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DOS INCENTIVOS FISCAIS NA INDUÇÃO DE UM COMPORTAMENTO

5 A COBRANÇA DO USO DE RECURSOS HÍDRICOS E A TRIBUTAÇÃO

5.2 DOS INCENTIVOS FISCAIS NA INDUÇÃO DE UM COMPORTAMENTO

Uma questão central da política de incentivos fiscais encontra-se justamente na sua concepção antiga, como privilégio, o que gerou críticas severas de tributaristas, como Souto Maior Borges (2001: 30-114), que propõe limites constitucionais ao poder de isentar, ou seja, vincula as isenções aos princípios da legalidade, justiça e segurança; isto porque entende que o poder de eximir seria o oposto ao da tributação, logo, ao atribuir competências e limites ao poder de tributar, o constituinte, por via transversa teria condicionado, também, o poder de isentar.

Desse modo, o Estado constitucional moderno abandonou a ideia de que o poder tributário era o poder de fato (relação tributária de força) e consagrou a noção de que ele é um poder jurídico que se exerce por meio de normas (lei formal e material), nas quais encontraríamos os seus respectivos limites, tanto para tributar, como para isentar 36. Todavia,

35 O conceito de ecossocialismo deriva da ideia de um retorno aos anseios dos socialismos da primeira época do

século XX, no contexto da crise ecológica, ou seja, “se baseia na visão de que capital é trabalho passado reificado, e se fortalece a partir do livre desenvolvimento de todos os produtores, ou em outras palavras, a partir da não separação entre produtores e meios de produção” (LÖWY, Michael e KOVEL, Joel. 1º Manifesto

Ecossocialista. Disponível em: <http://www.ecossocialistas.org.br/detalhes.asp?id=75&cat_id=11&cat_nome=

Textos%20Ecossocialistas&topo=CAT&dnome=1º%20Manifesto%20Ecossocialista.%20Michael%20Lowy%20 e%20Joel%20Kovel>. Acesso em 3 fev. 2009).

36 A nossa proposta neste tópico não é a de aprofundar a questão dos incentivos fiscais no Direito Ambiental, até

porque já existe uma obra de referência (TRENNEPOHL, 2008); de igual modo, na área de Teoria Geral do Direito Tributário existe obras clássicas, como as de Raimundo Bezerra Falcão (1981) e de Álvaro Melo Filho (1976), que serviram de marco teórico para nossa tese. Logo, o nosso objetivo foi, apenas, o de fazer um breve

Pimenta (2002: 40) faz uma comparação entre intervenção direta e indireta para poder analisar o grau de atuação do Estado na atividade econômica, em sentido amplo, com o objetivo de determinar o nível de envolvimento do Estado na cena econômica, daí afirmar que:

Quanto às técnicas de intervenção, o Estado pode atuar para induzir, estimular a prática de certos comportamentos, visando implementar finalidades previstas na Constituição. Essa é a intervenção-incentivo. Aqui poderá ser utilizado um mecanismo das sanções positivas (premais), como, por exemplo, os incentivos fiscais. Outras vezes, a atuação do Estado é para forçar, para coagir o indivíduo a praticar alguma conduta ou para reprimir determinado ato considerado ofensivo de algum valor consagrado pelas finalidades constitucionalmente qualificadas. Em tais situações entendemos que existe a figura da intervenção-coação. Como exemplo dessa modalidade tem-se o tabelamento de preços. Por fim, há também hipóteses em que o Estado atua tão somente como sujeito da atividade econômica (intervenção-

direta), sem preocupação com o incentivo, ou com a coação. Aqui aparece a intervenção-participação.

Ainda sobre as críticas da política de incentivos, é importante acrescentar o fato de que a adoção de uma intervenção por indução, sobretudo na questão ambiental, pode gerar consequências, tais como de que o efeito indutor perseguido nem sempre será alcançado por conta dos limites financeiros da extrafiscalidade – a evasão fiscal, que implica a adoção de comportamento alternativo por parte do contribuinte e a translação do imposto, porquanto o contribuinte não arcaria com o ônus tributado, repassando esse ao consumidor (SCHOUERI, 2005: 50-60).

Nesse passo, enquanto o mais fraco se dobrará ao direcionamento, o mais forte suportará a incidência tributária, gerando um grave efeito regressivo e concorrencial, que implica em um prêmio para os contribuintes com maior capacidade econômica, que ficarão mais fortes, pelo fato de melhor suportar o aumento dos custos, podendo, dessa maneira, racionalizar a produção, diferentemente dos mais fracos, que terão de abandonar os investimentos efetuados.

