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CAPÍTULO 1 – O CONCEITO DE MOBILIDADE URBANA E SUAS RELAÇÕES COM A TERAPIA OCUPACIONAL

2.2 O QUE PODEMOS DIZER SOBRE OS JOVENS POBRES, MORADORES DAS FAVELAS?

2.2.1 Outros olhares para a juventude urbana brasileira: políticas públicas de acesso ao ensino superior e a organização em coletivos e em movimentos sociais

2.2.2.1 A organização juvenil em coletivos e em movimentos sociais

Buscando novos olhares para a juventude pobre urbana, encontra-se no meio acadêmico uma diversidade de publicações que buscam diferentes perspectivas para as potencialidades desse grupo. Tais publicações abordam temas como a organização juvenil em coletivos e movimentos sociais, as ações culturais da população jovem periférica e as políticas de acesso ao ensino superior e ao mercado de trabalho e seus impactos na vida de jovens pobres.

A participação social e política de jovens por meio de coletivos tem sido apontada pela literatura acadêmica como um aspecto importante a ser estudado (SPOSITO, 2010, 2014). Segundo Maia (2017), a luta para a participação social/cidadã das minorias estigmatizadas socialmente necessita, indubitavelmente, de uma articulação coletiva e em rede. Os coletivos são também espaços importantes na fermentação de práticas que estimulem, promovam e garantam a participação de jovens como cidadãos e atores políticos para a mudança social, pois podem colaborar na formulação de políticas públicas. Têm sido importantes também na quebra de um paradigma de ações e projetos voltados ao público jovem que, na busca da resolutividade de seus “problemas”, realizam ações mais tutelares do que de promoção da autonomia e efetiva participação política.

Entende-se, assim como Borelli e Oliveira (2010), que é importante na pesquisa com jovens “considerar os novos cenários de constituição da cidadania, da participação política e a presença de variadas redes de sociabilidade juvenis engendradas pelas práticas cotidianas, pelos modos de ser e de viver dos jovens em grandes centros urbanos” (BORELLI; OLIVEIRA, 2010, p. 59). Para a juventude, a organização de ações coletivas acontece para além dos movimentos sociais e são comumente movimentos de identidades juvenis. São, dessa forma, muito ligadas

às ações culturais e estéticas ligadas ao universo jovem (BORELLI; OLIVEIRA, 2010; SPOSITO, 2014), que impactam também na participação política e social dos jovens pobres urbanos. Para Borelli e Aboboreira (2011), os coletivos podem ter quatros “modos de relação” no que se refere à sua institucionalização, organização e financiamento:

a) coletivos extrainstitucionais que não buscam, ou mesmo recusam, conexões institucionais como justificativa para afirmação de independência e autonomia; b) coletivos que se articulam a diferentes ordens de institucionalidade – governamentais, não governamentais, religiosas, entre outras –, recebem “auxílios” e participam de editais e concorrências para a realização de suas atividades político culturais; c) coletivos juvenis que atuam de forma colaborativa, em suas regiões de pertença, usufruindo indiretamente da infraestrutura já conseguida por outros agrupamentos, por meio de projetos e serviços anteriormente aprovados, pelos mecanismos das políticas públicas voltadas à juventude; d) coletivos que já desfrutaram por um ou dois anos da verba pública e permanecem atuando, mesmo quando este vínculo deixou de ocorrer (BORELLI; ABOBOREIRA, 2011, p. 165–166).

Como exemplo de um coletivo juvenil que buscou a participação política em diferentes espaços, temos a experiência do projeto Movimentos, formado a partir de uma iniciativa do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC), da Universidade Cândido Mendes (UCM), que reuniu dez jovens de favelas do Rio de Janeiro, de São Paulo e de Salvador para participar de uma oficina de formação de três dias sobre política de drogas no Rio de Janeiro. O relato desse projeto mostra que a organização do grupo, a partir de metodologias participativas propostas pelos próprios jovens, tem permitido uma ação em prol dos seus interesses coletivos. Desde o seu primeiro encontro, o grupo tem desenvolvido estratégias para “garantir o protagonismo dos moradores de favelas no debate sobre segurança pública e política de drogas” (MOVIMENTOS/CESEC, 2019, p. 3), uma vez que os moradores de favela são os mais impactados por tais políticas.

