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A N ECESSID AD E DAS ESCRITURAS N ecessidade Primária

I A INSPIRAÇÃO E INERRÂNCIA DAS ESCRITURAS

1. A N ECESSID AD E DAS ESCRITURAS N ecessidade Primária

A necessidade primária para o registro da Bíblia foi o pecado do homem. No Éden só havia um livro: o livro da natureza; todavia, com o pecado humano, a natureza também sofreu as conseqüênci­ as, ficando obscurecida, perdendo parte da sua eloqüência primeva em apontar para o seu Criador (Gn 3.17-19),247 e, como parte do castigo pelo pecado, o homem perdeu o discernimento espiritual para poder ver a glória de Deus manifesta na criação (SI 19.1; Rm 1.18-23). A Revelação Geral que fora adequada para as necessida­ des do homem no Éden - embora saibamos que ali também se deu a Revelação Especial (Gn 2.15-17, 19, 22; 3.8ss) - tornou-se agora incompleta e ineficiente248 para conduzir o homem a um relaciona­ mento pessoal e consciente com Deus.249 A observação de Calvino (1509-1564) parece-nos importante aqui: “Lembremo-nos de que nossa ruína se deve imputar à depravação de nossa natureza, não à natureza em si, em sua condição original, para que não lhe lance­ mos a acusação contra o próprio Deus, autor dessa natureza.”250

246 Quanto ao assunto desta introdução, vd. Francis A. Schaeffer, Deus dá ao seu Povo uma Segunda Oportunidade: In: James M. Boice, ed. O Alicerce da Autoridade Bíblica, pp. 15-21.

247 Vd. Hermisten M.P. Costa, Antropologia Teológica: Uma Visão Bíblica do Homem, São Paulo, 1988, pp. 22-24. Groningen acentua: “O Senhor soberano julgou necessário revelar explicitamente a natureza de sua relação pactuai com a humanidade. Ele fez isso antes de o homem cair em pecado. Depois da queda, isso se tornou ainda mais necessário devido aos efeitos do pecado” (Gerard Van Groningen, Revelação Messiânica no Velho

Testamento, Campinas, SP, Luz para o Caminho, 1995, p. 63).

248 Vd. B.B. Warfield, Revelation and Inspiration: In: The Works of Benjamin B. War­

field, Grand Rapids, Michigan, Baker Book House, 1981, p. 7ss. A revelação Geral é “tê­

nue e obscura para a humanidade pecadora, e mesmo para a humanidade redimida” (Gerard V. Groningen, Revelação Messiânica no Velho Testamento, p. 64).

249 Vd. Hermisten M.P. Costa, Introdução à Teologia Sistemática, São Paulo, 1986, pp. 7ss.; 21.

Através da História Deus separou e preparou homens para que registrassem de forma exata e infalível os seus desígnios, sendo a Palavra de Deus escrita, dentre outras coisas, “o corretivo às idéias disformes que pode dar-nos a natureza em seu estado caído.”251

Desta forma, a Bíblia tem um caráter instrumental e temporá­ rio, embora seus efeitos e suas verdades sejam eternos. O que esta­ mos querendo dizer é que na eternidade não haverá mais a Bíblia; apenas teremos a visão ampla e experimental daquilo para o qual ela apontava: A vitória do Cordeiro!

1.2. N ecessidade Conseqüente

Como conseqüência lógica do argumento anterior, podemos observar que a Bíblia foi escrita para registrar de forma cabal e inerrante a vontade de Deus referente ao aqui e agora e ao lá e de­ pois, evitando assim os desvios naturais, fruto do pecado humano. Por isso, só se considera adequada a revelação de Deus contida na Bíblia; somente através das Escrituras o homem pode ter um co­ nhecimento de Deus livre de superstições.

Calvino (1509-1564), compreendendo bem este fato, escreveu:

“C om efeito, se refletimos quão acentuada é a tendência da mente hu­ m ana para com o esquecimento de Deus, quão grande a proclividade para com toda sorte de erro, quão pronunciado o gosto de a cada instante forjar novas e fantasiosas religiões, poder-se-á perceber quão necessária haja sido tal autenticação escrita da celeste doutrina, para que não deperecesse pelo olvido, ou se dissipasse pelo erro, ou fosse da petulância dos homens cor­ rom pida.”252

A Bíblia como Palavra inspirada e inerrante de Deus dá ao ho­ mem a resposta adequada às necessidades espirituais de que tanto carece, apontando para Jesus Cristo (Jo 5.39) e para o poder de Deus. Nas Escrituras encontramos a esperança da vida preparada, realizada e consumada pelo Deus Triúno (Rm 15.4; lJo 5.13).

