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CRITÉRIOS GERAIS DE INTERPRETAÇÃO DA TRIBUTAÇÃO AMBIENTAL

5 A COBRANÇA DO USO DE RECURSOS HÍDRICOS E A TRIBUTAÇÃO

5.3 CRITÉRIOS GERAIS DE INTERPRETAÇÃO DA TRIBUTAÇÃO AMBIENTAL

Nesse sentido, Ulrich Beck (1998) alerta para o fato de que é necessário reinterpretar os princípios universais de justiça e equidade para buscar a distribuição dos riscos à sociedade como um todo; fato esse que exige uma efetiva participação social no processo decisório de políticas públicas ambientais, tal qual é feito no modelo de comitê gestor das bacias hidrográficas. É nessa seara que vislumbramos a utilização das normas de tributação ambiental para induzir a redução de atividades poluidoras, o desenvolvimento de tecnologias limpas, a adoção de modos de produção ambientalmente justificáveis e, a conscientização de todos os atores sociais (produtores, consumidores e governo) para atuarem tanto na oferta quanto na demanda dos recursos hídricos com o fito de restabelecer um novo equilíbrio de mercado.

Embora não seja o nosso enfoque específico, cabe citar que a tributação ambiental constitui um importante instrumento econômico para obtenção de recursos financeiros para a efetivação das políticas públicas; todavia, sofre severas limitações quanto a sua eficiência para promover a internalização das externalidades, bem como para possibilitar uma gestão participativa e descentralizada, conforme se conclui em estudo sobre problema da cobrança do uso dos recursos hídricos de acordo com o Direito Constitucional, Econômico, Ambiental e Tributário (MORAES NETO, 2008: 369-389).

Muito embora Alfredo Becker (1998: 597) não tenha tido a oportunidade de enfrentar a problemática da tributação ambiental, em sua Teoria geral do Direito Tributário, ao comentar a coexistência do finalismo fiscal com o extrafiscal em cada tributo, informa que o homem, na construção de um novo mundo, deveria se espelhar na revolução humanista cristã, posto que no processo de reconstrução será indispensável a criação de um Direito Tributário rejuvenescido, capaz de destruir o antigo regime e angariar fundos para a implantação de um novo, no qual será dada grande importância econômica aos tributos extrafiscais, o qual terá o condão de promover uma metamorfose jurídica dos tributos, por intermédio da adoção do finalismo extrafiscal.

Em nosso caso, precisamos pensar em garantir a neutralidade fiscal, no sentido de que a cada aumento de alíquota incidente sobre uma atividade poluidora seja estabelecido um incentivo fiscal correspondente para àquelas que adotam uma atitude ecologicamente ou socialmente correta; ademais, mister se faz zelar por um equilíbrio economicossocial do orçamento público entre: a despesa mais a receita e a realidade econsmicossocial, com o objetivo de evitarmos efeitos contrários ao desenvolvimento sustentável, a exemplo do aumento do desemprego, migração para grandes cidades, etc.

Isso posto, nós iremos realizar uma leitura principiológica do Sistema Tributário Nacional com o objetivo de estabelecer limites para a extrafiscalidade ambiental; Contudo, cabe relembrar que estamos tratando de um subsistema constitucional tributário, vez que, como ressalta Paulo de Barros Carvalho (2000: 128-141), a nossa Constituição Federal foi pródiga na criação de um amplo espaço a matéria tributária o que, por sua vez reduziu a margem de liberdade de criação do legislador ordinário. Tanto isto é verdade que todos os princípios informadores do quadro orgânico de normas fundamentais e gerais do direito tributário encontram-se ali presentes; entretanto, conforme antecipamos, mister se faz estabelecer critérios para a sua interpretação, e por isso iremos seguir as lições de Robert Alexy (1993: 86-103) no sentido de considerarmos os princípios com mandados de otimização, cujo conflito não resulta em um afastamento definitivo nem em sua invalidade, pois, em caso de colisão, há apenas um afastamento provisório naquele caso concreto.

Já José Joaquim Gomes Canotilho (2000: 1081-1889) endossa a teoria acima, como também contribui ressaltando não só a estrutura sistêmica e aberta de regras e princípios, como a existência de princípios estruturantes, isto é, constitutivos e indicativos das diretrizes básicas de toda a ordem constitucional. No caso do subsistema constitucional ambiental, a densificação se dará pela “ecologização dos espaços de poder” (BIRNFELD, 2003: 191-195),

ou seja, pela absorção e adaptação de princípios exógenos ao Direito Ambiental com objetivo de responder aos desafios da proteção ambiental.

Constitui um dogma fundamental do Estado de Direito o princípio da legalidade, pois o mesmo relembra os primórdios da história do Direito Tributário quando da edição da Magna Carta em que houve a exigência do consentimento popular para o estabelecimento de tributos, fato esse que vem sendo consagrado nas constituições modernas, vide art. 150, I, da CF/88. De maneira semelhante, o princípio da igualdade apresenta, nos princípio da capacidade contributiva e da vedação ao confisco, um alto grau de densificação; mas precisamos lembrar dos princípios da anterioridade da lei tributária como corolário da segurança jurídica e da não surpresa, sem confundi-lo com o princípio da anualidade (SEBASTIÃO, 2007: 80-104).

