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Os efeitos da convalidação dos atos administrativos

CAPÍTULO 4 – AS BARREIRAS TRADICIONAIS QUE SE OPÕEM À MODIFICAÇÃO E À

4.1 Os efeitos da convalidação dos atos administrativos

Ultrapassada a era em que se adotava a teoria monista,393 segundo a qual a presença de vícios no ato administrativo leva apenas ao caminho de sua invalidação, predomina a teoria dualista, “segundo a qual a resposta da ordem jurídica pode ser de maior ou menor repulsa,

conforme maior ou menor a gravidade do vício apresentado pelo ato administrativo”.394

393 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 20. ed. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 429: “O ato administrativo é legal ou ilegal; é válido ou inválido. Jamais poderá ser legal ou meio-legal; válido ou meio- válido, como ocorreria se se admitisse a nulidade relativa ou anulabilidade, como pretendem alguns autores que transplantam teorias do Direito Privado para o Direito Público sem meditar na sua inadequação aos princípios

específicos da atividade estatal”.

Embora seja comum a referência à gravidade do vício para diferenciar a nulidade da anulabilidade, na verdade, o fator relevante está no elemento viciado. De todo modo, como o nome sinaliza, essa teoria aponta apenas dois caminhos: para vícios que apresentem maior desconformidade, cabe a exclusão do ordenamento jurídico pela invalidação, já para vícios de menor gravidade, abre-se a possibilidade de convalidação.395 A convalidação alcançaria os atos anuláveis, definidos como aqueles que a lei assim declara e os que apresentam vícios sanáveis.

Essa construção encontra fundamento no próprio interesse público, o qual ampara a noção de que não se justifica a anulação de ato carregado de efeitos, prejudicando-se indivíduos juridicamente afetados, se eventual vício pode ser sanado. A premissa foi reforçada, mais recentemente, pelo princípio da proteção da confiança e pelo resguardo da boa-fé de terceiros que se amparam na presunção de legalidade dos atos administrativos. Pode-se dizer, portanto, que a convalidação é a primeira barreira que se opõe à extinção do ato viciado.

Largamente estudada e regulada na esfera civilista, a convalidação foi acolhida no regime jurídico administrativo como instituto que alcança atos em que o vício seja considerado sanável. Nesses casos, seria possível recompor a juridicidade do sistema com efeitos retroativos,396 pois as falhas identificadas são de menor potencial gravoso.

Embora trate-se de hipótese há muito consagrada na doutrina,397 somente com o advento da Lei 9.784/99 recebeu tratamento legal específico.

Expressão quase unânime da doutrina398 e da jurisprudência399 define que os atos com vício de motivo, conteúdo e finalidade comprometeriam aspectos essenciais que não seriam

395A Lei 9.784/99 prevê expressamente no art. 55 que, “Em decisão na qual se evidencie não acarretarem lesão ao interesse público sem prejuízo a terceiros, os atos que apresentarem defeitos sanáveis poderão ser

convalidados pela própria Administração”.

396 FRANÇA, Vladimir da Rocha. Contraditório e invalidação administrativa no âmbito da Administração Pública Federal. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, Renovar, v. 233, p. 277, jul./set. 2003. 397 ZANCANER, Weida. Da convalidação e da invalidação dos atos administrativos. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 101-102.

398 ZANCANER, Weida. Da convalidação e da invalidação dos atos administrativos. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 101-102. FRANÇA, Vladimir da Rocha. Contraditório e invalidação administrativa no âmbito da Administração Pública Federal. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, Renovar, v. 233, p. 277, jul./set. 2003. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 229.

399 Vício de competência: STJ. 2ª Turma. REsp 1348472/RS. Rel. Min. Humberto Martins. DJe 28.5.2013: 4. Constatada a existência de vício em algum dos atos praticados no procedimento licitatório, cabe à autoridade superior, no momento da homologação, a sua convalidação ou anulação. Tratando-se de vício

sanável é perfeitamente cabível a sua convalidação. 5. O vício na competência poderá ser convalidado desde que não se trate de competência exclusiva, o que não é o caso dos autos. Logo, não há falar em nulidade do procedimento licitatório ante o saneamento do vício com a homologação. Vícios de forma, ilegalidade,

motivação, competência e finalidade: STJ. 6ª Turma. RMS 27672/RN. Rel. Min. Sebastião Reis Junior. DJe

passíveis de convalidação. Esta, portanto, somente encontraria viabilidade quando identificados vícios de forma ou formalidades e de competência.400

De todo modo, a convalidação somente seria admitida nos vícios de forma quando esta não fosse exigida por lei ou essencial à formação do ato, e obrigatória nos vícios de competência quando o ato praticado for vinculado. Além disso, deve ser considerada a regra geral que admite convalidação apenas quando “não acarretar lesão ao interesse público nem

prejuízo a terceiros”401.

