• Nenhum resultado encontrado

A organização do sistema judicial de Portugal

5.3 A experiência Portuguesa

5.3.1 A organização do sistema judicial de Portugal

Segundo Moraes100, a Constituição de Portugal adota o sistema de jurisdição una, onde cabe ao Poder Judiciário dar solução a demandas que envolvam atos administrativos. No entanto, ainda segundo a referida autora, o sistema convive com

Leituras Complementares de Processo Civil, 8. ed. rev. e ampl, Ed. Juspodivm, 2010, p. 299.

99PORTUGAL. Lei nº 15/2002, publicada no Diário da República– I – Série A, de 19 de fevereiro de

2002. Acesso em: 01 de junho de 2014.

100Segundo Vânila Cardoso André de Moraes, “O modelo português é judicialista, isto é, atribui

competência para julgar os litígios administrativos a tribunais integrados numa ordem jurisdicional única que coexiste com tribunais especializados para apreciar o denominado contencioso administrativo (jurisdição autônoma dos tribunais administrativos fiscais)”. MORAES, Vânila Cardoso André de. Demandas repetitivas decorrentes de ações ou omissões da administração pública: hipóteses de solução e a necessidade de um direito processual público fundamento da Constituição, CJF, 2012. p. 119.

tribunais especializados, dentre os quais se destacam os tribunais que possuem competência para tratar das questões administrativas.

Segundo o artigo 212, 3, da Constituição Portuguesa101, compete aos tribunais administrativos e fiscais o julgamento das ações e recursos contenciosos que tenham por objeto dirimir os litígios emergentes das relações jurídicas administrativas e fiscais.

Para Moraes,

O contencioso administrativo é um conjunto completo e único de normas jurídico-processuais – regras e princípios – disciplinadoras do andamento dos processos nos tribunais administrativos, colocados à disposição dos particulares e das pessoas jurídicas de direito público para, judicialmente, fazerem valer ou realizarem seus direitos, reguladoras do processo decisório nessa jurisdição102.

No que se refere à configuração do sistema Português, diferentemente da opinião de Moraes, Cunha103 defende a tese de que o regime adotado no sistema Português é o da dualidade de jurisdição. Para o autor, as demandas que envolvem o poder público não podem ser submetidas aos órgãos do Poder Judiciário, estando submetidas apenas ao controle dos tribunais administrativos, que não integram aquele Poder.

A reflexão sobre as disposições constitucionais e legais a respeito do tema nos leva a crer que assiste razão a Cunha, quando defende a tese da jurisdição dualista no ordenamento jurídico português. É que a análise dos artigos 209 e seguintes da Constituição de Portugal revela claramente uma diversidade de tratamento entre os “Tribunais Judiciais", e os demais Tribunais, incluindo o Militar, o de Contas, e os próprios Tribunais Administrativos e Fiscais.

101 PORTUGAL. Constituição da República Portuguesa. publicada em 02 de abril de 1976.

Disponível em http://www.parlamento.pt/Legislacao/Paginas/ConstituicaoRepublicaPortuguesa.aspx. Acessado em: 2 jun. 2014.

102MORAES, Vânila Cardoso André de. Demandas repetitivas decorrentes de ações ou omissões

da administração pública: hipóteses de solução e a necessidade de um direito processual público fundamento da Constituição, CJF, 2012, p. 119.

103Segundo Leonardo José Carneiro Cunha, “no direito português, há dualidade de jurisdição, de

maneira que as demandas intentadas em face do Poder Público não são submetidas aos órgãos do Poder Judiciário, sendo processadas e julgadas no âmbito do chamado Contencioso Administrativo”. CUNHA, Leonardo José Carneiro. O regime processual das causas repetitivas, Leituras Complementares de Processo Civil, 8. ed. rev. e ampl, Ed. Juspodivm, 2010, p. 301.

Por seu turno, a Lei que instituiu o estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais atribui, no artigo 39, por exemplo, competência para regulamentar a sua composição ao Ministério da Justiça, órgão integrante do Poder Executivo daquele país. Sendo assim, não se pode considerar, como Moraes, que o sistema de jurisdição de Portugal seja uno, pois a submissão dos tribunais aos órgãos do Poder Executivo não se coadunaria com o princípio da separação dos poderes, também adotado pelo artigo 2º da Constituição Portuguesa.

Do que foi dito até o momento, é possível identificar semelhanças e diferenças entre os sistemas jurídicos adotados no Brasil, em Portugal e na Alemanha.

A grande diferença entre os sistemas é que o ordenamento jurídico brasileiro optou pela instalação de um sistema jurisdicional único, em que todo conflito de interesses será resolvido no âmbito do Poder Judiciário, esteja o Poder Público em um dos polos da ação ou não.

Por seu turno, os sistemas português e alemão optaram pela adoção de um sistema jurisdicional dualista, onde os conflitos que envolvem os atos do poder público serão submetidos aos tribunais administrativos, e não aos tribunais integrantes do Poder Judiciário.

No entanto, muito embora o Brasil não adote um sistema jurisdicional dualista, terminou por especializar um ramo dos órgãos integrantes do sistema do Poder Judiciário para tratar especificamente das controvérsias que envolvem a União, suas autarquias e fundações e empresas públicas federais, bem como prevê a existência de varas especializadas de Fazenda Pública no âmbito dos Tribunais de Justiça dos Estados da Federação.

Isso não caracteriza, obviamente, uma jurisdição dualista, haja vista que tais ramos da justiça encontram-se integrados no sistema do Poder Judiciário, mas demonstra uma preocupação com as peculiaridades que envolvem a solução de controvérsias quando o poder público é uma das partes do processo.

Dando sequência ao estudo do sistema português, cumpre-nos, com base na Lei nº 13, de 19 de fevereiro de 2002, apresentar a forma de organização do sistema de justiça administrativa de Portugal.

Segundo o artigo 8º da referida Lei, que aprovou o Estatuto dos Tribunais Administrativos, são órgãos da jurisdição administrativa e fiscal: o Supremo Tribunal Administrativo (STA), que segundo o artigo 11º, 1, é o órgão de cúpula da justiça administrativa e fiscal, com sede em Lisboa e jurisdição em todo o território nacional; o Tribunal Central Administrativo (TCA), previsto no artigo 31º; e os Tribunais Administrativos de Círculo (TACs), previstos no artigo 39º.

Além disso, a própria Constituição Portuguesa, no seu artigo 212, 1, prevê o Supremo Tribunal Administrativo como órgão de cúpula da Justiça Administrativa e Fiscal, ficando apenas submetido ao Tribunal Constitucional Português, que, conforme os artigos 223, 280 e 281 da Constituição Portuguesa, tem a palavra final em matéria de constitucionalidade dos atos normativos, seja no controle de constitucionalidade concreto, seja no abstrato.