• Nenhum resultado encontrado

PARTE 2 O TERRITÓRIO, O CAMPO E O PERCURSO DA PESQUISA

3.5 A OCUPAÇÃO DO ALEMÃO PELO EXÉRCITO EM 2010 E A INSTALAÇÃO DAS UPPS

Dizem que ela existe Pra ajudar! Dizem que ela existe Pra proteger! Eu sei que ela pode Te parar! Eu sei que ela pode Te prender! Polícia! Para quem precisa Polícia! Para quem precisa De polícia (Polícia. Titãs) A implementação das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP) se iniciou com um projeto da Secretaria Estadual de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro com o objetivo de instituir polícias comunitárias em favelas como meio de recuperar territórios ocupados por grupos criminosos nessas localidades e pacificar as áreas50. A primeira

Unidade foi instalada em dezembro de 2008, no Morro Dona Marta, na zona sul da cidade do Rio de Janeiro, e em janeiro de 2009 foram oficialmente instituídas pelo Decreto no.

41.650. Em 2010, já existiam 12 unidades em diferentes favelas da cidade. No segundo semestre de 2014, eram 38 unidades instaladas pela capital (CORRÊA, 2013; FRANCO, 2014).

No Alemão, a “entrada” das UPPs começou em 2010, após alguns episódios de queima e assalto a veículos, além de ataques a bancos e delegacias ocorridos no mês de novembro, em diferentes pontos da cidade. Os ataques foram interpretados como uma resposta das facções criminosas à presença das UPPs. Houve ampla divulgação dos acontecimentos pela mídia e se instalou um discurso da existência de uma situação de caos na cidade, difundindo o medo entre a população. Com isso, o Batalhão Operações Policiais Especiais (BOPE) da Polícia Militar do Rio de Janeiro, junto à Marinha e ao Exército Brasileiro, utilizando-se de blindados, tanques e helicópteros, entraram na

favela. A operação foi transmitida ao vivo por diversas emissoras de televisão, tendo repercussão internacional, sendo que ganhou destaque a imagem de cerca de 200 traficantes fugindo da favela por uma estrada de terra (CORRÊA, 2013; LEAL, 2014; PÉREZ, 2014; SILVA; MUNDIM, 2015).

Figura 16: Imagem de traficantes fugindo a pé durante a entrada da Polícia e das Forças

Armadas no Complexo do Alemão, divulgada na mídia da época e televisionada ao vivo

Fonte: Acervo O Globo – As imagens da ocupação do Alemão. Disponível em:

http://acervo.oglobo.globo.com/fotogalerias/as-imagens-da-ocupacao-do-alemao-9364313. Acesso em: 8 de dezembro de 2017.

Esse processo foi nomeado como “ocupação” ou “pacificação” do Complexo do Alemão. O Exército permaneceu no Complexo até abril de 2012, quando foi finalmente inaugurada a primeira UPP (CORRÊA, 2013). Sobre essa operação, jovens moradores entrevistados por pesquisadoras que realizaram seus trabalhos de campo no Alemão apresentaram discursos bem diferentes daqueles apresentados pela mídia. Eles relataram que os policiais se apropriaram do dinheiro encontrado na favela e acobertaram a fuga de alguns “bandidos”; que moradores denunciaram os lugares onde os traficantes escondiam joias, drogas, armas e dinheiro; além de relatarem muitas situações de violência vivida pelos moradores, invasão de propriedades e violação de direitos. Alguns jovens contaram que saíram de casa e foram para a casa de parentes. Para eles, a violência só não foi maior por causa da cobertura da mídia (CORRÊA, 2013; PÉREZ, 2014):

Para eles, a violência só não foi maior no dia que teve a entrada do BOPE e do exército na favela porque estava sendo transmitido ao vivo pela televisão. Os jovens acham que os duzentos homens que foram vistos fugindo da polícia subindo a Serra da Misericórdia – uma imagem que foi gravada pela televisão e repetida exaustivamente – numa operação normal, seriam baleados por policiais que atiram do alto, de dentro de helicópteros, sem saber ao certo quem eles estão atingindo. (PÉREZ, 2014, p.255)

Eles se incomodaram, principalmente, com a forma com que a mídia tratou a localidade. Na fala de uma jovem, só se mostrou o lado ruim do bairro, a violência, o crime, os bandidos, sem espaço para as “pessoas de bem” e as histórias de vida dos moradores que lá viviam (CORRÊA, 2013).

