• Nenhum resultado encontrado

OS LIMITES OBJETIVOS DE EFICÁCIA DAS SÚMULAS

6.3 Os precedentes vinculantes no direito brasileiro

6.3.1 As súmulas vinculantes

6.3.1.4 OS LIMITES OBJETIVOS DE EFICÁCIA DAS SÚMULAS

Quando se fala em limites objetivos, pretende-se discutir o que vincula nas súmulas. A princípio, segundo Marinoni195, não há distinção ontológica entre a súmula tradicional e a súmula vinculante. Portanto, os limites objetivos de eficácia que se aplicam às sumulas tradicionais também se aplicarão às sumulas vinculantes, com a diferença de que, em relação às súmulas vinculantes, a sua observância será obrigatória.

Nesse sentido, para discutir a questão é preciso que se faça uma breve digressão sobre os conceitos de ratio decidendi e obter dictum, temas que já foram enfrentados em momento anterior, quando se discutiu a teoria do stare decisis.

Ademais, é de importância fundamental o enfrentamento da questão relativa às técnicas de elaboração de súmulas vinculantes, na medida em que a redação imprecisa de seu enunciado pode gerar problemas na sua aplicação.

Pois bem, quando se fala em ratio decidendi, refere-se aos fundamentos que foram eleitos pelo julgador como necessários e suficientes para se chegar a uma solução em relação a determinado tema jurídico. Em outras palavras, a ratio decidendi é o fundamento determinante ou o motivo essencial da decisão196.

195 MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios, Revista dos Tribunais, 2010, p. 486. 196MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios, Revista dos Tribunais, 2010, p. 490.

Nesse sentido, é possível diferenciar os fundamentos determinantes de uma decisão e o seu dispositivo. Tome-se como exemplo as ações do controle de constitucionalidade em abstrato. Nelas, submete-se ao Supremo Tribunal Federal uma questão relacionada à constitucionalidade ou não de determinado ato normativo.

Ao se debruçar sobre o tema, caberá ao Tribunal fundamentar a sua decisão com reflexões jurídicas que sustentem a sua decisão final, que será o dispositivo. A parte dispositiva do julgado das ações de controle de constitucionalidade abstrato será simplesmente a declaração da constitucionalidade ou inconstitucionalidade, ou ainda a adoção de técnicas mais modernas de declaração de (in) constitucionalidade, como as declarações sem redução de texto, interpretação conforme a constituição, dentre outras.

No entanto, na fundamentação, o Tribunal poderá registrar opiniões a respeito de temas correlatos, que embora relevantes para as conclusões a que se pretende chegar, não são necessárias, e portanto, não fazem parte da fundamentação. Essas opiniões, ditas a latere, são denominadas obiter dicta.

Sendo assim, na realidade das ações de controle de constitucionalidade abstrato, prevalece na doutrina o entendimento de que a vinculação se dá em relação ao dispositivo197, o que traz como consequência imediata a ausência de efeitos vinculantes em relação aos fundamentos da decisão, ou seja, à sua ratio decidendi. Nada obstante, o tema é polêmico, encontrando vozes, como a de Gilmar Ferreira Mendes198 e de Luiz Guilherme Marinoni199, que defendem a extensão da eficácia vinculante também aos fundamentos determinantes da decisão.

197CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7. ed.

Coimbra, Editora Almedina, 2003, p. 1009.

198MENDES, Gilmar Ferreira. Ação declaratória de constitucionalidade: A inovação da Emenda

Constitucional nº 3, de 1993, em Ação Declaratória de Constitucionalidade, Coord: Ives Gandra da Silva Martins e Gilmar Ferreira Mendes, São Paulo: Editora Saraiva, 1994, p. 84.

199Segundo Luiz Guilherme Marinoni, “não se atribui eficácia vinculante a essas decisões em razão de

se supor que, como ocorre na ação direta, se está tratando do controle objetivo das normas, mas da percepção de que os motivos determinantes das decisões tomadas pelo Supremo Tribunal Federal, em controle concentrado ou em controle difuso, devem ser observados pelos demais órgãos judiciários, sob pena de a função do Supremo Tribunal Federal restar comprometida. MARINONI, Luiz Guilherme. Precedentes obrigatórios, Revista dos Tribunais, 2010. p. 459.