Celso Antônio Bandeira de Mello também exclui a possibilidade de convalidação das

hipóteses em que o ato viciado já sofreu impugnação judicial ou administrativa. Para o autor,

“se pudesse fazê-lo, seria inútil a arguição do vício, pois a extinção dos efeitos ilegítimos dependeria da vontade da Administração e não do dever de obediência à ordem jurídica.”

Esse posicionamento encontra amparo em precedentes402, mas não é acolhido pela maioria que, independentemente da impugnação, vê utilidade na convalidação. Seja porque acaba por

“impelir a Administração a corrigir o vício, restaurando o primado do Direito”,403 seja porque garante “a preservação das consequências do ato e, em última instância, a própria

segurança jurídica”.404 Além disso, a impugnação tem a utilidade de despertar eventual falta administrativa do agente público responsável, que – independentemente das consequências afetas ao ato administrativo – poderá ser penalizado pela falha que houver cometido.

Existe certa divergência a respeito da obrigatoriedade da convalidação. Embora o art. 55 da Lei 9.784/99 disponha que “os atos que apresentarem defeitos sanáveis poderão ser

a sua convalidação, o decreto de nulidade por vício de forma, incompetência do agente, ilegalidade do objeto, inexistência dos motivos ou desvio de finalidade (REsp n. 663.889/DF, Ministro Castro Meira, DJ 1º/2/2006). 2. Recurso ordinário em mandado de segurança provido para declarar a nulidade do ato de exclusão da recorrente

das fileiras militares”.

400 Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro, desde que não se trate de competência exclusiva. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 13. ed. São Paulo: Atlas, 2001, p. 229. Juarez. Deveres de motivação, de convalidação e de anulação correlacionados e proposta harmonizadora. Interesse público. São Paulo, Notadez, v. 16, p. 46, out./dez. 2002.

401 Art. 55 da Lei 9.784/99. FREITAS, Juarez. Deveres de motivação, de convalidação e de anulação correlacionados e proposta harmonizadora. Interesse público. São Paulo, Notadez, v. 16, p. 46, out./dez. 2002. 402 STJ. 1ª Turma. AgRg no Ag 1320981/RS. Rel. Min. Napoleão Maia Nunes Filho. DJe 7.8.2013. “1. A Corte Estadual dirimiu a controvérsia a respeito da competência para lavratura de termo de infração no trânsito de mercadorias com base na Lei Estadual Gaúcha 8.118/85. Assim, inviável a análise desse fundamento em Recurso Especial, nos termos da Súmula 280/STF. 2. A questão referente à possibilidade de posterior convalidação do ato administrativo não deve ser admitida, visto que somente são passíveis de convalidação os atos da Administração que não foram impugnados administrativa ou judicialmente (REsp. 719.548/PR, Rel. Min. ELIANA CALMON, DJe 21.11.08).

3. Agravo Regimental do ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL desprovido.

403 FERRAZ, Sérgio. Extinção dos atos administrativos: algumas reflexões. Revista de Direito Administrativo, Rio de Janeiro, Renovar, n. 231, p. 63, jan./mar. 2003.

convalidados pela própria Administração”, a maior parte da doutrina405 e da jurisprudência406 não entende essa competência como uma faculdade. Dessa forma, sanar os vícios dos atos administrativos por meio da convalidação seria atuação vinculada da Administração Pública. Esta regra encontraria exceção apenas nos atos discricionários que apresentassem vício sanável de competência. Nesse caso, caberia ao agente competente reavaliar os elementos do caso concreto para definir a conveniência de expedição do ato.

De todo modo, a análise da convalidação enquanto barreira à extinção ou à modificação dos atos administrativos não se afasta do perfil tradicional dos instrumentos de controle: ou leva à manutenção integral do ato ou à sua extinção com efeitos ex tunc ou ex

nunc. Esse o cenário que deve pautar o estudo da proposta veiculada nesta tese.

4.2 As cláusulas pétreas: os efeitos do reconhecimento do direito adquirido, do ato

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