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CAPÍTULO 1 – O CONCEITO DE MOBILIDADE URBANA E SUAS RELAÇÕES COM A TERAPIA OCUPACIONAL

2.3 MOBILIDADE URBANA DE JOVENS MORADORES DE FAVELAS

surfista zona sul desliza cheio de graça surfista zona norte com a mão suja de graxa

surfista zona sul vai da Barra pro Havaí surfista zona norte da Central à Japeri

da zona sul à zona norte ou em qualquer lugar quem não tem prancha vai de trem o importante é surfar (Rap do surfista. Grupo Geração)

Conforme já colocado por Novaes (2006), entre outros autores, o lugar de moradia é um marcador importante no que se refere às vivências juvenis, assim como os estigmas vivenciados pelos jovens. Neste sentido, Sposito (2009) afirma que ainda são poucos os estudos sobre os modos de vida juvenis a partir de seu local de moradia, pensando em todos os fatores de seus cotidianos, como a escola, o trabalho, o lazer, a sociabilidade, relacionando-os ao território em que vivem. A mesma autora, mais recentemente, defende a necessidade de se dedicar mais ao cotidiano dos jovens: “Na difração de raios com menor intensidade de luz – as práticas

cotidianas e submersas – pode residir um grande desafio para a pesquisa, um caminho possível dentre tantos outros” (SPOSITO; TARÁBOLA, 2017, p. 18).

Nesta direção, acreditamos que estudar a mobilidade urbana cotidiana de jovens urbanos responde a parte da demanda destacada pela autora, uma vez que explicita o cotidiano dos jovens e suas relações não apenas com o seu lugar de moradia, mas com toda a cidade em que vivem, relações essas que partem de sua experiência em seu território. Abordar a dimensão espacial das juventudes é entendê-la como produto e produtora de espaço (CASSAB; MENDES, 2011).

Jovens pobres são caracterizados por diferentes estigmas que os marcam ao longo de suas vidas e, de forma direta ou indireta, fazem com que seus direitos sejam violados. Um dos direitos que tem sido constantemente levantado por estudiosos e movimentos sociais é o direito à cidade, que inclui a efetivação da mobilidade urbana, o que, se não for concretizado, os impede de exercer plenamente sua cidadania. Apesar de assegurado pelo Estatuto da Juventude (na seção IX – direito ao território e mobilidade), assim como a concepção de território como espaço de integração proposto por essa mesma lei (seção II das diretrizes gerais), na prática esse direito ainda não tem sido efetivado, especialmente em relação aos jovens da periferia (BRASIL, 2013), conforme mostram diversas pesquisas e notícias recentes.

Podemos enumerar diferentes motivos para que os jovens moradores de favelas tenham uma experiência urbana restrita na cidade, todos relacionados intrinsicamente um com o outro. O primeiro motivo é concreto, amplamente divulgado em pesquisas sobre mobilidade urbana nas cidades: a questão do transporte público coletivo. Para Veloso e Santiago (2017), nas favelas fica evidente a dependência do poder público no que tange à mobilidade urbana, tanto dentro da própria favela, quanto para fora dela.

Em pesquisa recente realizada no Complexo do Alemão a respeito dessa temática, tem- se que mais da metade (52,5%) dos moradores utilizavam ônibus para a circulação fora da favela e, desses, 46% precisavam de apenas um ônibus, mas 35% necessitavam utilizar mais de um ônibus ou a combinação de um ônibus e um metrô para chegarem ao seu destino. Desses usuários, 29,1% dos entrevistados afirmaram ser o ônibus de péssima qualidade; 17,28% disseram ter uma qualidade ruim; 34,57% responderam ser regular; 16,67% boa e apenas 2,47% disseram ser ótima. Entre as principais reclamações sobre a questão da qualidade dos ônibus,

destacaram a necessidade da reestruturação de algumas linhas que ligam a zona norte à zona sul:

muitos ônibus que passavam nas adjacências do Complexo do Alemão mudaram de rota e não chegam até a zona sul, fazendo com que o morador tenha que pegar mais de um ônibus para acessar essa região da cidade. Em outras palavras, mais da metade dos entrevistados têm um acesso ao serviço público de transporte cada vez mais precarizado, o que contribui para restringir não só a qualidade desses serviços, mas, sobretudo, a qualidade do seu acesso à cidade do Rio de Janeiro (VELOSO; SANTIAGO, 2017, p. 24)