Para tal objetivo, o grupo tem desenvolvido duas estratégias. A primeira trata da disseminação do debate sobre política de drogas dentro das favelas e periferias. Nesta perspectiva, as ações relatadas nos dois primeiros anos de organização do coletivo foram: a organização de debates, seminários e participação em programas de TV e rádio; oferta de aulas e oficinas sobre o tema em escolas públicas e particulares, pré-vestibulares comunitários e projetos sociais; promoção de eventos educativos e culturais junto a coletivos e grupos organizados; realização de uma pesquisa com jovens lideranças de diferentes favelas da cidade do Rio de Janeiro sobre o tema e a organização de encontros para pensar na construção de uma agenda nacional sobre política de drogas.

A segunda estratégia é a ocupação dos espaços que discutem e formulam as políticas. Ambas as frentes têm como objetivo trazer para o centro do debate sobre segurança pública e política de drogas os sujeitos que são mais impactados por tais políticas, criando espaços para que eles pensem, debatam e construam alternativas às atuais abordagens (MOVIMENTOS/CESEC, 2019).

Especificamente no Complexo do Alemão, território onde se desenvolveu nossa pesquisa, são vários os coletivos que lutam pelos direitos dos moradores do bairro. Alguns são institucionalizados e formais, outros surgiram de maneira informal. Alguns têm financiamento fixo, outros sobrevivem através das doações e trabalhos voluntários. Independentemente de sua estrutura organizacional, são reconhecidos pelos moradores e exercem um papel importante no cotidiano da vida na favela. Muitos foram concebidos e organizados a partir de jovens moradores do próprio bairro que, diante de suas vivências cotidianas, decidiriam formar coletivos para fortalecer a luta pelo acesso aos direitos básicos.

Um dos exemplos de organização coletiva com grande visibilidade, para além do Complexo do Alemão, é o “Voz da Comunidade”. Foi idealizado por Renê Silva que, em 2005, aos 11 anos de idade, começou a participar do jornal da escola em que estudava, situada em um dos morros que compõem o Complexo do Alemão. Logo expandiu a atuação do jornal para falar de questões relacionadas à vida para além da escola e criou o Voz da Comunidade. O jornal ganhou grande visibilidade devido às ações de Renê no Twitter®27 durante a entrada da polícia no Complexo do Alemão, 2010 (MAIA, 2012, 2017). Hoje se estendeu e conta com uma equipe de 12 pessoas e publica notícias e informações para outas favelas, além do Complexo do Alemão. A comunicação entre a equipe do jornal e os moradores das favelas é feita através das redes sociais digitais, sendo, portanto, uma proposta de um jornal colaborativo28. Segundo informações de sua página oficial no Facebook®29, o jornal já recebeu diversos prêmios, como

27 Twitter® é uma rede social e um servidor para microblogging, criado em 2006, que permite aos usuários enviar

e receber atualizações pessoais de outros contatos (em textos de até 280 caracteres, conhecidos como "tweets", fotos ou vídeos de curta duração) (Fonte: https://twitter.com/privacy?lang=en, Acesso em 25 de junho de 2019).

28 Segundo informações da reportagem de 6 de novembro de 2017 da Revista Veja Rio, disponível em:

https://vejario.abril.com.br/cidades/voz-das-comunidades-da-favela-para-o-mundo/, Acesso em 02 de abril de 2018.

29 O Facebook® foi criado por Mark Zuckerberg e por seus colegas da Universidade de Harvard. É uma rede social

virtual, lançada em 2004 nos Estados Unidos e, atualmente, é uma das que têm maior número de usuários no Brasil – onde chegou em 2008 - e no mundo. Nela, cada usuário tem um “perfil”, em que pode inserir fotos, textos, vídeos, compartilhar informações, interagir com outros usuários, acessar jogos, entre diversos outros recursos,

Shorty Awards, Faz Diferença, Prêmio Jovem Brasileiro 2011, Prêmio Anu de ouro, Prêmio Orilaxé, Prêmio Anu Preto e Prêmio Jovem Brasileiro 2012.

Figura 5: Logotipo do Jornal “Voz das Comunidades”

Fonte: http://www.vozdascomunidades.com.br/geral/nossa-historia/. Acesso em 02 de abril de 2018

Outro coletivo juvenil do Complexo do Alemão, também ligado à comunicação, é o Coletivo Papo Reto. Trata-se de um veículo de comunicação independente, que surgiu em 2014, devido à insatisfação de um grupo de jovens com a forma como a mídia tradicional criminalizava os movimentos sociais da favela e pela abordagem dada às questões relacionadas à segurança pública ali. Segundo o site oficial do coletivo, “atua como um canal que mostra a realidade Favela, tendo forte importância na ‘mídia de guerrilha’ em tempos de guerra e na provocação reflexiva do ‘até onde é verdade o que diz a grande mídia?’” (COLETIVO PAPO RETO, [s.d.]). O coletivo tem uma rede de moradores que troca informações, também pela internet, 24 horas por dia, e trabalha também documentando, em vídeos feitos através de aparelhos de celular, as ações policiais dentro do Complexo (PENTEADO; RENÓ, 2016).

atualizados constantemente pelo site. (Fonte: https://www.facebook.com/legal/terms. Acesso em: 25 de junho de 2019)

Figura 6: Logotipo do Coletivo Papo Reto.

