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5.3 A experiência Portuguesa

5.3.2 O regime de agregação de causas

Esclarecidos os pontos de partida, o Decreto-Lei 108/2006, instituiu o sistema de agregação de causas do direito português. Segundo o preâmbulo do referido ato normativo, pretende-se “criar um regime processual mais simples e flexível, que confia na capacidade e no interesse dos intervenientes forenses em resolver com rapidez, eficiência e justiça os litígios em tribunal”104.

Como já se teve oportunidade de mencionar em momento anterior, o regime processual inaugurado pelo Decreto-Lei é experimental e o próprio preâmbulo assim o declara, ao afirmar que:

Opta-se, num primeiro momento, por circunscrever a aplicação deste regime a um conjunto de tribunais a determinar pela elevada movimentação processual que apresentem, atentos os objetos de acção predominantes e as atividades econômicas dos litigantes. A natureza experimental da

104PORTUGAL, Decreto-Lei nº 108/2006, Preâmbulo do regime processual experimental,

disponível em: http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx? idc=31623&idsc=31626&ida=46613, acessado em: 02 jun. 2014.

reformulação da tramitação processual civil que aqui se prevê permitirá testar e aperfeiçoar os dispositivos de aceleração, simplificação e flexibilização processuais consagrados, antes de alargar o âmbito da sua aplicação.

Ainda segundo o preâmbulo do Decreto-Lei, a inauguração do regime experimental é uma das ações que visam concretizar o Plano de Acção para o Descongestionamento dos Tribunais, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 10/2005, de 30 de maio. A ideia do instituto, portanto, é “assegurar um tratamento especifico, no âmbito dos meios jurisdicionais, aos litigantes de massa, permitindo, designadamente, a prática de decisões judiciais que abranjam vários processos”105.

De acordo com o artigo 6º, 1, do Decreto-Lei, que instituiu o regime de agregação de causas:

Quando forem propostas separadamente no mesmo tribunal acções que, por se verificar os pressupostos de admissibilidade do litisconsórcio, da coligação, da oposição ou da reconvenção, pudessem ser reunidas num único processo, pode ser determinada, a requerimento de qualquer das partes e em alternativa à apensação, a sua associação transitória para a prática conjunta de um ou mais actos processuais, nomeadamente actos da secretaria, audiência preliminar, audiência final, despachos interlocutórios e sentenças.

Segundo Gouveia106, o novel regime teve inspiração no regime de tramitação preferente previsto no artigo 48, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos, que será analisado a seguir, e na figura norte-americana do consolidation, previsto no Rule 42 (a) das Federal Rules of Civil Procedure107.

De acordo com Pinto Junior,

Tal dispositivo vai ao encontro da economia processual e serve de mecanismo hábil a evitar decisões díspares quanto a assuntos correlatos. Além disso, racionalmente, habilita a agregação de inúmeros feitos constantemente motivados por causas comuns, que se multiplicam no dia a

105PORTUGAL. Decreto-Lei nº 108/2006, Preâmbulo do regime processual experimental,

disponível em: http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx? idc=31623&idsc=31626&ida=46613, acessado em 02 jun. 2014.

106GOUVEIA, Mariana França. O Regime Processual Civil Experimental Anotado: Decreto-Lei n.º

108/2008, de 8 de Junho, Ed. Almedina, 2006, p 73.

107Rule 42 (a) Federal Rules of Civil Procedure. “When actions involving a common question of law or

fact pending before the court, it may order a joint hearing or trial of any or all the matters in issue in the actions: it may order all the actions consolidated: and it may make such orders concerning proceedings therein as may tend to avoid unnecessary costs or delay”.

dia forense. Os conflitos de massa passam a contar com uma regra de julgamento e tramite conjuntos108.

Pretende o legislador português criar no âmbito do processo civil um procedimento que vise a dar celeridade e racionalidade ao andamento dos processos judiciais que envolvam demandas similares, ou, no linguajar já adotado pela doutrina brasileira, demandas repetitivas. Pretende-se ainda, evitar a contradição de julgados, que se mostra como um dos fatores que acarretam desprestígio para a justiça.

A iniciativa é ampla, ao possibilitar que atos processuais sejam praticados conjuntamente, evitando assim que os mesmos procedimentos sejam realizados mais de uma vez, exclusivamente porque estão submetidos a processos judiciais diferentes.

