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O sistema de precedentes vinculantes no projeto o Novo Código

A emenda substitutiva aglutinativa global nº 6, apresentada pelo Relator do projeto 8.046/2010, Deputado Federal Paulo Teixeira, cria o Capítulo XV, denominado Do Precedente Judicial, que pretende inaugurar uma nova cultura de observância dos precedentes no ordenamento jurídico processual brasileiro.

Antes propriamente de adentrar na análise do sistema de precedentes judiciais criados pelo projeto do NCPC, importante rememorar algo que foi defendido em outro momento. É que os precedentes vinculantes no ordenamento jurídico brasileiro não existem por decorrência lógica dos dispositivos constitucionais que versam sobre as atribuições do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça, cujos deveres são velar pela correta interpretação da Constituição Federal e pela uniformização da interpretação das normas infraconstitucionais, respectivamente. Em outras palavras, os precedentes no Brasil não são vinculantes por natureza.

Tanto é verdade que, conforme adiante se verá, o projeto do NCPC pretende atribuir eficácia vinculante a precedentes formados em outros tribunais, como os Tribunais de Justiça e os Tribunais Regionais Federais. Portanto, reforça-se, aqui, o posicionamento de que a eficácia vinculante dos precedentes no ordenamento jurídico brasileiro apenas se apresenta quando houver expressa previsão constitucional ou legal, já que não é da cultura jurídica brasileira o caráter vinculante dos precedentes.

Além disso, é imprescindível a existência de um instrumento processual apto a controlar a decisão judicial que não se submeteu ao precedente vinculante, que é a

reclamação constitucional. É que o descumprimento de um precedente vinculante configura afronta a autoridade daquela decisão, passível, portanto, de reclamação constitucional. Ausentes os requisitos acima enunciados, não há que se falar em precedentes vinculantes.

Pois bem, o projeto do novo Código de Processo Civil, no artigo 520276, estabelece que os tribunais deverão uniformizar sua jurisprudência, e mantê-la estável, íntegra e coerente, estabelecendo no § 1º a obrigação de que devem ser elaborados enunciados de súmulas correspondentes a sua jurisprudência dominante.

Interessante regra advém do § 2º do mesmo artigo, que dispõe ser vedado ao Tribunal editar enunciado de súmula que não se atenha às circunstâncias fáticas dos precedentes que motivaram a sua criação. A interpretação do dispositivo delineado vai ao encontro do que se defendeu em relação ao conteúdo das súmulas, no sentido de que elas devem representar a ratio decidendi do julgado.

Não são os enunciados de súmulas, assim, enunciados gerais e abstratos, que fazem as vezes de uma lei, nem mesmo uma mera reprodução de dispositivos de determinadas decisões judiciais. Retomando o raciocínio de Taruffo, as súmulas não devem consistir em jurisprudência dominante do tribunal, mas sim em precedente propriamente dito. Sendo assim, a súmula deve representar, de forma fiel, os fundamentos que motivaram os Tribunais a decidirem dessa ou daquela forma.

Prosseguindo no tratamento da questão, o artigo 521, I, estabelece que, com o objetivo de dar efetividade ao disposto no caput do artigo 520, bem como aos princípios da legalidade, segurança jurídica, da duração razoável do processo, da proteção da confiança e da isonomia, os juízes e tribunais devem seguir: as decisões e os precedentes do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; os enunciados de súmulas vinculantes; os acórdãos e os precedentes firmados em incidente de assunção de competência ou de resolução de

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As referências aos números dos artigos estão em conformidade com a Emenda Substitutiva Aglutinativa Global nº 6, apresentada pelo relator do projeto, Deputado Federal Paulo Teixeira.

demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional, do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional e dos tribunais aos quais estiverem vinculados, nesta ordem.

Ademais, determina o projeto que, não sendo a hipótese de aplicação de uma das situações acima delineadas, deverão os juízes e tribunais seguir: os precedentes do plenário do Supremo Tribunal Federal, em controle difuso de constitucionalidade; os precedentes da Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, em matéria infraconstitucional.

Verifica-se, nas previsões acima colacionadas, uma intenção manifesta do legislador no sentido de exigir dos magistrados (juízes, desembargadores e ministros dos tribunais superiores) o efetivo respeito aos precedentes firmados pelos tribunais hierarquicamente superiores. Interessante notar, contudo, que em nenhum momento o legislador menciona o termo eficácia vinculante dos precedentes. Esta não é uma observação meramente técnica, mas sim, fundamental para compreensão do tema.

É que, ao passo em que o projeto estabelece um dever aos juízes e tribunais de seguir os precedentes, não comina uma sanção pela sua não observância. A técnica utilizada para caracterizar este dever, relativamente aos precedentes firmados pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal em controle difuso de constitucionalidade, aos precedentes firmados na Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, e por fim, em relação às súmulas comuns dos Tribunais diverge radicalmente das regras previstas nos incidentes de assunção de competência e de resolução de demandas repetitivas, e dos procedimentos para o julgamento dos recursos extraordinários e especiais repetitivos.

Com efeito, nessas situações, o projeto estabelece ou a eficácia vinculante do precedente de forma expressa, ou, ainda que não se utilize desse termo, a obrigatoriedade expressa da aplicação da tese firmada no incidente de resolução de demandas repetitivas ou no julgamento de recurso extraordinário e recurso especial repetitivo, sob pena de abrir-se a oportunidade para o ajuizamento de reclamação constitucional contra a decisão que descumpriu o acórdão paradigma.