Fonte: https://100ko.wordpress.com/sobre/. Acesso em 02 de abril de 2018.

Especificando essas organizações coletivas no âmbito das ações culturais, alguns autores as definem como sendo “importantes para as práticas políticas e construção da cidadania juvenil” (BORELLI; OLIVEIRA, 2010, p.58). No caso dos jovens de periferias e bairros pobres das cidades brasileiras, tais ações têm tido maior visibilidade mais recentemente no meio acadêmico. Os pesquisadores que se dedicam a estes estudos têm em comum o entendimento de que as organizações coletivas e as ações culturais “tem sido uma estratégia para o desenvolvimento” (SILVA, C.R. et al., 2016, p.14) e são citados em documentos nacionais e internacionais que discutem as demandas da juventude contemporânea.

Os coletivos culturais são importantes social e politicamente no sentido de quebrar estigmas relacionados aos bairros pobres, fazendo com que jovens das regiões centrais da cidade passem a frequentar a periferia, “alterando a geografia cultural da cidade” (BORELLI; OLIVEIRA, 2010, p.69). A popularização dos bailes funks, os passeios turísticos, o crescimento de hostels e hospedagens para turistas, são exemplos dessas mudanças, mesmo com todas as críticas que possam ser feitas à exploração turística das favelas30.

30 Sobre este tema, Freire-Medeiros (2007) afirma que não se pode ter uma visão reduzida simplista, sendo

necessário olhar todas as ambiguidades que estão envolvidas nesse processo. Apesar do ponto de vista da “espetacularização” da favela e seus moradores, o turismo pode também contribuir para a quebra de alguns estigmas a respeito do cotidiano e dos seus moradores (MENEZES, 2007), além da questão econômicas, se os moradores forem efetivamente envolvidos nos projetos.

No Complexo do Alemão podemos citar o Slam Laje como exemplo de ação cultural na busca de promoção de participação social de jovens. O primeiro slam surgiu em Chicago, na década de 1980, quando um operário da construção e poeta começou a organizar noites para performances de poetas que eram avaliados pelo público presente. O nome slam foi emprestado das finais de torneios de baseball e bridge e os poetas que participam das batalhas são chamados slammers. Esse formato de competições de poesias faladas, gênero poético ligado à cultura hip- hop, são uma ação coletiva, já que é necessária uma plateia para a performance poética dos slammers. Atualmente são bastante difundidos no Brasil, em especial nas favelas e periferias (D’ALVA, 2014).

O Slam Laje acontece em diversos lugares no Complexo do Alemão e tem como objetivo “incentivar a poesia e a literatura marginal, dentro do Complexo do Alemão, fortalecendo o movimento cultural, ocupando vários espaços dentro da nossa favela com muito passinho, batalhas de rimas, de uma forma sagaz e resistente”31. É produzido pelas MC Martina32 e MC

Dall Farra33 junto ao MC Al-Neg34, e utiliza as redes sociais virtuais e os jornais comunitários

como fonte de divulgação dos eventos realizados.

31 Informações da página oficial do Slam Laje no Facebook®: https://www.facebook.com/batalhadepoesia/.

Acesso em 09 de maio de 2019.

32 Pagina oficial da MC Martina no Facebook®: https://www.facebook.com/McMartinaOficial/. Acesso em 09 de

maio de 2019.

33 Página oficial da MC Dall Farras no Facebook®: https://www.facebook.com/mcdallfarra/. Acesso em 09 de

maio de 2019.

34 Página oficial do MC Al-Neg no Facebook®: https://www.facebook.com/AlnegMC/. Acesso em 10 de junho

Figura 7: Logotipo do Slam Laje. Arte de Berro inc.

Fonte: Página oficial no Slam Laje no Facebook. Disponível em:

https://www.facebook.com/batalhadepoesia/photos/a.102516423755556/170390140301517/?type=1&theater. Acesso em 10 de junho de 2019.