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OS MODELOS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO

6.3 Os precedentes vinculantes no direito brasileiro

6.3.2 As decisões proferidas no controle abstrato de constitucionalidade

6.3.2.2 OS MODELOS DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE NO

Segundo Jorge Miranda224, a observação histórica revela três grandes modelos de garantia da constitucionalidade. São eles: a) o modelo de fiscalização política225, de inspiração francesa, dos séculos XVIII e XIX; b) o modelo de fiscalização judicial

223SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante. Juruá, 2008, p. 193. 224

MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição, Forense, 2003, p. 494.

225Segundo Luiz Alberto Gurgel de Faria, o modelo de fiscalização político “Caracteriza-se pela

entrega da fiscalização a órgãos de natureza política, sob a justificativa de que o controle da constitucionalidade das leis tem efeitos eminentemente políticos, não devendo ser confiado aos tribunais”. FARIA, Luiz Alberto Gurgel de. Controle de Constitucionalidade na Omissão Legislativa: instrumentos de proteção judicial e seus efeitos, Juruá, 2001, p. 29.

difuso (judicial review of the legislation) desenvolvido nos Estados Unidos desde 1803 e; c) o modelo de fiscalização jurisdicional concentrada, de origem austríaca.

No modelo de fiscalização política, a atribuição para fiscalização de constitucionalidade dos atos normativos é atribuída a um órgão integrante do Poder Legislativo, que pode ser ele próprio, ou pode ser um órgão especificamente instituído para esse fim.

A seu turno, os modelos jurisdicionais de controle de constitucionalidade atribuem a um (ou mais de um) órgão do Poder Judiciário, ou a um Tribunal Constitucional, a atribuição de realizar a fiscalização de constitucionalidade, pois, nas palavras de Miranda, “o corpo legislativo não é o juiz constitucional e suas próprias atribuições”226.

Nesse sentido, a diferença marcante entre o sistema jurisdicional difuso e o concentrado, espécies que são do gênero controle de constitucionalidade jurisdicional, é que no sistema difuso, entende-se o controle de constitucionalidade como uma atividade ordinária do magistrado, que, no exercício de sua atribuição de interpretar a lei, poderá concluir que determinado dispositivo não é compatível com o texto constitucional, e, por isso, deixar de aplicá-lo, declarando a sua inconstitucionalidade.

A seu turno, o sistema concentrado entende que a fiscalização de constitucionalidade deve ser atribuída a uma jurisdição constitucional autônoma, dada a peculiaridade da atividade aqui desenvolvida. Segundo Canotilho227, a concepção do controle concentrado de constitucionalidade, de inspiração kelseniana, diverge do sistema de controle difuso por enxergar no controle de constitucionalidade uma função constitucional autônoma, que pode-se caracterizar como função de legislação negativa228.

226MIRANDA, Jorge. Teoria do Estado e da Constituição, Forense, 2003, p. 496. 227

CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição, Almedina, 2003, p. 892.

228Registre-se que o conceito de legislador negativo no controle de constitucionalidade vem sendo

mitigado, consagrando-se a possibilidade de atuação do Poder Judiciário no controle de constitucionalidade para garantir a aplicação da Constituição Federal, dando concretude aos direitos fundamentais previstos em seu texto.

Aprofundando as características dos sistemas jurisdicionais, pode-se dizer que o controle de constitucionalidade no direito americano é de natureza difusa, realizado através de um sistema denominado Judicial Review of the constitucionality of the legislation. Isso significa que a atividade de fiscalização de normas em relação ao texto constitucional está disponível a todo e qualquer juiz que se depare com o tema.

Ademais, a fiscalização não acontece em processos objetivos, que visam exclusivamente a discutir sobre a constitucionalidade ou não de determinado ato normativo, mas sim, no bojo de um processo judicial concreto, que discute a questão constitucional de modo incidental.

Nesse sentido, a decisão que reconhece a inconstitucionalidade de determinado ato normativo aplica-se, em tese, apenas àquela situação jurídica analisada nos autos, pois o sistema não confere eficácia erga omnes à decisão. Não há, no sistema americano de controle de constitucionalidade, a anulação do ato normativo, que remanesce, nas palavras de Cappelletti, “on the books”229. No entanto, o fato de o sistema americano adotar a teoria do stare decisis, termina por ampliar a eficácia da decisão que reconheceu a inconstitucionalidade do dispositivo, e tornar o ato normativo um “dead law230”. Assim, segundo Cappelletti,

Mediante o instrumento do stare decisis, aquela mera “não aplicação”, limitada ao caso concreto e não vinculatória para outros juízes e para os outros casos, acaba, ao contrário, por agigantar os próprios efeitos, tornando-se, em síntese, uma verdadeira eliminação, final e definitiva, válida para sempre a para quaisquer outros casos, da lei inconstitucional: acaba, em suma, por tornar-se uma verdadeira anulação da lei, além disso, com efeito em geral, retroativo231.

Essa característica, segundo Souza, é determinante para o sucesso do sistema de controle difuso de constitucionalidade no sistema estadunidense, pois “as decisões no controle difuso são razoavelmente uniformizadas pela aplicação da

229CAPPELETI, Mauro. O Controle Judicial de Constitucionalidade das Leis no Direito

Comparado, 2. ed. Sergio Antonio Fabris Editor, 1992, p. 81.

230

CAPPELETI, Mauro. O Controle Judicial de Constitucionalidade das Leis no Direito Comparado, 2. ed. Sergio Antonio Fabris Editor, 1992, p. 81.