As UPPs e a maneira como seu projeto foi instaurado no Rio de Janeiro não são consenso entre a população. Prata et al. (2017) destacam que a entrada das UPPs interferiu nas relações dos moradores e dos profissionais de uma unidade de saúde do Complexo, objeto de seu estudo. Segundo relatos de entrevistados, a insegurança e o medo aumentaram após a ocupação. Afirmavam que, apesar da entrada das forças armadas/polícia ter levado ao fim o tráfico de drogas explícito na comunidade, ainda existiam muitas formas de violência.

Outra questão apontada na pesquisa foi a tensão existente entre os trabalhadores que residiam no território (na maioria agentes comunitários de saúde) e os profissionais que não moravam na região. A tensão vinha da dualidade de pontos de vista a respeito da ocupação, por exemplo: “As diferenças diziam respeito aos custos e benefícios da ocupação, ao grau de exposição às violências, às desigualdades entre eles, traduzidas na clássica oposição entre ‘morro’ e ‘asfalto’ (sic)” (PRATA et al., 2017, p.47).

A descrença na continuidade do projeto após os grandes eventos já agendados no momento de sua implantação (Copa do Mundo de 2014 e Olímpiadas do Rio de 2016) sempre foi presente (CORRÊA, 2013). Essa mesma desconfiança é mencionada na pesquisa de Leal (2014), também a respeito da visão de jovens sobre a UPP. Para os participantes das duas pesquisas, a UPP é uma “maquiagem”, pois não mudou a real situação de violência do território.

O fato de as UPPs estarem restritas ao espaço de favelas, e destinadas a algumas delas, já seria um indício luminoso para desvendar o que o projeto esconde: a ocupação militar e verticalizada das áreas de pobreza que se localizam em regiões estratégicas aos eventos desportivos do capitalismo vídeo-financeiro [...]. Com isso, queremos frisar que as UPPs aprofundam as desigualdades e as segregações socioespaciais no Rio de Janeiro (BATISTA, 2011, p.105).

Precisa-se ressaltar que, apesar das questões negativas já colocadas, as representações a respeito das UPPs são dicotômicas, aparecendo, junto às críticas, também aspectos positivos, conforme alguns dados encontrados em pesquisas realizadas naquele local. A dissertação de mestrado de Corrêa (2013) e o artigo dela derivado (CORRÊA et al., 2016), analisando a percepção de jovens moradores do Complexo do Alemão frequentadores ou não de projetos sociais, a respeito das UPPs consideram que, apesar da redução dos conflitos armados com a entrada das Unidades, ainda têm uma relação de desconfiança com as instituições policiais, especialmente devido às dificuldades de relacionamento com aqueles atores.

Para Corrêa et al. (2016) a entrada das UPPs nas favelas é importante para reduzir as violências naqueles locais. No entanto, é imprescindível pensar na forma como essas ações foram e são realizadas. As UPPs isoladamente não resolvem as questões sociais e econômicas das favelas, pois a maneira como os moradores são vistos e tratados, não só pela polícia, mas pelo Estado e pela sociedade, também precisa mudar. Trata-se de pensar em projetos de longo prazo e que substituam a lógica da “guerra” entre polícia e moradores, para se construir uma lógica de participação. É preciso que as políticas de segurança pública incluam os residentes das favelas como atores para a elaboração e a implementação de proposições, considerando assim suas demandas concretas. Em longo prazo, essa mudança de atitude poderia levar a uma articulação entre os todos os agentes envolvidos nesse processo – polícia, moradores, técnicos atuantes nos diferentes serviços sociais locais, entre outros – podendo culminar em uma relação mais colaborativa entre todos, em detrimento dos conflitos predominantes e permanentes (CORRÊA et al., 2016).