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O princípio da isonomia do jurisdicionado perante o poder

Não se pode negar que todo Estado Democrático de Direito tem como basilar o princípio da isonomia, o que garante a todos o direito de serem tratados da mesma forma, exigindo do Estado que aja de forma isonômica em relação a todos que com ele tenham relações. Segundo o artigo 5º, caput, da Constituição Federal, “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza...”.

Relativamente à questão das posturas do Estado em face do cidadão, inclui- se a necessidade de que o Poder Judiciário aja de forma isonômica em relação a todos aqueles que pleiteiam em juízo a proteção de algum direito. Afinal, não basta que se garanta a igualdade perante a lei, mas também a igualdade na aplicação da lei84.

84SOTELO, Jose Luiz Vasquez. A jurisprudência vinculante na common law e na civil law, in, Temas

atuais do direito processual ibero-americano. In: XVI JORNADAS IBERO-AMERICANAS DE DIREITO PROCESSUAL, 16, 1998, Compêndio de relatórios e conferências apresentados. Revista Forense, 1998, p. 353.

Marinoni, ao tratar sobre a observância do princípio da isonomia na esfera processual, elenca quatro esferas em que o Poder Judiciário deve concretizar o referido princípio: a) igualdade de tratamento no processo, que exige do juiz e do legislador que ofereçam às partes o mesmo tratamento e a mesma oportunidade de convencimento do magistrado; b) igualdade de acesso ao processo, que consiste na necessidade de disponibilizar a todos os jurisdicionados o acesso ao Poder Judiciário, respeitadas as particularidades dos diversos seguimentos da sociedade, em especial aqueles menos favorecidos economicamente; c) igualdade de procedimentos e de técnicas processuais, que consiste na necessidade da criação de procedimentos simplificados para facilitar o acesso à justiça, em especial, aos pequenos litigantes, que podem veicular suas pretensões, por exemplo, no âmbito dos juizados especiais, e por fim; d) igualdade diante das decisões judiciais, que exige dos tribunais atuação uniforme, prestando o serviço jurisdicional de forma isonômica em face de todos aqueles que pleiteiam uma providência judicial85.

Ocorre que a evolução da sociedade e o crescimento populacional exigiram que o Estado se aparelhasse para prestar o serviço judiciário de forma mais eficiente, o que terminou por criar uma estrutura complexa, composta por diversos órgãos e diversos juízes.

Naturalmente, a inexistência de uma doutrina que exija dos magistrados o acolhimento de posicionamentos consolidados pelos tribunais de hierarquia superior potencializou o descumprimento do princípio da isonomia, já que cada juiz está livre, de acordo com o seu convencimento, para julgar causa da forma que lhe pareça mais adequada. Não raramente, é possível constatar situações em que os juízes e tribunais adotam posições contraditórias, muitas vezes no âmbito de uma mesma Corte de Justiça, aplicando soluções distintas para casos idênticos.

Esta fórmula, no entanto, mostrou-se absolutamente equivocada, pois a multiplicidade de posicionamentos dos magistrados que compõem os órgãos do Poder Judiciário tornou a prestação jurisdicional antiisonômica, no sentido de que situações absolutamente semelhantes passaram a ser tratadas de forma distinta,

única e exclusivamente porque foram submetidas a juízos diferentes. A sorte de quem pleiteia em juízo não pode estar atrelada ao juízo para o qual a sua ação foi direcionada. Em expressão conhecida no âmbito doutrinário, a Justiça não pode ser equiparada a uma loteria.

Sotelo, ao avaliar o cenário do ordenamento jurídico espanhol a respeito do tema, revela que a jurisprudência constitucional espanhola capitaneou posicionamento no sentido de que os juízes e tribunais não podem contradizerem-se nos seus julgados, havendo até quem houvesse invocado o brocardo inglês de que casos parecidos devem ser julgados da mesma forma86.

Isso não significa que o ordenamento jurídico espanhol tenha abraçado a doutrina do stare decisis, pois, mesmo países de tradição do civil law devem prezar pela aplicação do princípio da isonomia perante o conteúdo das decisões judiciais.

Juízes e tribunais não podem alterar arbitrariamente um critério de julgamento, a não ser que as circunstâncias assim o exijam, o que ficará na dependência de motivação explicita sobre as razões que os levaram a alterar seu posicionamento.

Ora, não se pode admitir, com base no princípio da isonomia, que pessoas que pleiteiem o mesmo direito em juízo, em situações fáticas similares ou idênticas, tenham tratamento diferenciado, sob pena de se atentar contra o próprio Estado Democrático de Direito.

Nesse sentido, a doutrina dos precedentes vinculantes tem o condão de exigir que o princípio da isonomia seja observado também pelos órgãos do Poder Judiciário, não apenas relativamente aos aspectos formais do processo judicial, mas também relativamente ao conteúdo das decisões judiciais, na medida em que requer dos juízes e tribunais que soluções similares ou idênticas sejam apresentadas para casos que ostentem as mesmas peculiaridades fáticas e jurídicas.

86SOTELO, Jose Luiz Vasquez. A jurisprudência vinculante na common law e na civil law, in, Temas

atuais do direito processual ibero-americano. In: XVI JORNADAS IBERO-AMERICANAS DE DIREITO PROCESSUAL, 16, 1998, Compêndio de relatórios e conferências apresentados. Revista Forense, 1998, p. 353.

5 TÉCNICAS DE JULGAMENTO DE DEMANDAS REPETITIVAS E SISTEMAS DE PRECEDENTES VINCULANTES NO DIREITO COMPARADO

5.1 Considerações iniciais

O estudo do direito comparado é ferramenta deveras importante para o desenvolvimento de novas ideias, novos conceitos, desde que, obviamente, importações de fórmulas estrangeiras não sejam adotadas pelo legislador sem a necessária avaliação quanto à necessidade de adaptação dos instrumentos alienígenas ao contexto nacional.

Em muitas situações, a realidade social, econômica e mesmo jurídica de determinado país favorece a adoção de instrumentos jurídicos inovadores, o que pode não se repetir em países que possuem realidades diversas.

O ordenamento jurídico brasileiro, assim como diversos outros, possui inúmeros influxos estrangeiros, a começar pela própria Constituição Federal, de forte influência germânica e portuguesa, bem como relativamente ao tratamento das denominadas ações coletivas, nitidamente inspiradas no sistema americano das class actions.

Dada a importância do estudo do direito comparado, passaremos a seguir à análise de institutos processuais da Alemanha, Espanha, Portugal e Inglaterra, que instituíram nos seus ordenamentos uma alternativa ao regime das ações coletivas, que são justamente os regimes de processos-teste ou das causas-piloto87, por vezes associada a uma sistemática de precedentes vinculantes.