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O desaparecimento do elemento infungível e seus efeitos para a relação jurídica

CAPÍTULO 3 O MODELO TRADICIONAL DE EXTINÇÃO E MODIFICAÇÃO DO ATO

3.2 O desaparecimento do elemento infungível e seus efeitos para a relação jurídica

Essa hipótese alcançaria os atos administrativos quando ocorre perecimento do bem indispensável à sua existência, seja em razão do destinatário (quando intuitu personae)284, seja

282 Maria Helena Diniz define a força maior como um fato da natureza, em que se pode conhecer o motivo ou a causa que deu origem ao acontecimento, como um raio que provoca um incêndio, inundação que danifica produtos ou intercepta as vias de comunicação ou um terremoto que ocasiona grandes prejuízos. Por outro lado o caso fortuito tem origem em causa desconhecida, como um cabo elétrico aéreo que sem saber o motivo se rompe e cai sobre fios telefônicos provocando uma morte. DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito civil Brasileiro: Responsabilidade Civil. v. 7. 17 ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 105.

O Código Civil, da perspectiva contratual, dispõe que: Art. 393. O devedor não responde pelos prejuízos resultantes de caso fortuito ou força maior, se expressamente não se houver por eles responsabilizado.

Parágrafo único. O caso fortuito ou de força maior verifica-se no fato necessário, cujos efeitos não era possível evitar ou impedir.

Nos casos em comento o STJ também não se preocupou em distinguir caso fortuito de força maior, mas sim em verificar a presença deles em cada processo, e para isso levou em consideração as particularidades de cada caso, com a ressalva de que a imprevisibilidade é comum a todos eles.

283 STF. 2. Turma. Rel. Min. Ellen Gracie. DJ 12.6.2009. “CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO. AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. INSCRIÇÃO INDEVIDA DE CPF NO CADIN. REPARAÇÃO DE DANOS. ART. 37, § 6º, DA CF/88. FATOS E PROVAS. SÚMULA STF 279. 1. Acórdão recorrido fundado no fato de que, não tendo a União logrado comprovar qualquer das hipóteses que ensejam o afastamento de sua responsabilidade a saber

a ocorrência de caso fortuito ou força maior, ou, ainda, a culpa exclusiva da vítima – cabe-lhe responder

pelos danos que seus agentes, diretos ou indiretos, nessa condição causaram ao cidadão". 2. Incidência da súmula STF 279 para aferir alegada ofensa ao artigo 37, § 6º, da Constituição Federal – responsabilidade objetiva do Estado. Precedentes. 3. Inexistência de argumento capaz de infirmar o entendimento adotado pela decisão

agravada. 4. Agravo regimental improvido”.

284 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p.

151: “É o caso de uma permissão. Sendo o ato de regra intransferível, a morte do permissionário extingue o ato por falta do elemento subjetivo”. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 22. ed. São Paulo: Malheiros, 2007, p. 426: “é o que se passa com o beneficiário de atos intuito personae. Exemplo:

em função do objeto285. Parte da doutrina considera irrelevantes as razões que levam ao desaparecimento do elemento infungível para fins de determinação dos efeitos do ato, a partir de sua extinção. Afirma-se que “os então beneficiários do ato extinto [pelo desaparecimento do sujeito] não têm direito a qualquer indenização”286.

Outros autores, contudo, considerando que certas hipóteses são causadoras de prejuízo, defendem que eventual consequência deve ser remetida para a via indenizatória287. Cita-se, como exemplo, hipótese em que um servidor se suicida ou falece em razão de acidente do trabalho ou de doença profissional. Pode-se cogitar, ainda, do falecimento de um permissionário de táxi decorrente de um acidente causado pela Administração (falta de sinalização em obra pública). Em todos esses casos, o caminho natural seria e extinção do ato e a remessa dos prejudicados (familiares, nos casos) para recomposição de eventuais perdas e danos. Solução que, muitas das vezes, acaba levando a questão para o Judiciário. Exatamente esse o sentido em que se firmou a jurisprudência para os permissionários de casas lotéricas.288

a morte de um funcionário extingue os efeitos da nomeação. O mesmo se dá quando desaparece o objeto da

relação. Exemplo: a tomada pelo mar de um terreno de marinha dado em aforamento extingue a enfiteuse”.

285 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 25. ed. São Paulo: Atlas, 2012, p.

151: “Exemplo: interdição de um estabelecimento; se o estabelecimento vem a desaparecer ou se definitivamente desativado, o objeto do ato se extingue e, com ele, o próprio ato”.

286 GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 102.

287 FERRAZ, Sérgio. Extinção dos atos administrativos: algumas reflexões. Revista de Direito Administrativo,

Rio de Janeiro, Renovar, n. 231, p. 52, jan./mar. 2003: “A causa do perecimento é irrelevante, referentemente à

extinção, só assumindo importância eventual na temática da reparabilidade (ou não) dos circunstanciais danos decorrentes da extinção. Assim, se o objeto do ato administrativo perece, por força maior ou factum principis, por culpa (lato sensu) da Administração ou do administrado, a investigação da causalidade não repercutirá na perspectiva da existência do ato. O mesmo se diga, no que concerne ao desaparecimento do beneficiário: se o funcionário se suicida ou se falece em razão de acidente do trabalho ou de doença profissional, tais dados só poderão vir a ter significação jurídica na sede das discussões preparatórias, em nada obstaculizando a fatal

extinção do ato administrativo da nomeação do servidor”. GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 102: “teria direito a uma indenização se o desaparecimento do objetivo tivesse como causa um comportamento culposo ou doloso do beneficiário do ato”.

