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1 MARCO TEÓRICO

1.6 AS PARTICULARIDADES DO ESTADO BRASILEIRO

Na década de 90, defendia-se calorosamente no Brasil a redefinição dos marcos estatais com vistas à estruturação de uma administração gerencial, tendo em vista a orientação veiculada por intermédio do Consenso de Washington em esclarecedor o artigo sobre as agências reguladoras:

A ideia de Estado regulador, difundida pelo mundo a partir da década de 1980 com o Consenso de Washington e os governos Thatcher e Reagan, ganha força no Brasil, nos anos 1990, em conjunto com a ideia de privatização (desestatização da economia). O Estado brasileiro, até então atuava diretamente na produção de bens e na prestação de serviços (Estado empresário). [...] O modelo de ‘Reforma do Estado’ adotado pelo Brasil começa a tomar forma com a Lei n. 8.031- 90 que institui o Programa Nacional de Desestatização, depois substituída pela Lei n. 9.941-97 já no governo de Fernando Henrique Cardoso (MISSE, 2006: 277-290).

Os estudos que precederam a Reforma Administrativa apontaram a necessidade de um Estado gerencial, sucessor de um Estado burocrático, com vistas a superar os resquícios insistentes de um modelo patrimonialista, o qual é definido como “capturado pelos interesses de classe”, como se o público perdesse seu lugar para o privado: “O Estado burocrático- industrial e o Estado gerencial são Estados de transição de uma política de elites para uma democracia moderna” (BRESSER PEREIRA, 2001: 222-259).

Nos dias atuais, entretanto, dada a irrupção de nova onda de crise, dessa vez escancarando a inadequação dos moldes liberais para orientar o caminhar da sociedade, o autor antecitado, ressalta a importância de um Estado forte:

Creio que existem boas razões para acreditarmos no desenvolvimento econômico e político dos povos. É absurda, porém, a ideologia que pretende alcançar o bem-estar econômico capitalista sem se beneficiar do desenvolvimento político democrático - sem contar com a ação corretiva e regulatória do Estado democrático e social que tão arduamente a sociedade moderna vem construindo e do qual faz parte um mercado livre mas regulado. Não teremos saudades do neoliberalismo (BRESSER PEREIRA, 2008, Caderno Dinheiro, versão on line).

É interessante notar que o pêndulo está realmente voltando para uma posição de maior intervencionismo estatal sobre a economia e os demais domínios da vida social. Argumentos à direita buscam segurança e poder de polícia para maior garantia dos contratos; e argumentos à esquerda denunciam as limitações do livre mercado em prover não só a sua autorregulação, mas também bem estar.

É interessante perceber o retorno de discussões em torno do estruturalismo econômico (por ex.: keynesianismo, neoinstitucionalismo) produzidos a partir da década de 1970. Dois exemplos dessa orientação são: a atuação do Banco do Brasil na aquisição de nichos do mercado bancário para seguir concorrendo entre os maiores bancos privados do país e a instituição de um Fundo Soberano de investimentos via endividamento público. O tamanho do Estado é um tema inglório, porque diz respeito às construções historicosociais de cada povo e as suas bases não são propriamente universalizáveis.

Pois bem, a Constituição Federal de 1988, irrompendo contra nossa tradição despótica, ao consagrar em seu texto o Estado Democrático de Direito, normatizou o advento de um novo paradigma, potencialmente hábil a orientar a visão de mundo da sociedade brasileira e a solucionar os problemas até então vivenciados.

Todavia, a tradição autoritária mostrou-se demasiado arraigada naqueles detentores do Poder Político e também na própria sociedade civil, a qual não conseguiu acostumar-se com um marco de cidadania, seja pela acomodação herdada historicamente, seja pela falta de subsídios básicos que lhe foram e continuam negados, dentre os quais o acesso à educação e à cultura.

A Democracia no Brasil é, antes de tudo, um regime político a ser procedimentalmente institucionalizado, sendo necessário, para tanto, os esforços de toda a esfera pública, a qual passa a ser defendida como o espaço da discussão em que serão forjadas as decisões. Nesse sentido, incumbe ao poder público estatal, em face de uma tradição, ao mesmo tempo, liberal, social e despótica, concretizar juntamente com o texto constitucional, as condições básicas para que os indivíduos do Estado liberal e os clientes do Estado social transmutem-se em cidadãos, conferindo-lhes, inicialmente, os instrumentos necessários a viabilizar sua agremiação e participação no governo.

Há que se ressaltar, mais uma vez, o papel da sociedade civil, pois a cobrança isolada de atitudes positivas do governo resta sobremaneira inócua se não for acompanhada de uma tomada de posição da sociedade no sentido de implementar a democracia. Os cidadãos precisam reconhecer-se como tais, independentemente das necessárias políticas públicas, e

para tanto, urge que seja assumida uma postura solidária. Um cidadão deve reconhecer o outro como sujeito capaz de fala e ação de modo a compartilharem as experiências de vida acumuladas em graus e áreas díspares.

Ademais, está na pauta do dia a urgência de se redefinir qual modelo de Estado é mais adequado para gerir a sociedade brasileira, o que não pode, mais uma vez, vir em atenção aos detentores do poder, mas sim à toda a sociedade:

Destaca-se que, no cenário de mudança de paradigma, o Estado forte torna-se plenamente compatível com o vigor do mercado, colocando em desuso a máxima do pensamento neoliberal de que menos Estado representaria mais mercado e vice- versa. No caso dos EUA, por exemplo, o déficit fiscal esperado para 2009 pode alcançar 8% do PIB, somente comparável à experiência da década de 1940. Resta saber, contudo, se a atual mudança de paradigma, que aponta para o redescobrimento do Estado, atende prioritariamente às exigências de ricos e poderosos interessados na socialização dos prejuízos impostos pela crise. Ou se, por outro lado, inaugura, de fato, um novo padrão civilizatório, em que a reorganização do Estado em novas bases permitirá um balanço mais saudável com a sociedade e o mercado (POCHMANN, 2009, Tendências/Debates, versão on line).

Não há dúvidas de que a Lei 9.433/97 estabelece um modelo de Estado Gerencial para operar os instrumentos econômicos nela previstos, como por exemplo, a previsão de uma agência de águas como braço executivo do comitê gestor da bacia hidrográfica, que por sua vez funciona como verdadeiro parlamento das águas, posto que tem uma composição tripartite. Contudo, não podemos nos furtar a observar que este paradigma está começando a ser questionado, a partir da crise do subprime e, também, da própria degradação do meio ambiente decorrente dos excessos de produção e do desperdício dos recursos naturais; o que faz com que possamos imaginar um início de um Green New Deal.

2 A LEI N. 9.433 DE 1997 ESTABELECE DIRETRIZES DE DIREITO ECONÔMICO