Na sequência, há de se ressaltar também o princípio da irretroatividade da lei tributária, previsto no art. 150, III, letra a, garante que uma lei nova, quando venha a instituir ou majorar tributos, não possa incidir sobre fatos jurídicos tributários já consolidados; bem como de que tanto o princípio da igualdade quanto o da liberdade são inerentes ao homem, tanto esse sentido formal como material. Sendo assim, as isenções fiscais de cunho ambiental não representam uma transgressão a esse princípio, pois consagram valores constitucionais, ou seja, o direito fundamental ao meio ambiente, de igual modo, o princípio da capacidade contributiva há de ser interpretado de maneira diferenciada, em face de que, ao confrontá-lo com o princípio do poluidor pagador, veremos que, em algumas situações, não será possível estabelecer uma correlação direta entre os atributos econômicos do sujeito passivo e a extensão do dano ambiental causado pelo mesmo; o que não significa, necessariamente, que o mesmo possa ser privado do seu mínimo existencial, ou seja, dos recursos financeiros necessários para satisfação de suas necessidades básicas, haja vista o respeito ao princípio do não confisco (AMARAL, 2007: 86-102).

Ao lado desses princípios temos também de analisar aqueles mais afeitos ao direito ambiental, como o princípio do poluidor pagador, da responsabilização, precaução, prevenção, incolumidade do bem ambiental, equidade intergeracional e essencialidade do meio ambiente, com o objetivo de, ao final, estabelecer uma principiologia da tributação ambiental. Essa essencialidade deriva do fato de considerarmo-no um direito fundamental, associado aos direitos humanos e à dignidade da pessoa humana; já a equidade intergeracional decorre do fato de que esse direito ao ambiente e a qualidade de vida representam direito de quarta geração, isto é, devem ser preservados não apenas para as gerações atuais, mas, também, para as futuras (ética ecológica da alteridade).

Por conseguinte, os princípios da precaução e da prevenção objetivam evitar o dano ambiental antes que o mesmo venha a acontecer; entretanto, na prevenção foca-se na exclusão de atividade sabidamente perigosa à natureza, ao passo em que, na precaução, visa-se alcançar situações de dúvidas ou incertezas, com base no risco potencial dos mesmos ao meio ambiente. Enfim, o princípio do poluidor pagador pretende internalizar os custos relativos às externalidades derivadas da degradação ambiental de modo a evitar a socialização dos prejuízos e a privatização dos lucros; enquanto que o princípio da responsabilização mobilizaria os aparatos estatais repressivos para garantir que o poluidor assuma todos os prejuízos derivados do seu ato ilícito ambiental a serem apurados, por meio das vias civil, penal e administrativa.

Faz-se importante, então, listar como principais objetivos dos ecotributos: a) alcançar um desenvolvimento sustentável por intermédio da redução do dano ambiental e internalização de seus custos; b) desestimular a conduta negativa do poluidor pagador para que ele se reeduque; c) criar mecanismos indenizatórios para a sociedade; d) incentivar a redução da emissão de produtos poluentes (agrotóxico, dejetos animais e humanos, etc.) nos rios; e) por fim, o financiamento dos custos inerentes ao processo de revitalização bacias hidrográficas e ao seu gerenciamento.

Por outro lado, há de se questionar, também, a eficiência ambiental dessas medidas tributárias, pois, nos casos das medidas diretas, a exemplo do imposto incidente sobre lubrificantes, não temos observado uma redução no consumo do mesmo, posto que a maioria das pessoas prefere usar seu próprio carro a usar o transporte público; o que não ocorre com os incentivos para controle da poluição, já que o agente poluidor tem maiores condições de avaliar a conveniência ou não de optar por produtos verdes ou não (YOSHIDA, 2005: 537- 538).

Nunca é por demais lembrar que, desde a década de 70, o Professor e atual Ministro do STF Eros Roberto Grau (1975: 3-15), ao discorrer sobre o conceito de tributo, vem chamando atenção para a existência de um conceito econômico de tributo, no sentido de, a partir da classificação das receitas públicas em originárias (advindas da exploração do patrimônio público) e derivadas (oriundas da exploração de bens integrados ao patrimônio privado), propor uma análise da relação existente entre Estado e particular, capaz de averiguar tanto o recebimento da receita, como o de graduar os interesses relacionados a esse recebimento. Sendo assim, leciona que a origem do relacionamento poderá ser contratual, quando o particular deseja adquirir um bem ou serviço do Estado, e esse tenha condições de o fornecer e/ou fazer mediante o recebimento de contraprestação pecuniária.

Por sua vez, os tributos ambientais derivam de um texto legal, o qual obriga o particular a fazer ou deixar de fazer um dado comportamento, sob pena de uma sanção ou incentivado pelo recebimento de um prêmio pela sua conduta positiva; e não obstante a existência de um conflito de interesses, ainda assim, poder-se-ia falar que, quando houver uma satisfação exclusiva ou principal de interesse privado, isso configuraria a existência de um preço público ou quase privado. Já quando houvesse a satisfação exclusiva do interesse público, estaríamos diante de um tributo (imposto, taxa ou contribuição); somente nessa hipótese é que se poderia falar em limitações ao poder de tributar (princípio da legalidade, da anualidade, da capacidade contributiva, etc); bem como no caráter de compulsoriedade da receita, ou seja, no fato de que na hipótese de inadimplência haveria a aplicação de uma sanção por ato ilícito.