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A norma tributária indutora de conduta ecológica

5 A COBRANÇA DO USO DE RECURSOS HÍDRICOS E A TRIBUTAÇÃO

5.1 DA TRIBUTAÇÃO AMBIENTAL

5.1.2 A norma tributária indutora de conduta ecológica

O dogma liberal, já ultrapassado, fundava-se na ideia de que toda atividade tributária estaria focada na função fiscal dos tributos, e de que qualquer outra atribuição à norma tributária, como a extrafiscalidade dos tributos configuraria uma tentativa de aumento da carga tributária, lastreada em frágeis razões economicossociais e ambientais, no sentido maquiavélico de que os fins justificam os meios, o que, supostamente, impediria questionamentos sobre justiça fiscal e quiçá a imposição de limites mais frouxos ou flexíveis ao poder de tributar; ocorre que boa parte da doutrina tributária tem rejeitado a tributação ambiental (PALAO TABOADA, 2005: 83).

Por outro lado, a doutrina ambientalista tem incentivado a prática da tributação ambiental, mas desde que a mesma esteja focada na extrafiscalidade, ou seja, na busca de objetivos que ultrapassam a mera arrecadação, como, por exemplo, a de compatibilizar o desenvolvimento econômico com a proteção do meio ambiente, por meio da adoção de sanções premiais (SANTANA, 2009: 95).

Isto posto, podemos retomar, sem medo, a nossa linha mestra de que, embora sob o ponto de vista da Ciência das Finanças, haja a preferência pela adoção de normas de repressão (comando e controle), em virtude da norma tributária indutora não criar um ilícito levando à perda da consciência ambiental. Entretanto, a implementação de uma taxa pelo uso dos recursos hídricos levará fatalmente à falsa ideia de que se está pagando pela propriedade de um bem economicoambiental34.

Ademais, há um equívoco na ideia de que, por intermédio dos tributos com efeito indutor, cada contribuinte buscaria pagar o menor tributo possível, assim como promover o desenvolvimento técnico, porque os custos tributários serão repassados aos consumidores, o que pode provocar um efeito inflacionário, com o aumento do preço final do produto; enfim, um tributo de natureza indutora não garante ao contribuinte a possibilidade de reduzir a quantidade de consumo ambiental (SCHOUERI, 2005: 46-50).

34 O contribuinte deixa de ser identificado como alguém que gera danos, e passa a ser visto como alguém que

paga a conta, podendo, nesse passo, consumir os bens naturais, pois, muitas vezes, é mais barato arcar com o ônus financeiro da apropriação do bem ambiental.

Entretanto, há autores como Consuelo Yoshida (2005: 538-540), que se posicionam em sentido contrário, ao doutrinar que se faz necessária a conjugação de desestímulo à poluição e degradação ambientais, com medidas de incentivo ao cumprimento das exigências ambientais, baseadas em atrativos economicofinanceiros. Isso se deve ao fato da técnica de controle ativo, nas modalidades de facilitação e sanção positiva premial, favorecer as ações vantajosas, ou seja, tem função predominantemente de mudança social em uma nova concepção do ordenamento jurídico como função promocional. Já a de controle passivo desfavorece as ações nocivas, isto é, tem função predominantemente de conservação social em uma concepção do Direito como ordenamento protetivorrepressivo, deve manter seu espaço de aplicabilidade, para proporcionar uma real viabilidade do consumo dos recursos ambientais.

Cabe frisar que as razões acima não levam em conta os aspectos economicofinanceiros em sua análise jurídica; isto porque muitas vezes, ao não se medir a elasticidade da oferta e da demanda, o agravamento da tributação leva ao aumento do preço dos bens, sem modificar o consumo, na hipótese dela ser inelástica. Logo, não haveria porque adotar um tributo indutor, que não oferece ao contribuinte a possibilidade de reduzir a quantidade de seu consumo ambiental; ademais, existe o risco das isenções virem a ser consideradas como privilégio e não como prêmio, o que ressuscitará as críticas relativas à injustiça fiscal dessa política tributária; até porque a redução da carga tributária de uns leva ao aumento compensatório da de outros, pois, como é de conhecimento cediço, não existe almoço de graça, alguém sempre paga a conta.

