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I I A FÉ SALVADORA

1. TIPOS DE FÉ

Pode parecer estranho para alguns o fato de tratarmos de tipos diferentes de fé; no entanto, a Bíblia nos mostra que apesar de usar­ mos a palavra “fé” de modo generalizado, há distinções importan­ tes que devem ser feitas, para que possamos ter uma verdadeira compreensão da genuína fé salvadora.

285 Heinrich E. Brunner, Nossa Fé, 2a ed. São Leopoldo, RS, Sinodal, 1970, p. 114. 2,0 João Calvino, Efésios, São Paulo, Parakletos, 1998 (Ef 4.14), p. 128. “O conhecimen­ to do divino favor, é verdade, deve ser buscado na Palavra de Deus; a fé não possui nenhum outro fundamento no qual possa descansar com segurança, exceto a Palavra; mas quando Deus estende sua mão para ajudar-nos, a experiência disto é uma profunda confirmação tanto da Palavra quando da fé” [João Calvino, O Livro dos Salmos, São Paulo, Parakletos, 1999, Vol. 2 (SI 43.2), p. 276],

II - A Fé Salvadora 99 1.1. Fé Histórica ou Especulativa

Ela é caracterizada pela crença intelectual na veracidade de um acontecimento tido como histórico. Quando, por exemplo, estuda­ mos os eventos da História, na realidade estamos exercitando nossa fé histórica, crendo que de fato os episódios se deram conforme os registros históricos. Alguém pode ter sido criado na igreja, aprendi­ do as histórias bíblicas, estar socialmente integrado na igreja, e no entanto só dispor de uma crença puramente intelectual que em nada afeta sua existência.291

O fato de alguém crer na singularidade da Bíblia, na existência de Jesus; na veracidade histórica das narrativas do Pentateuco, por exemplo, não indica necessariamente que ele tenha uma fé divina, salvadora (vd. Jo 3.2; At 26.24-27; Tg 2.19).

1.2. Fé Temporal

Este tipo de fé é decorrente da consciência da realidade das ver­ dades religiosas. Num primeiro momento, ela manifesta frutos se­ melhantes aos da fé salvadora; todavia, por ela não proceder de um coração regenerado, é ineficaz e não permanece; falta-lhe raiz (Mt 13.20-21).

De quando em quando surgem pessoas na Igreja cheias de entu­ siasmo, julgando que tudo está errado, querendo transformar as es­ truturas, achando que podem fazer melhor o trabalho etc. De repen­ te, de modo abrupto ou gradativo, elas perdem o primeiro vigor e se afastam: sua fé aparentemente tão fervorosa se apagou. Era uma fé cheia de adjetivos, contudo não dispunha de substância. Esta é uma forma característica da fé temporal se manifestar (vd. Jo 2.23-25; At 8.13, 18-24; 2Tm 4.10; Uo 2.19).

1.3. Fé Milagrosa

É caracterizada pela persuasão intelectual de que eu serei o ins­ trumento ou o beneficiário de um milagre. Dessa conceituação po­ demos distinguir esta fé em dois tipos:

1.3.1. Ativa

É a certeza de que Deus operará um milagre através de mim (Mt 7.21-23; 10.1; 17.20).

1.3.2. Passiva

É a convicção de que Deus operará um milagre em mim (Mt 8.10-13; Lc 17.11-19; At 14.8-10).

Esta fé pode estar acompanhada da fé salvadora, porém não necessariamente; no caso do leproso que foi curado e voltou para

“dar glória a Deus”, há evidência da fé salvadora (cf. Lc 17.19),

enquanto que no caso dos outros nove, ao que parece, havia apenas a fé milagrosa.

Observemos que Deus é soberano para agir como ele quiser; inclusive capacitando os homens para serem seus agentes ou bene­ ficiários dos milagres; por isso, não nos iludamos com os “sinais” alegados por tantos pregadores.

No final dos tempos, quando Cristo voltar em glória, muitos ho­ mens se apresentarão diante dele, dizendo terem feito milagres e sinais em seu nome, entretanto, apesar de tais sinais terem ocorrido, não fo­ ram operados através de Cristo, conforme alegado, mas, sim, pelo “es­

pírito de demônios” (vd. Ap 16.14). Assim Jesus narra o episódio pro­

fético: “Nem todo o que me diz: Senhor, Senhor! entrará no reino dos

céus, mas aquele que faz a vontade de meu Pai que está nos céus. Muitos naquele dia hão de dizer-me: Senhor, Senhor! porventura não temos nós profetizado em teu nome, e em teu nome não expelimos demônios, e em teu nome não fizemos muitos milagres (8"úva|iiç)? Então lhes direi explicitamente: Nunca vos conheci. Apartai-vos de mim, os que praticais a iniqüidade” (Mt 7.21-23). Jesus Cristo decla­

ra que nunca os reconheceu como seus discípulos; em momento al­ gum manteve com eles uma relação afetiva (vd. Ex 7.22; 8.7, 18).

Satanás é um imitador de Deus; ele procura produzir obras se­ melhantes às de Deus a fim de confundir os homens, deixando-os desnorteados.292 Satanás também procura criar em nossas mentes

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uma valorização demasiada do sinal a fim de manter-nos presos a isso, não conseguindo enxergar o valor de tudo mais. Paulo escreve sobre este ponto: “Ora, o aparecimento do iníquo é segundo a efi­

cácia (èvépyeia)293 de Satanás, com todo poder (8l)va|Liiç)294 e si­ nais (c tt]|1£ Í o v ) 295 e prodígios (xépaç)296 da mentira” (2Ts 2.9). Neste

a fim de, mediante enganosa similaridade, melhor insinuar-se à mente dos símplices” (J. Calvino, A.v Instituías, 1.8.2).

