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Limites objetivos e subjetivos da eficácia vinculante dos precedentes

6.3 Os precedentes vinculantes no direito brasileiro

6.3.2 As decisões proferidas no controle abstrato de constitucionalidade

6.3.2.3 O SISTEMA DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO

6.3.2.3.1 Limites objetivos e subjetivos da eficácia vinculante dos precedentes

Quando se tratou a respeito dos limites objetivos da eficácia vinculante das súmulas vinculantes do Supremo Tribunal Federal, foi estabelecido um paralelo com a eficácia vinculante que surge dos pronunciamentos da Corte em matéria constitucional no controle abstrato de normas.

Naquela oportunidade, rememorando conceitos como ratio decidendi e obiter dictum, asseverou-se que na seara das ações de controle abstrato de constitucionalidade, a vinculação se dá pelo dispositivo da decisão, o que implica excluir dos efeitos vinculantes os fundamentos determinantes das decisões.

Não obstante, não é tarefa difícil encontrar na doutrina autores que defendam a extensão dos efeitos vinculantes das ações de controle abstrato de constitucionalidade aos fundamentos determinantes das decisões.

242Viola a cláusula de reserva de plenário (CF, artigo 97) a decisão de órgão fracionário de Tribunal

que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte.

Já havíamos feito referência aos posicionamentos de Gilmar Ferreira Mendes e Luiz Guilherme Marinoni, que defendem a tese de que os fundamentos determinantes das decisões proferidas no âmbito do controle de constitucionalidade devem ser dotados de eficácia vinculante. Souza afirma que

Não há razão, por exemplo, para que, declarada inconstitucional determinada lei estadual, lei idêntica de outro Estado da Federação continue a ser aplicada. O fundamento da decisão da ação direta vale para ambas e deve, assim, ter feito vinculante243.

Na esfera jurisprudencial, o Supremo Tribunal Federal tem oscilado a respeito do tema, podendo-se afirmar, com relativa segurança, no entanto, que o posicionamento majoritário atual do tribunal tende a rechaçar a denominada transcendência dos motivos determinantes das decisões proferidas em controle abstrato244.

Portanto, inadmitida a teoria da transcendência, fecha-se a porta para o ajuizamento de reclamação constitucional contra atos do poder público ou do Poder Judiciário que apliquem atos normativos similares a outros já declarados inconstitucionais pela Corte Suprema.

A polêmica em torno da questão não é exclusivamente nacional, encontrando repercussão em ordenamentos jurídicos estrangeiros, em especial na Alemanha e em Portugal.

No sistema alemão, a discussão parece ter chegado ao fim com o pronunciamento do Tribunal Constitucional, que, ao interpretar o § 31, I, da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, concluiu no sentido de que o efeito vinculante atinge, não apenas o dispositivo das decisões, mas também os seus fundamentos determinantes, o que gera como consequência a obrigatoriedade da sua adoção nos julgamentos futuros245.

243

SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante. Juruá, 2008, p. 223.

244No voto da Reclamação nº 11479 AgR/CE, a Relatora, Ministra Carmen Lúcia, ao rejeitar

aplicabilidade a teoria da transcendência dos motivos determinantes, faz referência expressa a uma série de precedentes do Supremo Tribunal Federal que afastaram a sua aplicabilidade, a despeito de haver divergência dentro da própria Corte quanto ao tema.

Sendo assim, as ideias que fundamentaram a declaração de inconstitucionalidade de determinado dispositivo serão aptas a fundamentar, de forma vinculante, a declaração de inconstitucionalidade de outros dispositivos similares, desde que o fundamento para a declaração da inconstitucionalidade seja o mesmo.

Em Portugal, segundo Canas, o entendimento parece ser o mesmo, no sentido de consagrar a eficácia vinculante dos motivos determinantes, muito embora haja posições em sentido contrário, como a de Canotilho246. Para Canas, “(...) os destinatários da decisão de provimento devem atender não apenas ao dispositivo da decisão, mas também aos fundamentos desta (...)247.

Relativamente aos obiter dicta, estão excluídos da eficácia vinculante, mesmo para aqueles que defendem que tais efeitos abrangem os fundamentos determinantes da decisão, haja vista que nem mesmo dos fundamentos eles fazem parte.

No que se refere aos limites subjetivos de eficácia vinculante das decisões proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, parece fora de dúvidas que estão abrangidos os demais órgãos do Poder Judiciário e a Administração Pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal. É o que dispõe o artigo 102, § 2º do texto Constitucional.

A consequência imediata do descumprimento da decisão proferida pelo STF é a possibilidade de ajuizamento de reclamação constitucional, com vistas a preservar a autoridade das decisões proferidas pela Corte Suprema, nos termos do artigo 102, I, alínea “l”, da Carta Magna.

Novamente aqui, a discussão que gera divergências doutrinárias diz respeito à vinculação do Poder Legislativo ao que restou decidido pelo Supremo, bem como a vinculação do próprio Supremo às suas decisões.

246CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina,

2003, p. 1009.

247CANAS, Vitalino. Introdução às decisões de provimento do Tribunal Constitucional, 2ª Ed.,

rev., Lisboa: Associação Acadêmica da Facauldade de Direito de Lisboa, 1994, apud, SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante. Juruá, 2008, p. 219.