Desse modo, como afirma o jurista Tércio Sampaio Ferraz Júnior (2001: 43-52) sobre o tema, com a promoção por meio de subsídios, incentivos, isenções, o Estado se substitui ao mercado e à sociedade na maneira de controlá-la, divergindo do pensamento de que o Estado reconhece o esforço do cidadão em cumprir a lei, até porque não são os incentivos fiscais que movem os investidores, mas o maior ganho de lucros seja com incentivos ou não.

Apesar de muitos dos incentivos fiscais, que são uma forma de subvenção, serem concedidos antes de o beneficiário adotar o comportamento esperado, como forma de um direcionamento econômico para atingir metas de interesse público (SCHOUERI, 2005: 57-

comentário sobre um tema conexo a nossa tese, para deixar claro que existe uma outra maneira de intervenção econômica do Estado para a preservação dos recursos hídricos.

64), na prática, se observa a concessão de benefícios sem a contraprestação devida pela ameaça dos grandes conglomerados que dominam mercados regionais e podem prejudicar certas localidades com o cancelamento de investimentos.

Já em sentido oposto, o professor Sacha Calmom Navarro Coelho (1982: 1-8) defende galhardamente a ideia de extrafiscalidade dos tributos, isto é, a possibilidade de, diminuindo ou aumentando o valor do tributo, obter-se resultados que transcendem o simples recolhimento do tributo, sem, contudo, acarretar em uma queda da arrecadação, nem tampouco em uma maior receita, posto que o objetivo seria o de inibir determinados comportamentos, ou o de incentivar com a redução da carga tributária àqueles social e ambientalmente desejáveis. Com isso, desde os idos de 1982, o douto titular de Direito Tributário da UFMG se posicionou na defesa do estado de Minas Gerais, quando o mesmo, em seu RICM, rompeu com o conceito equivocado de que o ICM não poderia ser usado como instrumento regulador da economia, fomentado ou desencorajando atividades, conforme lecionava Geraldo Ataliba (1993), ou seja, fulminou-se a ideia de que ele era um imposto neutro, que deveria adotar uma alíquota uniforme para todas as mercadorias e endossou-se a tese da seletividade de suas alíquotas com o objetivo de servir como instrumento de intervenção financeira, econômica, sociopolítica e monetária;

Assim, poderíamos atrair investimentos ambientalmente sustentáveis via redução da base de cálculo ou alíquota do imposto; diminuir o custo de produtos com selo verde, em benefício do fabricante e do consumidor final, por intermédio da devolução total ou parcial do imposto pago; atender a reclamos éticos, não tributando empreendimentos que gerassem ativo ambiental ou sobretaxando àqueles que agissem em sentido contrário via concessão ou manutenção de créditos fiscais; e, até, possibilitando o aumento do capital de giro de empresas socioambientalmente responsáveis, por meio da concessão de um maior prazo para o recolhimento do tributo (diferimento do pagamento do imposto).

Quanto à questão da existência ou não de privilégios, a doutrina mineira tem se posicionado no sentido de que a isenção configuraria norma de potestade, ou seja, de que a própria Constituição já traria em seu bojo a utilização extrafiscal dos tributos, nos limites de competência atribuídos pela mesma. Além disso, não podemos esquecer que o Direito deve ser interpretado continuamente, à luz da sua dimensão historicocultural, de forma que não obstante a força do Direito Tributário derive inicialmente da imposição de limites ao poder de tributar de um soberano absolutista; ainda assim, o primado da legalidade não há de ser interpretado de forma isolada dos demais princípios constitucionais, posto que, como todos sabemos, não existe hierarquia entre princípios, ou seja, abre-se a possibilidade de que em

situações excepcionais possa-se afastar alguns dos limites ao poder de tributar com o fito de harmonizá-lo, naquele caso concreto, com um princípio ambiental mais premente, como, por exemplo, o do poluidor pagador, sem que haja com isso a quebra do princípio da não surpresa, defendido pelo professor Eduardo Maneira (1994: 25-76).

Essas observações são muito importantes, tendo em vista que, quando se fala da atuação do Estado na proteção do meio ambiente, normalmente se associa ao fato do mesmo implementar normas proibitivas, de controle e de fiscalização estatal; contudo, o mais importante seria a questão do uso de normas indutoras, no sentido atribuído por (Schoueri, 2005: 43-50), haja vista que elas se referem ao incentivo, fiscalização e planejamento de um desenvolvimento nacional sustentável, nos moldes do art. 174 da CF/88, bem como justifica a emergência da tributação ambiental para ajudar na resolução do problema da escassez de recursos naturais, como a água e, também, a gestão dos riscos dele decorrentes, o que exige o desenvolvimento de uma nova cidadania, como também o fortalecimento dos princípios do poluidor pagador, prevenção e participação.