231CAPPELETI, Mauro. O Controle Judicial de Constitucionalidade das Leis no Direito

doutrina do stare decisis232”, enquanto que no Brasil, a ausência do stare decisis é “causa determinante da falta de uniformidade decisória no controle de constitucionalidade233”.

Na avaliação de Cappelletti, a ausência de aplicação do sistema do stare decisis nos sistemas jurídicos de origem romano-germânica, em especial nos países da Europa Continental, é elemento essencial e determinante para a adoção de uma sistemática de controle de constitucionalidade diferente da que foi adotada nos Estados Unidos.

O fato é que a presença do stare decisis no sistema termina por aproximar, na prática, as consequências que advêm do reconhecimento de inconstitucionalidade nos Estados Unidos e nos países que adotam o sistema concentrado de controle de constitucionalidade. Segundo Mendes e Martins, “o reconhecimento do efeito vinculante das decisões por força do stare decisis conferem ao processo natureza fortemente objetiva”234.

Na sua origem, o judicial review nasceu, nos Estados Unidos, pela construção jurisprudencial da Suprema Corte americana, que, ao se deparar com um caso concreto, o célebre caso Marbury vs. Madison235, julgado em 1803, por obra do Chief Justice John Marshall, terminou por desenvolver a tese de que os juízes, ao julgar casos concretos, poderiam rejeitar a aplicação de determinado ato normativo, por sua incompatibilidade com o texto constitucional.

É que o texto constitucional de 1787 não contemplou de forma expressa o dever dos juízes de não aplicar dispositivos normativos incompatíveis com a Constituição. A respeito do tema, a Constituição dos Estados Unidos apenas

232

SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante. Juruá, 2008, p. 208.

233SOUZA, Marcelo Alves Dias de. Do precedente judicial à súmula vinculante. Juruá, 2008, p. 208. 234

MARTINS, Ives Gandra; MENDES, Gilmar Ferreira. Controle Concentrado de Constitucionalidade: Comentários à Lei n. 9.868, de 10-11-1999, 3. ed. 2. tir., Saraiva, 2009, p. 2.

235Segundo Dirley da Cunha Junior, A decisão de Marshall representou a consagração não só da

supremacia da Constituição em face de todas as demais normas jurídicas, como também do poder e dever dos juízes de negar aplicação às leis contrárias à Constituição. Considerou-se que a interpretação das leis era uma atividade especifica dos juízes, e que entre essas figurava a lei constitucional, como a lei suprema, de tal modo que, em caso de conflito entre duas leis a aplicar a um caso concreto, o juiz deve aplicar a lei constitucional e rejeitar, não a aplicando, a lei inferior. CUNHA JUNIOR, Dirley. Controle de Constitucionalidade, Teoria e Prática, 6. ed. Editora Jus Podivm, Salvador, 2012, p. 70.

estabelece, no art. VI, cláusula 2ª, que a Constituição deve ser a lei suprema do país, e que os juízes em todos os Estados devem estar submetidos a ela.

Segundo Cappelletti, o texto da Constituição “fixou, por um lado, aquilo que foi chamado, precisamente, de a Supremacia da Constituição, e impôs, por outro lado, o poder e o dever dos juízes de negar aplicação às leis contrárias à Constituição mesma”236.

Por sua vez, o regime de controle de constitucionalidade austríaco (instituído pela Constituição austríaca de 1º de outubro de 1920), concentrado, traduz concepção diversa do controle inaugurado pelo sistema americano, pois desvincula a atividade de fiscalização da compatibilidade de atos normativos com o texto constitucional de eventuais casos concretos submetidos a julgamento (posições subjetivas). Inaugura-se, assim, uma forma de controle de constitucionalidade abstrata, em tese, onde competirá ao Tribunal competente para o julgamento do feito apenas a análise da compatibilidade vertical entre o dispositivo impugnado e o texto constitucional invocado como paradigma (processos objetivos).

A criação do sistema concentrado de constitucionalidade, de nítida inspiração kelseniana, coincide com a criação de Tribunais Constitucionais, que são órgãos unicamente responsáveis pela realização do controle da constitucionalidade dos atos normativos. Segundo Miranda237, o sistema concentrado de controle deve ser entendido como tertium genus, na medida em que se trata de um tribunal, o que o aproxima do controle judicial difuso, mas que encerra uma ordem de jurisdição diferenciada em relação àquela que é prestada pelos tribunais civis ou criminais,

Obviamente que, com a evolução dos ordenamentos constitucionais mundo afora, variações surgiram, como no Brasil, onde o órgão de cúpula do Poder Judiciário, que é o Supremo Tribunal Federal, acumula as funções de (i) órgão revisor de decisões judiciais dos tribunais inferiores em matéria constitucional; (ii) julgador de ações originárias especificas contra altas autoridades da República; e (iii) fiscalizador da constitucionalidade dos atos normativos do poder público.

236CAPPELETI, Mauro. O Controle Judicial de Constitucionalidade das Leis no Direito

Comparado, 2. ed. Sergio Antonio Fabris Editor, 1992, p. 47.

Vistos, portanto, de forma breve, os antecedentes históricos dos sistemas e controle de constitucionalidade, cumpre-nos refletir sobre o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade, que se abeberou tanto do sistema americano como do sistema austríaco, inaugurando um sistema misto de controle, combinando elementos dos dois sistemas anteriormente apresentados.