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5 A COBRANÇA DO USO DE RECURSOS HÍDRICOS E A TRIBUTAÇÃO

5.1 DA TRIBUTAÇÃO AMBIENTAL

5.1.1 Espécies

Neste contexto é que nos propomos a fazer um breve estudo sobre as normas tributárias enquanto instrumentos de intervenção econômica para poder ter segurança em caracterizar cobrança pelo uso de recursos hídricos, como taxa ou preço público, vez que em ambas as hipóteses existem uma intervenção indireta na ordem econômica em que o Estado não se comporta como sujeito econômico, pois não toma parte ativa e direta no processo econômico (SCHOUERI, 2005: 42). Ressalta o Prof. Washington Albino de Souza (2003: 317), que na função de regulador, no Estado mínimo, ele não se desliga da política econômica, seja ela pública ou privada.

Sendo assim, fica clara a responsabilidade do Estado em zelar pela preservação de nossos recursos hídricos para as gerações atuais e futuras, pois, o parágrafo único e o inciso IV do artigo 22 da CF/88, prevêem a competência da União para legislar sobre a gestão administrativa e econômica das águas (POMPEU, 2005: 46). Verifica-se, dessa forma, a existência de uma ação de intervenção do Estado no domínio econômico, de natureza política,

32 “Foi proposto no Reino Unido um plano estratégico chamado Green New Deal, para se passarem uma série de leis para ajudar o país a ultrapassar a crise do clima e econômica. Propõe criarem-se milhares de novos empregos verdes, investimento nas energias renováveis e a união entre ecologistas, agricultores, empresários e a indústria. O nome é tirado do plano pelo presidente Roosevelt quando da grande depressão nos anos 30s para tirar os EUA do caos econômico e social da altura. Segundo o grupo estratégico temos somente mais 100 meses (8 anos) antes que as mudanças climáticas se tornem dramáticas, um período similar ao previsto por muitos cientistas.” Disponível em: <http://consciencia-social.blogspot.com/2008/07/green-new-deal.html>. Acesso em 4 jan. 2009.

consubstanciada nos princípios e diretrizes presentes na Lei 9.433/97, para corrigir uma falha de mercado.

Entretanto, como esse problema é resolvido pela internalização dos custos socioambientais da degradação ambiental, cabe ao legislador optar pela implantação de sistemas de cobrança pelo uso dos recursos hídricos; ou pela criação de novos tributos ambientais (taxa ou impostos), em que deverá haver uma utilização adequada e criteriosa da extrafiscalidade dos mesmos com vistas a se alcançar uma eficiência ótima fiscal/ambiental (YOSHIDA, 2005: 535-536).

No caso concreto da água, os recursos oriundos da cobrança deveriam ser suficientes para cobrir os gastos públicos decorrentes do processo de recuperação das bacias hidrográficas, degradadas pelo lançamento de agrotóxicos e dejetos de homens e animais, o que não ocorre no Brasil, pois, apesar da Lei de Recursos Hídricos ter sido sancionada há mais de dez anos, poucos Comitês Gestores foram instituídos e, por consequência, a cobrança foi implantada em apenas duas bacias (PCJ, e CEIVAP); logo, os recursos arrecadados não são suficientes para promover a revitalização dos rios.

No Rio São Francisco, por exemplo, não obstante a existência de um Parlamento das Águas (Comitê Gestor) de composição tripartite (grandes consumidores, Estado e ONGs), a cobrança não foi implementada, apesar da existência de grandes adutoras como a do feijão que transporta água para Irecê, três hidroelétricas (Paulo Afonso, Sobradinho e Xingó) e até de um Projeto de Transposição que pretende deslocar 10 % de sua vazão para outros Estados do Nordeste (Paraíba, Piauí, Ceará e Rio Grande do Norte) por intermédio do eixo Leste e Oeste. Fica claro, portanto, que a ausência de mecanismos de compensação financeira e de um estudo aprofundado dos impactos ambientais levaram à oposição firme dos Estados doadores (Bahia, Sergipe, Alagoas e Minas) a esse megaempreendimento.

No tocante à intervenção econômica, nós temos que chamar atenção para a influência da ideologia na definição dos papéis dos sujeitos econômicos, bem como da forma que a política econômica será efetivada e concretizada (SOUZA, 2003: 314); posto que, em termos de Estado Liberal, mesmo a intervenção indireta configura uma exceção, ou seja, iria contra a regra da livre concorrência (SOUZA, 2003: 316); enquanto que, no Estado do Bem Estar Social a intervenção indireta, por via de regulamentação da atividade econômica, nasceu como uma pressão do Estado sobre a Economia para restabelecer a sua normalidade, ou seja, manter o regime de livre concorrência (TAVARES, 2006: 306). Note-se que a intervenção indireta pode se dar tanto por normas de indução (normas dispositivas, ou seja, estímulos e

desestímulos) ou direção (comandos imperativos, dotados de cogência, isto é, vincula a determinada hipótese um único consequente) (SCHOUERI, 2005: 43).

