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A segurança jurídica é considerada um dos elementos fundantes do Direito. Obviamente que o Direito não pode ser resumido à noção de segurança jurídica, deixando-se de lado valores como a justiça e o progresso social, sob pena de legitimarem-se quaisquer regimes, ainda que autoritários, tão somente pelo fato de

prestigiarem os valores inerentes à segurança jurídica77. No mesmo sentido, Silva, quando afirma que “não é a segurança jurídica o fim último do direito, que tem na justiça o seu valor fundante, pois o fim supremo do direito consiste na realização do valor do justo”78.

A preocupação com a segurança jurídica como valor constitucional foi discutida em ordenamentos constitucionais como o da Espanha, que no art. 9º do Título Preliminar da Constituição Espanhola de 1978, estabeleceu que a Constituição garante, dentre outros valores relevantes para um Estado de Direito, a segurança jurídica, e o de Portugal, que, no artigo 282.4 da Constituição Portuguesa de 1976, estabelece que por razões de segurança jurídica, poderá o Tribunal Constitucional modular os efeitos das decisões proferida em sede de controle abstrato de constitucionalidade. Muito antes disso, na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão da Franca, de 1789, a segurança jurídica já estava consagrada no artigo 2º79.

Entre nós, a segurança jurídica vige com status de princípio constitucional, embora a Constituição Federal de 1988 não a mencione de forma expressa em seu texto80. A doutrina costuma relacionar o princípio da segurança jurídica com o artigo 5º, XXXVI da Constituição Federal, que estabelece a proteção ao ato jurídico perfeito, o direito adquirido e a coisa julgada.

O fato é que, estando ou não expressamente prevista no texto constitucional, a segurança jurídica constitui elemento fundamental para a estabilidade de uma

77NUNES, Jorge Amaury Maia, Segurança Jurídica e Súmula Vinculante. São Paulo: Saraiva, 2010,

p. 83-84

78SILVA, José Afonso da. Constituição e Segurança Jurídica. Constituição e segurança jurídica;

direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada. Estudos em homenagem a José Paulo Sepulveda Pertence. Carmem Lucia Antunes Rocha (Org.). 2. ed. Ver. E ampl., Fórum, 2005, p. 15.

79Artigo 2º- O fim de toda a associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis

do homem. Esses Direitos são a liberdade. a propriedade, a segurança e a resistência à opressão. Disponível em http://www.fd.unl.pt/docentes_docs/ma/mla_MA_19926.pdf. Acessado em: 1 jun. 2014.

80A despeito da inexistência de menção expressa à segurança jurídica no texto constitucional, o

Supremo Tribunal Federal já teve oportunidade de reconhecer que a segurança jurídica está consagrada no texto constitucional, como um subprincípio do Estado de Direito. STF, 2ª Turma QO Pet, (MC) 2.900/RS, rel. Ministro Gilmar Mendes, j. em 27-05-2003, DJ de 1º-08-2003, p. 142.

comunidade, e por isso mesmo, revela-se essencial para a preservação do Estado de Direito81.

Pois bem, a reflexão sobre os benefícios que podem advir para o cidadão em termos de segurança jurídica com a adoção da eficácia vinculante dos precedentes relaciona-se com a ideia de segurança jurídica veiculada por Canotilho. Para o autor português, a segurança jurídica tem dois aspectos, a saber: a) estabilidade ou eficácia ex post da segurança jurídica e previsibilidade ou eficácia ex ante do princípio da segurança jurídica82. No mesmo sentido, Rocha afirma que

Segurança jurídica é o direito da pessoa à estabilidade em suas relações jurídicas. Esse direito articula-se com a sua certeza de que as relações jurídicas não podem ser alteradas numa imprevisibilidade que as deixe instáveis e inseguras quanto ao seu futuro, quanto ao seu presente e até mesmo quanto ao passado83.

De um lado, a estabilidade do direito criado pela jurisprudência dos tribunais é essencial para a manutenção da segurança jurídica. É que a convivência com constantes câmbios de jurisprudência pode ensejar uma descrença do cidadão nos pronunciamentos do Poder Judiciário. É preciso relembrar que uma das funções do Poder Judiciário, na perspectiva do cidadão, é fornecer-lhe condições de avaliar se um determinado comportamento seu será tolerado, ou não, pelo sistema judicial.

Sendo assim, é fundamental que as decisões judiciais gozem de relativa estabilidade, no sentido de durabilidade no tempo, o que não implica em dizer que está vedada, ou dificultada, a alteração da jurisprudência. Conforme já se teve oportunidade de relatar, a sistemática dos precedentes vinculantes, ou do stare decisis, parte do pressuposto de que a jurisprudência é mutável e assim deve ser

81Segundo Jorge Amaury Maia Nunes, “a tendência é admitir a estatura constitucional do princípio da

segurança jurídica, tendo como sedes materiae o princípio do Estado de Direito ou, noutra vertente, uma posição autônoma, apartada. De qualquer sorte, albergado ou não num texto constitucional, o princípio da segurança jurídica continuará ostentando a condição de fundamento, de pedra basilar, do Direito. Não será a inserção constitucional – muito ao revés – que lhe irá alterar a natureza. NUNES, Jorge Amaury Maia. Segurança Jurídica e Súmula Vinculante. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 93.

82CANOTILHO, José Joaquim Gomes, Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Almedina,

2003, p. 264.

83ROCHA, Carmen Lucia Antunes. O princípio da coisa julgada e o vício de inconstitucionalidade.

Constituição e Segurança Jurídica; direito adquirido, ato jurídico perfeito e coisa julgada, Estudos em homenagem a José Paulo Sepúlveda Pertence, Org. Carmem Lúcia Antunes Rocha, 2. ed. Ver. E ampl., Fórum, 2005, p. 168.

mantida, como condição da evolução da interpretação do direito e da própria sociedade.

No entanto, é intolerável que se conviva num sistema em que as decisões judiciais são alteradas a qualquer momento, ficando ao alvedrio das convicções pessoais dos membros que compõem as Cortes Judiciais, como se não tivessem nenhum compromisso com os posicionamentos judiciais proferidos previamente.

Nesse sentido, as técnicas de modulação da eficácia dos precedentes vinculantes, como prospective overruling e o prospective-prospective overruling, repercutem de forma positiva na garantia da segurança jurídica, no aspecto da estabilidade das decisões judiciais.

É que a modulação da eficácia das decisões para o futuro permite que os comportamentos dos cidadãos pautados em entendimentos jurisprudenciais vigentes não serão afetados por alterações repentinas de orientação jurisprudencial, que somente incidirão sobre comportamentos futuros.