2,3 Satanás atua de forma eficaz na consecução de seus objetivos: èvépyeia (energeia) -

“trabalho efetivo" de onde vem a nossa palavra “energia”, passando pelo latim, “energia”.

Esse substantivo é empregado tanto para Deus (Ef 3.7; 4.16; Fp 3.21; Cl 1.29; 2.12) como para Satanás (2Ts 2.9). Estando este subordinado à èvépyeia de Deus (2Ts 2.11). èvépyeia e seus derivados, no NT, descreve sempre um poder eficaz em atividade sobre-humana, atra­ vés da qual a natureza de quem a exerce se revela (vd. William Barclay, Palavras Chaves

do Novo Testamento, São Paulo, Vida Nova, 1988, pp. 51-57).

294 Satanás atua com “poder”, “força”, “habilidade” (vd. a palavra “capacidade" em Mt 25.15 e “força” em 2Co 1.8).

295 A palavra indica uma marca ou sinal indicativo pelo qual alguma coisa é identificada; aponta para outra coisa cujo significado parece obscuro. Esta palavra é usada para referir- se aos milagres divinos (Mt 12.38, 39; 16.1, 4; Mc 8.11, 12; 16.17, 20; Lc 11.16; Jo 2.11) e de Satanás e seus mensageiros (Mt 24.24; Mc 13.22; 2Ts 2.9; Ap 13.13, 14; 16.14; 19.20). Os discípulos querem um sinal da vinda de Cristo (Mt 24.3; 24.30; Mc 13.4); o beijo traidor de Judas serviu como sinal (Mt 26.48); a criança nascida em Belém era um sinal do nasci­ mento do Messias (Lc 2.12); Simeão diz que Jesus será “alvo” (ar|p.E iov) de contradição (Lc 2.34). Jonas foi um sinal para os ninivitas e Jesus o era para sua geração (Lc 11.29, 30). Herodes queria ver Jesus realizar algum sinal (Lc 23.8); os judeus queriam um sinal de Jesus que atestasse sua autoridade (Jo 2.13-18; 3.2; 6.14; 6.30); muitos creram através de seus sinais (Jo 2.23; 4.48; 6.2; 7.31). Todavia, outros estavam mais preocupados com o pão (Jo 6.26), e outros, ainda que vendo os sinais, não creram (Jo 12.37); contudo gostavam de ver sinais (Mt 16.1; ICo 1.22). Os sinais de Jesus deixavam confusos os judeus e amedron­ tadas as autoridades (Jo 9.16; 11.47, 48). João diz que Jesus fez “muitos outros sinais”, contudo estes foram registrados para que os homens cressem (Jo 20.30, 31; Hb 2.3, 4). Os sinais incitam “a mente humana a atentar para algo mais elevado que a mera aparência” [João Calvino, Exposição de Hebreus, Sâo Paulo, Parakletos, 1997 (Hb 2.4), p. 55). João Batista não fez sinal, mas tudo o que disse era verdade (Jo 10.41). Os apóstolos também realizaram sinais (At 2.43; 4.16; 5.12), reconhecendo que estes eram obra de Deus (At 4.30; 14.3; 15.12). Estêvão, Filipe, Paulo e Barnabé, do mesmo modo, operaram sinais (At 6.8; 8.13; 14.3; 15.12; Rm 15.19). Os sinais se constituíam num dos elementos que creden­ ciavam o apóstolo (2Co 12.12). Resumindo: os sinais de Cristo nunca eram praticados com fins egoístas ou com o propósito de se mostrar aos seus ouvintes. Na realidade vimos sem­ pre o propósito de glorificar a Deus relacionar de forma fundamental a base sobrenatural da revelação e também satisfazer e aliviar as necessidades humanas. (Quanto a maiores detalhes sobre esta palavra, vd. K.R. Rengstorf, ariH E Íov, etc.: In: G. Kittel & G. Friedri- ch, eds. Theological Dictionary o f the New Testament, Grand Rapids, Michigan, Ecrd- mans, 1983 (reprinted), Vol. VII, pp. 200-269; O. Hofius, Milagre: ln: Colin Brown, ed. ger. O Novo Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento, São Paulo, Vida

texto fica claro que Satanás se vale de todos os recursos a ele dispo­ níveis, contudo, como não poderia ser diferente, amparado na “men­

tira", já que ele é seu pai (Jo 8.44).

Jesus advertiu a seus discípulos: “Surgirão falsos cristos e fal­

sos profetas operando grandes sinais (ar|jJ,eiov) e prodígios (xé

paç) para enganar, se possível, os próprios eleitos” (Mt 24.24).

1.4. Fé Salvadora

Esta é a genuína fé cristã. Ela está enraizada no coração que foi regenerado por Deus. A fé salvadora é obra de Deus e é direcionada para Deus, através de Cristo (Hb 12.2; Uo 5.1-5). Contudo, deve­ mos observar que nós não somos salvos pela fé, mas, sim, por Cris­ to Jesus através da fé.

2. A NATUREZA DA FÉ SALVADORA