avaliar a extinção prospectiva do ato, não apenas para evitar a interrupção abrupta da única fonte de renda da família, mas também como forma de ressarcimento mais eficiente que o pagamento de perdas e danos.

A partir desse delineamento geral, cabe avaliar, ainda, alguns aspectos específicos relacionados ao princípio da legalidade, à competência e ao elemento subjetivo daqueles à quem se direciona a medida.

582 Como visto no Capítulo 2.

5.4.2 O princípio da legalidade e a regulamentação do regime de modulação de efeitos do

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