Todavia, como efeito da crise do Estado do bem estar social e da ampla atuação estatal, decorrente do déficit fiscal e orçamentário, recessão, desemprego, ineficiência alocativa e administrativa levou à adoção do modelo de Estado Regulador, onde foi transferida a maioria das atribuições de prestação de serviços à sociedade, para a iniciativa privada (processo de privatização das empresas públicas estatais) (TAVARES, 2006: 306). Sendo assim, restou ao Estado apenas a função de regulação e controle sobre essas atividades delegadas; isto porque o mesmo tinha como premissa fundamental a ideia de que a sociedade teria condições de resolver, de forma mais eficiente, mais descentralizada e menos custosa, grande parte de seus problemas; ademais, visava-se, também, permitir a liberdade de atuação dos agentes econômicos e, ainda, incentivar o crescimento autossustentado (BENJÓ, 1999: 14-17).

A implantação de uma política econômica em determinado setor gera, por sua vez, consequências nos objetivos do outro, pois a adoção de uma política energética baseada na construção de hidroelétricas, por exemplo, agrava os conflitos com a necessidade de preservação ambiental (FONSECA, 2002: 248-249); isso se deve ao fato da interdisciplinaridade da Economia e de todos os setores da sociedade, porquanto o enfoque em somente uma área acarreta o desequilíbrio de todo o sistema (MORIN, Edgar. Palestra TCA04.11.2008). No caso da atual crise econômica mundial, observamos que ao se priorizar como solução da mesma uma maior produção industrial e a ampliação do consumo a qualquer custo, isto poderá implicar em um grande prejuízo ambiental, como na questão do agravamento do estresse hídrico decorrente do aumento do efeito estufa e de uma maior demanda por água.

Logo, para a resolução deste impasse, o Estado deverá sopesar a melhor forma de atender aos interesses sociais, na busca do chamado lucro social (SOUZA, 2003: 344), estimulando, ao mesmo tempo, o desenvolvimento econômico e a responsabilidade socioambiental.

No caso dos recursos hídricos, é necessário reconhecer os mesmos como um bem econômico, ou seja, impor um preço de transação pelo seu uso, a ser cobrado do usuário, a fim de que os seus custos possam ser internalizados e, assim, resolver o problema da falha de mercado decorrente da alocação ineficiente deste recurso por seus consumidores que, ainda hoje, os considera como de preço zero, o que faz com que ele não internalize os seus custos sociais, agravando de sobremaneira o desperdício e, por consequência, contribuindo para a redução da disponibilidade hídrica nas grandes cidades (FERNANDEZ, 2000: 75-77).

Ainda sobre regulação, o consagrado economista George Stigler (2004: 23-24) ressalta que a função reguladora do Estado pode ser perseguida por uma indústria, quando da concessão de benefícios, ou imposta pelo mesmo, como no caso da tributação diferenciada sobre determinados bens. Isto porque a taxação do bem hídrico é instituída para a proteção e benefício de toda a sociedade, o que deixa mais onerosa a intervenção do Estado, mesmo que ela seja feita por via indireta33.

Além disso, os objetivos da cobrança pelo uso dos recursos hídricos seriam os de: criar um mecanismo para financiar os investimentos e custos de operação e manutenção das atividades de gestão de recursos hídricos; estabelecer uma forma de correção das externalidades negativas; adotar um mecanismo de correção da distorção entre o custo social e privado; promover o uso racional da água e garantir aos consumidores um uso eficiente desse recurso natural (FERNANDEZ, 2000: 81-82).

Entretanto, a complexidade decorrente da implementação das políticas públicas relativas à gestão das águas exige algo mais que a sua normatização, pregação filosófica, campanhas cívicas e educativas para que se processe uma mudança comportamental capaz de internalizar a responsabilidade social do usuário de água que, ainda hoje, acredita ser a mesma é uma extensão de seu direito de propriedade, ou seja, ignora a ideia de bem ambiental, responsabilidade ambiental e demais elementos insculpidos no artigo 225 da Constituição Federal.

Por causa disso, é que seria muito difícil nos valermos da taxa para conseguirmos cumprir todos os objetivos acima listados e que são indispensáveis para que o agente econômico venha a adotar um comportamento ecologicamente correto priorizando o consumo racional dos recursos hídricos, pois essa é a verdadeira função da Lei 9.433/97.

Nunca é por demais frisar que a taxação dos recursos hídricos induz o usuário a adotar comportamento diverso que o leva à prática de um ato ilícito; no sentido de que por estar pagando uma taxa ele teria o “direito de poluir” os mananciais hídricos.

Na hipótese do valor da taxa ser muito baixo para respeitar o princípio da capacidade contributiva em detrimento do princípio do poluidor pagador, o destinatário da norma pode acatar ou não o comando normativo, segundo a sua conveniência econômica; ou seja, se os custos de adoção de tecnologias limpas forem mais altos do que a projeção do valor da taxa

33 É preciso ressaltar que essa afirmação não foi feita em termos universais, haja vista que é de conhecimento

público os riscos de captura da agência reguladora pelos grupos de pressão melhor articulados organizacionalmente, normalmente os grandes consumidores de recursos hídricos (empresas agroindustriais); mas que, em certos casos, pode ser, também, os pequenos consumidores, quando articulados em uma organização não-governamental (ONG) ou organização social de interesse público (OSIP).

num dado exercício financeiro, a tendência será a de escolher a opção mais lucrativa: degradar as fontes de recursos hídricos, o que seria fiscalmente injusto (SCHOUERI, 2005: 44).