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7.5. O incidente de resolução de demandas repetitivas

7.5.3 Do julgamento

No que se refere ao julgamento, o projeto estabelece regra esdrúxula, no sentido de que caberá ao órgão do tribunal que o regimento interno indicar, a competência para julgar o incidente, desde que o órgão indicado possua, dentre suas atribuições, competência para editar enunciados de súmula. Prevê ainda o projeto que, sempre que possível, o órgão competente deverá ser integrado, em sua maioria, por desembargadores que componham órgãos colegiados com competência para o julgamento da matéria discutida no incidente.

O cotejo entre os dispositivos acima colacionados e o texto constitucional revela possível inconstitucionalidade da regra proposta. É que, segundo o artigo 96, I, “a” da Constituição Federal, compete privativamente aos tribunais elaborar seus regimentos internos, com observância das normas de processo e das garantias processuais das partes, dispondo sobre sua competência e funcionamento dos respectivos órgãos jurisdicionais e administrativos.

À primeira vista, parece-nos extrapolar o sentido da expressão “normas de processo”, veiculada no dispositivo constitucional, a tentativa de estabelecer diretrizes a serem seguidas pelos tribunais quanto ao órgão competente para o julgamento do incidente. Andaria melhor o legislador se tivesse deixado a critério exclusivo do regimento interno dos tribunais a competência para definir qual órgão seria o competente para o exercício do referido mister.

Por fim, estabelece o artigo 995 que, julgado o incidente, a tese jurídica será aplicada a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem na área de jurisdição do respectivo tribunal, inclusive àqueles que tramitem nos juizados especiais do respectivo Estado ou região.

Prossegue o § 1º do mesmo artigo determinando que a tese jurídica será aplicada, também, aos casos futuros que versem idêntica questão de direito e que venham a tramitar no território de competência do respectivo tribunal, até que esse mesmo a revise.

Merece aplauso a opção do legislador por determinar que a eficácia vinculante dos precedentes atinja também os juizados especiais. É que as demandas repetitivas aparecem com mais frequência nestes órgãos do Poder Judiciário, notadamente quando se trata de juizados especiais federais, responsáveis, por exemplo, pelo julgamento de demandas relacionadas a servidores públicos federais e benefícios previdenciários, temas naturalmente proliferadores de demandas repetitivas.

Excluir os juízes de tais órgãos da obrigação de submissão aos precedentes vinculantes seria o mesmo que optar por não resolver o problema das demandas repetitivas, já que, conforme dito, elas costumam aparecer com mais frequência nesta seara.

De acordo com os dispositivos acima colacionados, é possível concluir que o legislador pretende, além de estabelecer, com o incidente de resolução de demandas repetitivas, uma técnica racional para o julgamento de processos judiciais que envolvem pretensões isomórficas, dotar os precedentes nele firmados de eficácia vinculante.

E mais, a eficácia vinculante dos precedentes firmados no incidente se aplicará, não apenas aos processos em trâmite na área de jurisdição do respectivo tribunal, como também a todo e qualquer processo que venha a ser instaurado no âmbito daquele tribunal, desde que verse sobre a mesma questão de direito.

Aqui, percebe-se claramente a intenção do legislador de estabelecer a eficácia vinculante dos precedentes firmados nesta seara, de modo que, conforme a tese que defendemos, um dos requisitos para a efetiva configuração da eficácia vinculante dos precedentes está preenchido.

Não obstante, o legislador terminou por não deixar claro os limites objetivos da vinculação, diferentemente do que fez no capítulo do Precedente Judicial. O artigo 995 refere-se apenas à tese jurídica adotada pelo tribunal no julgamento do incidente, não deixando expresso se apenas a ratio decidendi é que vinculará os julgamentos posteriores, ou se eventualmente, a eficácia vinculante extrapolará a ratio.

Entendemos que, de acordo com uma interpretação sistemática do projeto, bem como de acordo com o sistema do stare decisis, que claramente inspira o sistema de precedentes judicial a ser instaurado entre nós, a eficácia vinculante dos julgamentos proferidos no incidente de demandas repetitivas se restringirá, tão somente à ratio decidendi, dos julgados, aplicando-se aqui, de forma analógica, o artigo 521, § 8º, incisos I e II.

É importante ressaltar que os precedentes firmados no âmbito do incidente não consistirão em entendimentos imutáveis, congelados no tempo, insuscetíveis de evolução, pois o § 3º do artigo 995 autoriza que o tribunal, de ofício, e os legitimados mencionados no art. 988, a pedido, suscitem a necessidade de revisão da tese jurídica, possibilitando assim que o tribunal venha a estabelecer um overruling, nos termos do artigo 521, §§ 1º a 6º, já analisados.

Ademais, autoriza ainda o projeto que a decisão proferida no âmbito do incidente seja revisada, por intermédio de recurso especial ou recurso extraordinário, hipótese em que a tese prevalecente no âmbito desses Tribunais será aplicada a todos os processos individuais ou coletivos que versem sobre idêntica questão de direito e que tramitem em todo território nacional.

Indaga-se, então, se haveria uma forma de controlar eventual decisão judicial que se afastasse da orientação firmada no âmbito do incidente. O próprio projeto responde a este questionamento, autorizando que seja ajuizada reclamação constitucional contra decisão judicial que assim proceda, nos termos do artigo 1000, IV, cumulado com o artigo 522, I do projeto.

Sendo assim, é possível afirmar com segurança que os precedentes firmados no âmbito do incidente de resolução de demandas repetitivas terão eficácia vinculante, devendo ser obrigatoriamente seguidos por todos os juízes e Tribunais submetidos hierarquicamente ao Tribunal formador do precedente vinculante.