251 H.H. Meeter, La Iglesia y El Estado, 3a ed.Grand Rapids, Michigan, TELL (s.d.), p. 28. 252 J. Calvino, Â í Instituías, 1.6.3 (vd. Confissão de Westminsler, 1.1).

I - A Inspiração e Inerrância das Escrituras 83

A Bíblia não foi registrada apenas para o nosso deleite espiritu­ al; mas para que cumpramos os seus preceitos, dados pelo próprio Deus (Dt 29.29; Js 1.8; 2Tm 3.15, 16; Tg 1.22); a Bíblia também não nos foi dada para satisfazer nossa curiosidade pecaminosa (Dt 29.29), que em geral ocasiona especulações esdrúxulas e facções;253 Ela foi-nos concedida para que conheçamos seu Autor; e, o conhe­ cendo, o adoremos; e, o adorando, mais o conheçamos (Os 6.3; 2Pe 3.18).254 A Bíblia foi-nos confiada a fim de que, mediante a ilumi­ nação do Espírito Santo,255 sejamos conduzidos a Jesus Cristo (Jo 5.39; Lc 24.27, 44), sendo ele mesmo quem nos leva ao Pai (Jo 14.6-15; lTm 2.5; IPe 3.18) e nos dá vida abundante (Jo 10.10; Cl 3.4). Por isso, “ao estudarmos Deus, devemos procurar ser conduzi­ dos a ele. A revelação nos foi dada com esse propósito e devemos usá-la com essa finalidade”.256

253 Calvino combateu as especulações com veemência; em diversos lugares ele escreveu sobre o assunto; como exemplo, cito:

“Porque são mui poucos entre a ingente multidão de homens que existe no mundo os que pretendem saber qual é o caminho para ir ao céu; porém todos desejam antes do tempo conhecer o que é que se faz nele” (As Instituías, 111.25.11; vd. também 1.5.9).

“‘A Escritura é proveitosa.’ Segue-se daqui que é errôneo usá-la de forma inaproveitá- vel. Ao dar-nos as Escrituras, o Senhor não pretendia satisfazer nossa curiosidade, nem alimentar nossa ânsia por ostentação, nem tampouco deparar-nos uma chance para in­ venções místicas e palavreado tolo; sua intenção, ao contrário, era fazer-nos o bem. E, assim, o uso correto da Escritura deve guiar-nos sempre ao que é proveitoso” [J. Calvino,

As Pastorais, São Paulo, Parakletos, 1998 (2Tm 3.16), p. 263],

“As cousas que o Senhor deixou recônditas cm secreto não perscrutemos, as que pôs a descoberto não negligenciemos, para que não sejamos condenados ou de excessiva curi­ osidade, de uma parte, ou de ingratidão, de outra” (A.ç Instituías, TII.21.4).

“Nem nos envergonhemos em até este ponto submeter o entendimento à sabedoria imensa de Deus, que em seus muitos arcanos sucumba. Pois, dessas cousas que nem é dado, nem é lícito saber, douta é a ignorância, a avidez de conhecimento, uma espécie de loucura”

(As Institutos, III.23.8).

254 Vd. Calvino, As Institutos, 1.5.10; Agostinho, Confissões, 9a ed. Porto, Livraria Apos­ tolado da Imprensa, 1977, T.l.l. pp. 27-28; J.I. Packer, O Conhecimento de Deus, São Paulo, Mundo Cristão, 1980, especialmente, pp. 26-35.

255 J. Calvino observou que: “Só quando Deus irradia em nós a luz de seu Espírito é que a Palavra logra produzir algum efeito. Daí a vocação interna, que só é eficaz no eleito e apropriada para ele, distingue-se da voz externa dos homens” [J. Calvino, Exposição de

Romanos, São Paulo, Parakletos, 1997 (10.16), p. 374], A vocação eficaz do eleito “não

consiste somente na pregação da Palavra, senão também na iluminação do Espírito Santo” (J. Calvino, As Instilutas, III.24.2).

2. A INSPIRAÇÃO DAS ESCRITURAS