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4 ASPECTOS ECONÔMICOS DA COBRANÇA DOS RECURSOS HÍDRICOS

4.3 DA ADOÇÃO DOS PRINCÍPIOS DO POLUIDOR PAGADOR E DA

4.3.1 Princípio do Poluidor Pagador (PPP)

Inicialmente cabe esclarecer que este princípio possa atribuir a alguém o direito de poluir, ou seja, pagar para poder poluir; nem muito menos poder-se-ia admitir a ideia de pagar para evitar contaminação, sob pena de tornarmos lícito aquilo que ilícito, ou seja, a degradação ambiental dos recursos hídricos, isto é, a redução da qualidade e quantidade dos mesmos. Por causa disso é que se fazem severas críticas sobre este viés econômico, a ponto de se questionar se o mesmo teria como objetivo principal angariar recursos financeiros ou se o mesmo deveria se concentrar no aspecto preventivo, no sentido de tentar evitar a ocorrência de danos ambientais; ou, ainda, no seu enfoque repressivo, quer seja o de reparar um dano já ocorrido (FIORILLO, 2009).

A existência de uma multiplicidade de vertentes para este princípio nos possibilita uma análise estritamente econômica, nos moldes propostos pela Organisation for Economic Cooperation and Development (OECD); vez que a mesma propunha em suas Recomendações C(72)128/72, C(74)22/74 e C(89)88/89 a ideia de incorporação dos custos de prevenção ambiental nos preços dos produtos, com o fito de evitar que o Estado ou a sociedade arcassem com os custos das externalidades negativas, e com isso induzir a utilização racional dos recursos naturais27. Deste modo, se motivaria o usuário irresponsável e perdulário a adotar uma postura ambientalmente correta e quiçá até reduzir não só o seu consumo, como até diminuir o nível de poluentes (urina, fezes, agrotóxicos e produtos químicos) na devolução dos recursos hídricos ao meio ambiente.

Com o objetivo de esclarecer o conceito de poluição, resolvemos trazer a seguinte classificação:

B) Poluição industrial: resíduos líquidos gerados nos processos industriais de modo geral. As principais indústrias poluidoras são a de papel e celulose, refinarias de petróleo, usinas de açúcar e álcool, siderúrgicas e metalúrgicas, químicas e farmacêuticas, abatedouros e frigoríficos, têxteis e curtumes;

C) Poluição urbana: causada pelos habitantes de uma cidade (esgotos domésticos, lançados direta ou indiretamente nos corpos d´água). Dispõe de tecnologia e controle;

27 No mesmo sentido, o princípio 16 da Eco 92 admite o uso de instrumento econômicos desde que não haja

reflexo no comércio exterior, se não vejamos: “As autoridades nacionais devem procurar promover a internacionalização dos custos ambientais e o uso de instrumentos econômicos, tendo em vista a abordagem segundo a qual o poluidor deve em princípio, arcar com o custo da poluição, com a devida atenção ao interesse público e sem provocar distorções no comércio e nos investimentos internacionais.”

D) Poluição agropastoril: causadas por atividades ligadas à agricultura e a pecuária através de defensivos agrícolas, fertilizantes, excremento de animais e erosão. De difícil controle e esquema de conscientização elevado;

E) Poluição acidental: decorrente de derramamentos de materiais prejudiciais à qualidade das águas. Pode ocorrer tanto na fase de produção como nas operações de transportes. As ações de controle são de emergência (PEREIRA, 1996: 171).

Outrossim, o princípio do poluidor pagador derivaria do princípio da prevenção, vez que ao internalizar nos preços dos produtos os custos das externalidades, por meio da cobrança de preços públicos pelo uso de bens ambientais, não só ajuda a preservação dos recursos naturais, como também gera os recursos financeiros necessários para o combate à degradação ambiental, tal qual ocorre com a cobrança pelo uso de recursos hídricos daqueles que obtém dos mesmos, proveito econômico (BIRNIFELD, 2003).