Nunca é por demais lembrar a contribuição de Celso Furtado (MARIANI, 2007: imagem em movimento) no sentido de termos de superar as relações dicotômicas do tipo centro-periferia para rompermos o ciclo vicioso da pobreza, que condenou os países subdesenvolvidos ao papel de fornecedores de commodities e que, agora, estariam obrigados a manter intocáveis os seus recursos naturais, vindo a acentuar o seu subdesenvolvimento, salvo se forem estabelecidos mecanismos compensatórios em escala global, a exemplo do mercado de carbono, isto porque os recursos angariados poderiam ser utilizados nas reformas estruturais que esses países precisam executar para chegar aos postulados jurídicos da modernidade (consagração política dos direitos e liberdades), isto é, em última estância, implantar um capitalismo civilizado, capaz de transpor a distância entre o que somos e o que esperamos ser.

Ademais, pairam dúvidas de como preservar os princípios constitucionais da soberania, autodeterminação dos povos e desenvolvimento em um mundo globalizado, em que cada vez nos distanciamos dos ideais de universalização do direito, democratização da sociedade e

republicanização do Estado, ainda mais quando faltam estadistas capazes de manter um distanciamento crítico e um engajamento político comprometido com um processo de transformação voltado para valores socioambientais; bem como economistas que consigam introduzir em suas formulações matemáticas elementos éticos norteadores do ponto de equilíbrio entre oferta e demanda dos recursos naturais; e, ainda, de uma sociedade que construa um Estado responsável pela preservação eficiente do meio ambiente, mas que não caia na tentação do autoritarismo, mas na garantia de uma democracia ambiental e multiculturalista, capaz de transcender a tensão existente entre as forças de transformação e as velhas estruturas (forças de ordem e conservação) (FURTADO, 1983: 42-116).

5.1.2.1 Da impossibilidade do uso da taxa como técnica de controle de condutas

Nesse sentido, cabe relembrar as lições de Keynes (1982: 116) sobre o uso dos tributos como um fator de indução do comportamento socioeconômico desejado pelo Estado, nas quais ele se coloca contra o aumento da tributação sobre o consumo, pelo fato da mesma acentuar o quadro de recessão; ao tempo em que sugere o aumento das alíquotas incidentes no imposto sobre grandes fortunas, pois, nesse caso, haveria a colocação em circulação de um capital que ficaria parado nas mãos dos particulares, por intermédio do investimento público em obras de infraestrutura.

É bem verdade que ele direciona o seu estudo para solução do problema do desemprego estrutural, mas o exame crítico da sua teoria possibilita a aplicação da mesma na construção da ideia de um desenvolvimento sustentável, notadamente na polêmica ideia de que mesmo produzindo déficit público, por meio da contratação de empréstimos via emissão de títulos públicos e de papel moeda; haja vista que a política de incentivos criaria um acréscimo líquido ao rendimento em dinheiro disponível para ser gasto pelo público, ou seja, um acréscimo líquido à procura efetiva, cujo aumento seria contrabalançado pelo gasto novo ou adicional do Governo.

Muito embora, em termos teóricos, essa teoria esteja bem embasada, na prática, ela levou os países periféricos, como o Brasil, a um quadro de hiperinflação, estagnação econômica e de moratória na década de 80, mas cuja causa principal foi a imprevisibilidade do aumento dos custos de importação do petróleo, quando do aumento abusivo dos países membros da OPEP.

Sendo assim, creio que seria extremamente oportuno refletirmos sobre alguns dogmas neoliberais, como a ideia de desregulamentação da economia e a sua entrega às forças de

mercado, vez que as mesmas têm sido ineficientes no combate a atual crise econômica, posto que “o Estado é a mão visível que segura a crise” (COSTA, 2009: 52-55).

No mesmo sentido, os professores Joel Kovel (2009: A7) e Michael Löwym (2009: A7), ao propor uma alternativa de esquerda para um desenvolvimento sustentável (ecossocialismo35), indica, claramente, a necessidade de um Estado forte voltado para a proteção do meio ambiente, que seja capaz de aglutinar o maior número possível de pessoas (movimentos sociais) no estabelecimento de limites ao crescimento para evitar a escassez dos recursos hídricos, por exemplo; em face da existência de uma inequívoca relação entre crise econômica e ambiental, já que ambas derivam da falência do modelo de civilização industrial capitalista e ocidental, que transformou tudo em mercadoria para justificar a sua dominação pelo capital.

5.2 DOS INCENTIVOS FISCAIS NA INDUÇÃO DE UM COMPORTAMENTO