Relativamente à vinculação do Poder Legislativo, Canotilho defende que, em Portugal, o legislador está abrangido pela decisão proferida pelo Tribunal Constitucional248. Gilmar Ferreira Mendes249 ao tratar do tema, relata que a doutrina tedesca possui firme orientação no sentido que uma nova lei, ainda que de teor idêntico àquela declarada inconstitucional, poderia ser elaborada. Desse modo, fica o Poder Legislativo autorizado a legislar no mesmo sentido da norma declarada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional.

No Brasil, prevalece a tese no sentido de que o Poder Legislativo não está abrangido pelos efeitos vinculantes das decisões do Supremo, o que autoriza ao legislador a editar novos atos normativos de conteúdo idêntico àqueles que em momento anterior foram declarados inconstitucionais, exigindo-se, assim, a admissão de nova ação direta de inconstitucionalidade contra o novo ato normativo para sua exclusão do ordenamento jurídico.

A despeito disso, Souza250 defende a vinculação do Poder Legislativo ao que restou definido pelo Supremo. Segundo o autor, o fato de o legislador estar vinculado às decisões proferidas pelo judiciário não configura ofensa ao princípio da separação dos poderes. Argumenta que, se o judiciário pode controlar a constitucionalidade dos atos normativos, retirando-os do mundo jurídico, não haveria óbice a impedir, por ato do Poder Judiciário, que o legislador incorresse novamente na mesma inconstitucionalidade.

Por outro lado, prossegue afirmando que a ausência de dispositivo expresso na Constituição Federal quanto à vinculação também não constitui óbice, pois em outros ordenamentos jurídicos, como na Itália, não há expressa determinação, e nem por isso deixou a doutrina de reconhecer a vinculação.

No entanto, ao finalizar seu raciocínio, Souza incorre, data venia, em contradição. Sustenta que sua tese não defende a impossibilidade de o Poder

248

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, 2003, p. 1010.

249MENDES, Gilmar Ferreira. Ação declaratória de constitucionalidade: A inovação da Emenda

Constitucional nº 3, de 1993, em Ação Declaratória de Constitucionalidade, Coord: Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes, São Paulo: Editora Saraiva, 1994.

Legislativo editar a lei de conteúdo idêntico àquela que foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, pois “pensar isso seria estar completamente fora da realidade251”. Para ele, a conclusão de seu raciocínio é que uma vez editada a norma de conteúdo idêntico, ela deve ser desaplicada por juízes, tribunais e pela Administração, e, se for aplicada, caberá o ajuizamento de reclamação constitucional, independentemente do provimento de nova ação direta de inconstitucionalidade.

Ora, se o legislador está autorizado a legislar no mesmo sentido da norma declarada inconstitucional, é porque ele não está vinculado ao pronunciamento do Supremo Tribunal Federal. O fato de a norma ser aplicada posteriormente pelos juízes, ou não, independentemente de nova declaração de inconstitucionalidade relaciona-se mais a questão da transcendência dos motivos determinantes da decisão proferida na ação direta anterior, do que com o caráter vinculante em face do Poder Legislativo.

Relativamente à vinculação em face do próprio Supremo Tribunal Federal, defende Mendes a tese de que

A fórmula adotada inicialmente pela EC n. 3/93, repetida pela Lei n. 9.868/99 e preservada pela EC n. 41/2004, parece excluir também o STF do âmbito de aplicação do efeito vinculante. A expressa referência ao efeito vinculante em relação “aos demais órgãos do Poder Judiciário legitima esse entendimento252”.

Todavia, embora essa autovinculação esteja ausente, isto não autoriza a conclusão de que o Supremo Tribunal Federal está livre para alterar de posicionamentos quando bem entender, sob pena de grave risco de insegurança jurídica. Portanto, segundo Mendes, escorado em doutrina alemã, será possível a reapreciação de decisões que declaram a constitucionalidade de atos normativos, desde que as circunstâncias fáticas demonstrem uma mudança de conteúdo da Constituição ou da norma objeto de controle, uma mudança substancial das relações fáticas ou da concepção jurídica geral sobre o tema. Caso isso não fosse possível, o processo de desenvolvimento do direito constitucional ficaria congelado.

251SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante. Juruá, 2008, p. 228. 252

MENDES, Gilmar Ferreira; MARTINS, Ives Gandra. Controle Concentrado de Constitucionalidade, 3. ed., 2 tiragem, Saraiva, 2009, p. 602.

Em suma, é plenamente viável que uma norma declarada constitucional em determinado momento histórico venha a ser declarada inconstitucional em outro momento, desde que o órgão fiscalizador da constitucionalidade das normas fundamente a alteração de posicionamento em alterações substanciais das circunstâncias fáticas, mutações constitucionais, enfim.

Por outro lado, na hipótese de declaração de inconstitucionalidade, mesmo em ação declaratória de constitucionalidade, devido ao seu caráter erga omnes, a norma estará excluída do ordenamento jurídico, não havendo possibilidade de posterior aplicação do dispositivo, nem mesmo pelo Supremo Tribunal Federal.