Contudo, esta visão é deveras estreita, pois limitaria o princípio do poluidor pagador apenas ao seu caráter preventivo, o que levaria a uma inversão do princípio da responsabilidade. Sendo assim, mister se faz alargar o nosso enfoque para podermos nos valer deste mesmo princípio para reparar danos causados ao meio ambiente, sem onerar a coletividade ou o Estado, no sentido de direcioná-lo para quem efetivamente obteve vantagem econômica com o uso dos recursos ambientais e, também coibir o uso pródigo dos mesmos ao atribuir, um preço compatível com os custos das externalidades negativas, ou como melhor explica Bessa Antunes (1999):

Os recursos ambientais como água, ar, em função da natureza pública, sempre que forem prejudicados ou poluídos, implicam um custo público para sua recuperação e limpeza. Este custo público, como se sabe, é suportado por toda sociedade. Economicamente, este custo representa um subsídio ao poluidor. O PPP busca, exatamente, eliminar ou reduzir tal subsídio a valores insignificantes. O PPP, de origem econômica, transformou-se em um dos princípios jurídicos ambientais mais importantes para a proteção ambiental.

Uma análise sistemática da CF/88 nos leva a perceber que o princípio do poluidor pagador obriga o poluidor a pagar os custos da degradação ambiental ocorrida anteriormente ou posteriormente e que se não for corrigida levará a legitimação de uma injustiça. Nesse sentido, a manutenção do uso gratuito dos recursos hídricos representa a possibilidade de enriquecimento ilícito do grande usuário; já que os custos decorrentes da degradação ambiental seriam repartidos de forma paritária com aquela parcela da sociedade que o utiliza ou o faz em pequena escala; ou seja, haveria a invasão da propriedade pessoal daqueles que não poluem e até, em certos casos, o esbulho da mesma (MACHADO, 2008:.63).

Não se pode legitimar o uso gratuito dos recursos hídricos (POMPEU, 1999: 271), enquanto for a sociedade quem arque com os custos da internalização das externalidades geradas pelos responsáveis pelo dano ambiental que, ao contrário, lucrariam, caso não fossem

a eles cobrado um preço pela utilização da água. Por esta razão, é que caberia ao poluidor pagador arcar com a responsabilidade pelos danos causados às bacias hidrográficas, conforme explica o texto abaixo:

O uso gratuito dos recursos naturais tem representado um enriquecimento ilegítimo do usuário, pois a comunidade que não usa do recurso ou que o utiliza em menor escala fica onerada. O poluidor que usa gratuitamente o meio ambiente para nele lançar os poluentes invade a propriedade pessoal de todos os outros que não poluem, confiscando o direito de propriedade alheia (FONTENELLE, 2003-2004: 274).

No mesmo sentido, gostaríamos de anexar a doutrina abaixo:

O princípio do poluidor-pagador visa, sinteticamente, à internalização dos custos externos de deterioração ambiental. Tal situação resultaria em uma maior prevenção e precaução, em virtude do consequente maior cuidado com situações de potencial poluição. É evidente que a existência de recursos naturais gratuitos, a custo zero, leva inexoravelmente à degradação ambiental (LEITE, 2007: 181).

Ademais, além de ser a cobrança pelo dos recursos hídricos um instrumento econômico destinado à realização de uma justiça socioambiental; ela também se consubstancia na implementação das políticas públicas de proteção ambiental, previstas na Lei de Política Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981). Nesse caso, se busca internalizar na consciência dos consumidores que os recursos hídricos possuem um valor econômico, vez que se trata de um bem escasso, conforme demonstra o texto abaixo:

As Políticas Nacional e Estaduais de Recursos Hídricos no Brasil têm enfatizado as contribuições da cobrança para a racionalização econômica e a viabilização financeira de investimentos. O objetivo financeiro será aparentemente aquele que orientará a quantificação dos valores a serem cobrados. Eles serão determinados em função dos planos de bacia hidrográfica e dos investimentos neles previstos. Serão uma espécie de rateio de custo entre os usuários de água e dos beneficiários das melhorias a serem geradas na bacia pelas intervenções. O efeito de racionalização econômica sempre estará presente, já que a cobrança, especialmente quando seus valores são suficientemente indutores, determina uma reação dos usuários no sentido de economizar o recurso. Ao contrário dos tributos, a cobrança está sendo estabelecida para se assemelhar mais a uma taxa condominial. A Política Nacional de Recursos Hídricos determina que ela será estabelecida por bacia, através da deliberação de Comitês de Gerenciamento especialmente formados com a participação de usuários de água, entidades públicas, privadas e organizações da sociedade (CABRAL, 2003).

A cobrança pelo uso dos recursos hídricos não configura uma novidade trazida pela Lei 9.433/97, haja vista que o Código de Águas de 1934 em seus artigos 36, 109, 110 e 11 já dispunha sobre esse assunto bem como sobre o que hoje chamamos de princípio do poluidor pagador, senão vejamos:

É digno de nota que o Código de Águas, já em 1934 declarou, em seus artigos 109 e 110, que a ninguém é lícito conspurcar ou contaminar as águas que consome, em prejuízo de terceiros, sendo os trabalhos para a salubridade das águas executados às custas dos infratores, os quais além da responsabilidade criminal, se houver,

respondem pelas perdas e danos que causarem, e pelas multas previstas que lhe forem impostas nos regulamentos administrativos. O Código de Águas já previa a responsabilidade civil, administrativa e criminal pelo dano ambiental, no tocante a água, o que foi incorporado à lei nº 6.938/81 e à Constituição Federal, em seu artigo 225, § 3º (GRANZIERA, 2003: 211).

Tanto isso é verdade que já havia, também, previsão no Código Civil de 1916, artigo 68, quanto à possibilidade de cobrança pela utilização de recursos hídricos, quando o mesmo estabelecia que o uso comum poderia ser gratuito ou retribuído, conforme Leis da União, dos Estados, ou municípios, a cuja administração pertencem. Ressalte-se que o artigo 103 do novo Código Civil se manteve nessa mesma linha, ou seja, de que é possível ao Estado cobrar um preço público pela cessão de uso dos recursos hídricos como objetivo de combater a degradação ambiental, vide texto abaixo:

O direito não pode ficar inerte ante a triste realidade da devastação ecológica, pois o homem está, com suas conquistas científicas ou tecnológicas, destruindo os bens da natureza, que existem para o seu bem-estar, alegria e saúde; contaminando rios, lagos, com despejos industriais [...] (MUSSETTI, 2001: 86-87).

Além disso, como o dano ao meio ambiente provoca graves lesões às pessoas, é urgente a sua reparação, por envolver não só abuso no exercício de um direito (Código Civil, artigo 160, I), mas também uma exposição a riscos muito perigosos e de consequências nem sempre previsíveis. Daí, a necessidade de criar mecanismos incentivadores do uso racional, a exemplo das tecnologias limpas que propiciem uma redução do consumo dos recursos hídricos; como também de assegurar efetiva destinação dos recursos arrecadados na cobrança pela utilização dos mesmos (POMPEU, 1999: 272).

Note-se que está garantida, pela Constituição Federal de 1988, a compensação financeira aos Estados, Distrito Federal, Municípios e demais órgãos da administração direta pela exploração de recursos hídricos em seus territórios, quando os mesmos são utilizados na geração de energia elétrica. Entretanto, não houve idêntico tratamento para a hipótese de danos causados ao meio ambiente, a exemplo dos custos com a despoluição e preservação dos rios, em face da omissão equivocada do poder público na implantação da cobrança, onerou a comunidade como um todo (GRANZIERA, 2003: 57-58).