Segundo Gouveia,

Agregar processos significa praticar um acto em vários processos, mantendo-se, porém, cada um deles como processo individual, autónomo. É este o sentido de associação transitória: naquele momento estão juntos, mas imediatamente a seguir deixam de estar109.

Como se vê, o nível de adaptabilidade dos procedimentos conferido ao juiz é infinitamente maior do que os procedimentos tradicionais, pois lhe permite gerir efetivamente, e de forma discricionária o processo da forma mais célere e econômica possível. Segundo Gouveia,

O regime processual experimental estatui um dever de gestão processual que impõe ao juiz a adequação das regras processuais ao caso concreto, permitindo-lhe, portanto, alterar essas regras, sem qualquer limite para além dos princípios gerais do processo civil (igualdade, contraditório, direito à prova, etc110.

O escopo da agregação de processos não foge do objetivo visado pelo “Musterverfahren” alemão, que consiste justamente em munir o sistema processual cível de instrumentos mais adequados para a efetiva prestação do serviço

108PÍNTO, Junior Alexandre Moreira. Regime processual experimental português. Revista de

Processo, n. 148, 2007, p. 175.

109GOUVEIA, Mariana França. O Regime Processual Civil Experimental do Decreto-Lei n.º

108/2008, de 8 de Junho, Ed. Almedina, 2006, p. 58.

110GOUVEIA, Mariana França. O Regime Processual Civil Experimental do Decreto-Lei n.º

jurisdicional, a fim de imprimir maior celeridade à tramitação dos feitos, rejeitando a prática de atos processuais inúteis e a repetição de atos processuais.

Seguindo as regras do procedimento, o art. 6º, 2, estabelece que a decisão de agregação e os atos que esta tem por objeto serão praticados na ação que suscitou a instalação do procedimento de agregação.

Importante notar, de acordo com o item 3, que a agregação das ações pode ser instaurada a pedido das partes ou mesmo de ofício pelo juiz da causa, independentemente de oitiva das partes, nos casos em que as ações estejam sob a competência do mesmo juiz.

Justifica-se a não obrigatoriedade de oitiva das partes previamente à decisão de instauração da agregação, por ser decisão procedimental, de gestão processual, discricionária do magistrado. Conclui Gouveia que “Se a agregação é um instrumento de gestão específico da litigância de massa, é contraproducente ouvir essas massas111”. Obviamente que não está vedada a oportunização do contraditório. Apenas não há obrigatoriedade de sua observação.

Para o caso de agregação de processos cuja competência está distribuída entre juízes distintos, de acordo com o item 4, caberá requerimento ao Presidente do Tribunal, que decidirá sobre a instalação do procedimento, sem possibilidade de recurso contra a referida decisão.

Interessante aspecto que advém do dispositivo acima colacionado, diz respeito ao órgão jurisdicional competente para a prática do ato objeto da agregação, haja vista que os processos que serão agregados estão sob competência de juízes distintos. O Decreto-Lei não oferece a resposta para este questionamento, ficando para a doutrina portuguesa a incumbência de dar solução ao problema.

Gouveia entende que a decisão do Presidente do Tribunal deverá determinar a agregação e também eleger um juízo, que será o competente para a prática do ato

111GOUVEIA, Mariana França. O Regime Processual Civil Experimental do Decreto-Lei n.º

objeto da agregação, cabendo ao Presidente do Tribunal, inclusive, estabelecer quais atos serão praticados e qual o conteúdo de tais atos112.

De acordo com o item 5, a decisão que admite a agregação deve indicar quais atos serão praticados de forma conjunta e o respectivo conteúdo, devendo as partes que serão afetadas pelo procedimento serem notificadas da realização das diligências, da publicação do despacho ou da sentença praticados conjuntamente.

Por fim, de acordo com o item 6, a decisão proferida no procedimento de agregação somente pode ser desafiada por recurso quando for proferida a decisão final.

O que se verifica, da análise do regime de agregação, é que a existência de instrumentos processuais que dotam o ordenamento jurídico de institutos destinados ao tratamento de demandas coletivas não está vinculado à previsão de eficácia vinculante dos precedentes, pois, aqui, não há eficácia extraprocessual dos pronunciamentos da Corte, mas sim, prática de atos conjuntos que se aplicam a todos os processos relacionados. Portanto, os institutos de julgamento de demandas repetitivas podem viver sem eficácia vinculante de precedentes.