288 TRF-2. AC 200250010012635 RJ 2002.50.01.001263-5. DJ 22/09/2010.

“CIVIL E ADMINISTRATIVO. PERMISSÃO PARA EXPLORAÇÃO DE CASA LOTÉRICA.

FALECIMENTO DO TITULAR DE EMPRESA INDIVIDUAL CONCESSIONÁRIA. RESCISÃO CONTRATUAL. DECADÊNCIA. INEXISTÊNCIA. - O prazo decadencial de cinco anos, previsto no artigo 54 da Lei 9.784 /99, somente pode ser contado a partir de sua vigência, ou seja, janeiro de 1999, sob pena de se conceder efeito retroativo à referida Lei. Destarte, tendo, in casu, ocorrido a anulação de ato tido por ilegal antes de transcorridos os cinco anos especificados na referida Lei, não há que se falar em decadência, porquanto a Administração anulou a tempo seu ato anterior eivado de ilegalidade. - A orientação jurisprudencial, relativamente à permissão de serviço lotérico, aponta no sentido de que tal modalidade de contrato administrativo reveste-se dos atributos da discricionariedade, unilateralidade e precariedade (Cf.: STJ, AgRg no Ag 561648/RS) . - Não se verifica ilegalidade na rescisão do contrato de permissão de prestação de serviço público pelas casas lotéricas, cujo poder de outorga é atribuído à Caixa Econômica Federal, vez que o artigo 35 da Lei 8.987 /95 prevê a extinção da permissão no caso de falecimento do titular da empresa concessionária. - Inexiste direito adquirido ao prosseguimento do contrato após a morte de seu titular, mesmo para os contratos firmados anteriormente a vigência da Lei 8.987 /95, pois a prestação se serviços por meio de empresa individual tem caráter intuitu personae, isto é, são as qualidades ou os atributos específicos do titular da firma individual

Nota-se que muitas dessas hipóteses de extinção atraem ônus que devem ser suportados por seus destinatários. Porém, doutrina e jurisprudência289 não cogitam de outras hipóteses que não sejam a extinção do ato com efeitos ex nunc e a reparabilidade em caso de prejuízos causados pela própria Administração.

A partir desse cenário, cabe avaliar como as barreiras à extinção do ato administrativo atuam nessa hipótese e se o desaparecimento do objeto infungível impõe, como única alternativa, a extinção do ato. No exemplo em que faleceu o taxista por culpa do serviço da Administração Pública, não seria viável a manutenção da permissão, ainda que por tempo determinado, respeitando-se o direito sucessório?As expectativas legítimas dessa família aliadas aos elementos do caso concreto não poderiam ser suficientes para impor ao Poder Público a avaliação de alternativas que não levassem ao rompimento abrupto da relação jurídica e a remessa à via indenizatória?290

Também nessa espécie de extinção dos atos administrativo, verifica-se que a objetivação de suas consequências pretende uniformizar as situações de fato. Esse modelo, contudo, acaba levando à desconsideração dos mais diversos elementos infungíveis que sustentam a existência dos mais variados atos administrativos. Cabe, portanto, avaliar se esse modelo é compatível com a segurança jurídica e se, de fato, é possível distinguir a origem das causas de extinção e as suas consequências. Para além do formato tradicional, analisa-se alternativa para essa forma abrupta de extinção do ato que viabilize maior plasticidade ao rompimento da relação jurídico-administrativa, em conformidade com o caso concreto.

que orientam a contratação desses serviços. Nesses termos, com a morte desse titular, desapareceria a razão de existir do vínculo negocial. - Recurso improvido”.

289 STJ. 1. Turma. RMS 22382/DF. Rel. Min. Francisco Falcão. DJ 17.5.2007. “RECURSO EM MANDADO DE SEGURANÇA. ATO ADMINISTRATIVO. CANCELAMENTO DE PERMISSÃO. ATO PRECÁRIO. EXECUÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO. TRANSFERÊNCIA IMEDIATA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE INTERESSE PÚBLICO. I - Ausência de ilegalidade ou abusividade no ato que determinou o cancelamento de permissão de exploração do Serviço de Transporte Público Alternativo - STPA/DF. II - A permissão de exploração de serviço público se instrumentaliza pela execução do serviço, de modo que é da sua própria gênese conceitual a sua outorga intuitu personae, de onde surge a premente característica da precariedade, uma vez que conspira contra o interesse público a sua perpetuação. III - Estando o Ato administrativo de cancelamento da permissão entre os possíveis ao âmbito da Administração, como reforço à proteção ao interesse público, não há qualquer abusividade ou ilegalidade que possa caracterizar ofensa a direito líquido e certo amparado pela via mandamental. IV - Consoante bem exposto pelo Parquet Federal, verbis: "Registre-se, por fim, que, nos termos do art. 35, VI c.c. art. 40 da mencionada Lei 8.987/95, extingue-se a permissão pelo falecimento ou incapacidade do titular, no caso de empresa individual, da qual decorre a imediata assunção do serviço pelo poder permitente (§ 2º), não havendo, assim, que se falar em transferência da delegação para os herdeiros do permissionário" V -

Recurso Ordinário improvido.”

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