Tal fato contraria o eixo central desse princípio, ou seja, de que não devem pagar aqueles que não contribuíram para deteriorização do meio ambiente; ou que não alcançaram vantagens econômicas pela utilização dos recursos naturais e/ou degradação ambiental. Além disso, não cabe à coletividade arcar com o ônus das medidas indispensáveis para garantir o cumprimento das normas ambientais ou para prevenir eventuais danos ao ecossistema; daí ser necessária adotar a ideia de uma responsabilidade objetiva, vide texto abaixo:

O elemento diferencial do PPP em relação à responsabilidade tradicional é que busca afastar o ônus do custo econômico das costas da coletividade e dirigi-lo diretamente ao utilizador dos recursos ambientais, mesmo que inexista dano plenamente caracterizado (ANTUNES, 2008: 49).

Em tese, o uso de recursos ambientais abarcaria a possibilidade de aplicação de mecanismos de tributação ecológica, que fossem baseados no chamado princípio do poluidor pagador (polutter pays principle), haja vista que se todos têm direito a um ambiente limpo, deve o poluidor pagar pelo dano que provocou (CARNEIRO, 2003: 81). Porém, não se trata de uma tarefa fácil em face da dificuldade de conciliar desenvolvimento econômico com preservação ambiental, conforme explica o texto abaixo:

Não há desenvolvimento econômico sustentável sem atividade industrial, principalmente em países como o Brasil, onde um grande número de pessoas não tem atendidas suas necessidades básicas, como alimentação, vestimenta, habitação e emprego. A água é vital como instrumento para a industria, que em geral responde por cerca de 20% da demanda total de um país. Sua escassez tem um impacto importante sobre o desenvolvimento social, exigindo dos governos uma gestão adequada dos recursos hídricos, incluindo a eliminação de padrões de consumo insustentáveis (NEFUSSI, 2000: 12).

Sendo assim, o princípio do poluidor pagador funciona como elemento catalizador do Direito Tributário Ambiental, pois para ele converge todo sistema de proteção ao Meio Ambiente, verdadeiro divisor de águas entre tributos essencialmente ambientais (impostos diretos) e aparentemente ambientais (impostos indiretos). Entretanto, cabe ressaltar que é muito difícil operacionalizar em sede do Direito Tributário o princípio acima citado, em virtude da dificuldade de endereçar o pagamento de parte significativa de tributos a quem polui e na medida em que polui, até porque o nosso sistema fiscal está centrado no princípio da capacidade contributiva, fato este que exigiria a sua reforma imediata, sob pena de inviabilizarmos a tributação ambiental (NABAIS, 2004: 654-670).

Talvez por isso, é que o princípio do poluidor pagador deva ser observado em momentos distintos no que tange à preservação ambiental: antes da existência do dano, ocasião em que adota uma função preventiva, atuando de forma a desencorajar aqueles que na busca frenética pelo lucro ponham em risco a natureza; e, ao assumir um caráter reparador, ao obrigar o poluidor a restabelecer o status quo ante, vide doutrina abaixo transcrita:

O custo a ser imputado ao poluidor não está exclusivamente vinculado à imediata reparação do dano. O verdadeiro custo está numa atuação preventiva, consistente no preenchimento da norma de proteção ambiental. O causador pode ser obrigado pelo Estado a mudar seu comportamento ou a adotar medidas de diminuição da atividade danosa. Dentro do objetivo estatal de melhora do ambiente deve, então, participar ativamente o particular. De fato, o que se estaria praticando seria a Não poluição (DERANI, 2008: 142).

No entanto, sabemos que, em se tratando de recursos hídricos, é quase impossível a reversão total dos danos causados às bacias hidrográficas. Na verdade, o que se busca é amenizar as perdas ocasionadas por intermédio de obras de revitalização dos rios, as quais necessitam ser financiadas por meio de uma política de precificação, como a que foi estabelecida pela Lei 9.433/97; pois somente ela é capaz de garantir uma gestão descentralizada e a alocação efetiva dos recursos arrecadados. Entretanto, o fato de pagar um preço público pelo uso de recursos hídricos não libera o poluidor de reparar o dano ambiental, quando o mesmo extrapolar o os custos da sua contribuição, posto que caberá, também, a sua responsabilização civil (MACHADO, 2008: 65).