Já em relação às súmulas vinculantes, outra será a conclusão. É que a técnica de elaboração de súmulas vinculantes exige, a nosso juízo, que os seus enunciados retratem exatamente a ratio decidendi200 de seus julgados201. Mancuso, tratando sobre o que se entende por força vinculativa das súmulas do STF e sobre o que constitui o seu objeto, assevera que “Esse efeito vinculativo, a nosso ver, abrange os motivos determinantes, pressupostos no enunciado e subjacentes a este, à semelhança da ratio decidendi dos binding precedentes, na experiência dos países do common law202

Com efeito, as súmulas vinculantes só fazem sentido se retratarem de forma precisa os fundamentos que foram adotados pelo tribunal para formação de seus precedentes. Segundo Dierle Nunes e Bahia, “devemos perceber (o quanto antes), que os enunciados de súmulas somente podem ser interpretados e aplicados levando-se em consideração os julgados que os formaram”203. Não é por outro motivo que o texto constitucional exige reiteradas decisões em matéria constitucional para a edição dos enunciados vinculantes. A ideia é exigir que os fundamentos determinantes dos precedentes que deram ensejo às sumulas vinculantes tenham sido exaustivamente discutidos e amadurecidos, para só então tornarem-se vinculantes.

Nesse sentido, segundo Marinoni, “a súmula vinculante é a inscrição de um enunciado a partir da ratio decidendi de precedentes – ou, excepcionalmente, de precedente – que versaram uma mesma questão constitucional204”. Portanto, nas súmulas vinculantes, não há espaço para a utilização de obiter dictum, ou mesmo

200Segundo Fredie Didier Junior, Paula Sarno Braga e Rafael Oliveira “O enunciado da súmula deve

reproduzir a ratio decidendi que está sendo reiteradamente aplicada. Dá-se forma escrita a uma norma jurídica construída jurisdicionalmente. SOUZA JUNIOR, Fredie Didier, BRAGA, Paula Sarno, OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil, 7. ed. v. 2, Editora Jus Podivum, 2012. p. 401.

201Contra o entendimento exposto, Nunes afirma que “Depois, não parece que se possa, na edição da

súmula, falar de fundamentos da decisão. O enunciado da súmula, isto é, a redação sintética do entendimento já cristalizado do tribunal, não se apoiará em ratio decidendi. A discussão possível sobre a edição da súmula certamente terá pressupostos diversos daqueles que orientaram os casos concretos antes debatidos e que nortearam a sua edição. NUNES, Jorge Amaury Maia. Segurança Jurídica e Súmula Vinculante, Saraiva, 2010. p. 145.

202MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Divergência Jurisprudencial e Súmula Vinculante, 5. ed., Editora

Revista dos Tribunais, 2013. p. 428.

203NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre. Formação e Aplicação do Direito Jurisprudencial: alguns

dilemas. Revista do Tribunal Superior do Trabalho, v. 79, ano 2, 2013. p.120.

para a reprodução pura e simples de dispositivos de acórdãos que julgam constitucionais ou inconstitucionais determinados atos normativos.

Portanto, considerando-se que o conteúdo da súmula vinculante deve ser a ratio decidendi de julgamentos reiterados em matéria constitucional, tem-se um sistema diverso de vinculação em relação ao sistema das ações de controle abstrato de constitucionalidade, pois, aqui, a vinculação atinge apenas o dispositivo, e não os fundamentos determinantes da decisão.

Não é despiciendo recordar-se que a elaboração de súmulas vinculantes deve ser clara e precisa, evitando-se ao máximo a utilização de termos vagos conceitos jurídicos indeterminados, que ensejem nova atividade interpretativa do julgador ou do gestor público no momento de sua aplicação, sob pena dificultar o cumprimento de um de seus objetivos, que é solucionar controvérsias jurídicas atuais que causem insegurança para a comunidade jurídica205.