Tal providência não foi autorizada pelo projeto nas hipóteses em que não são seguidos os precedentes firmados pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal em controle difuso de constitucionalidade, os precedentes firmados na Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça ou, por fim, as súmulas comuns dos tribunais.

Ora, sendo coerente com a premissa que elegemos, no sentido de que a eficácia vinculante dos precedentes no ordenamento jurídico brasileiro apenas decorre de expressa previsão legal, e desde que haja a previsão de uma reclamação constitucional, apta a controlar a decisão que supostamente descumpriu o precedente vinculante, não há outra conclusão a se chegar, a não ser a de que, muito embora o capítulo do precedente judicial seja louvável no sentido de estabelecer um dever de uniformização, com o intuito de mantê-la estável, íntegra e coerente, e ainda, de determinar que juízes e tribunais sigam os precedentes das Cortes hierarquicamente superiores, no casos relacionados aos julgamentos proferidos pelo plenário do STF em controle difuso de constitucionalidade, aos precedentes firmados pela Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, e das súmulas comuns dos Tribunais, tais precedentes terão fortíssima eficácia persuasiva, mas não eficácia vinculante.

E é melhor que assim seja. Conforme já tivemos a oportunidade de mencionar, os precedentes no Brasil não são, por natureza, vinculantes. A cultura da observância dos precedentes vinculantes não está enraizada no nosso dia-dia277, diferentemente do que ocorre com o sistema do stare decisis do common law.

Sendo assim, entendemos ser mais consentâneo com a cultura jurídica brasileira, que os precedentes vinculantes apenas surjam de procedimentos especiais, dotados de regras específicas, amplamente divulgados pelas Cortes, com possibilidade de abertura procedimental para a discussão das teses jurídicas com a sociedade e com os interessados no caso, como ocorre nas ações de controle abstrato de constitucionalidade, nos procedimentos para edição de súmulas vinculantes, e, de lege ferenda, nos incidentes de assunção de competência e de

277Não se pode negar, contudo, que a técnica de argumentação utilizada pelos profissionais do direito

na praxe forense esteja bastante ligada ao cotejo entre os casos concretos e os precedentes firmados pelos tribunais, em especial pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal.

demandas repetitivas, e no julgamento dos recursos extraordinário e especial repetitivos.

Em resumo, pode-se concluir, com relativa segurança, que o projeto do novo Código de Processo Civil estabelece que a eficácia vinculante dos precedentes é um instituto processual, decorrente de expressa previsão legal, suscetível de ser mantido através do ajuizamento de reclamação constitucional contra a decisão que dele se afastou.

Nesse sentido, terão eficácia vinculante, no âmbito processual, os precedentes firmados em incidente de assunção de competência, incidente de resolução de demandas repetitivas, e nos procedimentos de julgamento de recurso extraordinário e recurso especial repetitivo.

No âmbito constitucional, reproduz-se a eficácia vinculante dos precedentes firmados no controle abstrato de constitucionalidade e das súmulas vinculantes. Por fim, a nosso sentir, continuarão a ter eficácia persuasiva os precedentes firmados pelo plenário do STF em controle difuso de constitucionalidade, os precedentes firmados pela Corte Especial do STJ, em matéria infraconstitucional, e as súmulas comuns dos tribunais, ainda que o projeto do Código tenha previsto expressamente que os juízes e tribunais devam seguir tais precedentes.

A ausência de previsão legal da reclamação constitucional como instrumento destinado ao controle das decisões judiciais que não seguem os precedentes vinculantes é determinante para essa conclusão.

Prosseguindo no tema, o projeto institucionaliza os procedimentos de overruling, de forma bastante semelhante ao sistema utilizado pelo regime do stare decisis, prevendo que as alterações de entendimentos podem se fundar, entre outras alegações, na revogação ou modificação da norma em que se baseou a tese ou em alteração econômica, política ou social, referente à matéria decidida. Internaliza, ainda, a possibilidade de modulação da eficácia do overruling, autorizando que a nova orientação seja dotada de efeitos prospectivos ou retroativos.

Interessante disposição encontra-se no § 7º do artigo 521, que, novamente adotando as técnicas do regime do stare decisis, determina que os juízes e tribunais seguirão os fundamentos determinantes adotados pela maioria dos membros dos colegiados dos Tribunais. Em outras palavras, pretende o legislador que tão somente a ratio decidendi dos precedentes sirva de paradigma para os demais juízes e tribunais.

Afasta-se, assim, de forma expressa, nos incisos I e II do § 8º do artigo 521, a obrigação de os juízes e tribunais seguirem os obiter dicta, ou seja, os fundamentos prescindíveis para o alcance do resultado fixado em seu dispositivo, ainda que presentes no acórdão, ou aqueles não adotados ou referendados pela maioria dos membros do órgão julgados, ainda que relevantes e contidos no acórdão.

Por fim, prevê o § 9º do mesmo artigo, a possibilidade de aplicação do distinguishing, nas hipóteses em que o órgão jurisdicional distinguirá o caso sob julgamento, demonstrando de forma fundamentada tratar-se de situação particularizada por hipótese fática distinta ou questão jurídica não examinada, a impor solução jurídica diversa.

Como se vê, trata-se de uma reprodução fiel da técnica de aplicação dos precedentes vinculantes adotada pelo regime do stare decisis, já exaustivamente analisada neste trabalho.