Para além do primeiro fator, muitas vezes aqueles jovens nem sabem que podem frequentar determinados espaços públicos, ou seja, faltam informações. Em uma experiência com jovens em cumprimento de medida socioeducativa, ao visitar um espaço público da cidade do Rio de Janeiro (o Teatro Municipal), foi informado a eles que aquele espaço oferecia visitas guiadas gratuitas a grupos de escolas ou de outros tipos de instituições sociais, além de peças e musicais a preço populares, a partir de R$1,00, em alguns fins de semana. Ao ouvirem estas informações, os meninos e meninas que participavam da ação ficaram animados, disseram que gostariam de voltar, pois nesse caso teriam condições financeiras de acessarem o local (GONÇALVES, 2016). O caso exemplifica como a informação não chega a essa população.

Para Milton Santos, além da distância geográfica, a distância política e a falta de acesso à informação são fatores importantes ao se discutir o acesso da população pobre aos seus direitos. Para ele, esse público tem “menos meios efetivos para atingir as fontes e os agentes do poder, dos quais se está mal ou insuficientemente informado” (SANTOS, M. 2007, p.91). Em suas palavras, “morar na periferia é se condenar duas vezes à pobreza” (p.195). Podemos acrescentar também a falta de motivos para circular. Em uma pesquisa com jovens moradores de favelas pacificadas37, encontrou-se que os motivos que os levavam a saírem das favelas eram

o trabalho e o estudo (quando não estudavam em escolas dentro da própria favela). Poucas vezes visitavam amigos ou familiares que residiam fora, porque grande parte de suas redes sociais estava dentro da mesma comunidade (LEITE; MACHADO DA SILVA, 2013).

Cressweel (2010), ao desmembrar didaticamente diferentes aspectos relacionados à mobilidade, apresentou como o primeiro deles a força motriz. Para ele, a primeira pergunta a

37 São chamadas de “favelas pacificadas” aquelas que tem implementadas as Unidades de Polícia Pacificadora

(UPP), projeto proposto pela Secretaria Estadual de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro. Esse projeto de “pacificação” será mais detalhado no próximo capítulo, quando apresentaremos o território da pesquisa.

ser respondida quando nos debruçamos no estudo da mobilidade é “Por que uma pessoa se move?”. Para o autor, é preciso saber de onde vem a vontade de se mover, se é interna ao sujeito (desejo próprio) ou externa a ele; se ele vai por escolha própria ou se por obrigação (por exemplo, para trabalhar). Assim, por exemplo, ir de um ponto a outro tem significados totalmente diferentes a depender da vontade do sujeito e do seu papel durante esse deslocamento – é diferente se o sujeito é um turista a passeio, se é um empregado em direção ao seu local de trabalho, se é um executivo fechando negócios, ou se é um imigrante ilegal em busca de melhores condições de vida.

Considerando que os moradores das periferias das grandes cidades e das favelas se deslocam, na grande maioria das vezes de ônibus, majoritariamente de qualidade ruim, apenas para atividades ligada ao trabalho, podemos inferir que essa forma de circular pela cidade não propicia uma “uma apropriação mais ampla do espaço urbano e/ou envolva possibilidades (objetificadas posteriormente ou formuladas como desejo ou projeto) de uso/fruição dos locais, serviços e equipamentos disponíveis no percurso” (LEITE; MACHADO DA SILVA, 2013, p. 151). Assim, acabam sendo deslocamentos ponto a ponto sem sentido, o que nos leva ao próximo aspecto influenciador da imobilidade urbana de jovens moradores de favelas: a não apropriação dos espaços pelos quais circulam, ou seja, eles não se sentem pertencentes aos espaços públicos (CASSAB; MENDES, 2011; LEITE; MACHADO DA SILVA, 2013; SAVEGNAGO, 2018).

Conforme já postulamos, a apropriação é essencial para a efetivação da mobilidade urbana. Essa realidade é diretamente ligada aos estigmas sofridos pelos jovens pobres. Neste sentido, Abramo (2005a) afirma que é preciso mudar a lógica com a qual se estabelece a relação deles com o espaço público, “buscando ações que garantam o uso e a apropriação dos espaços públicos pelos jovens, como fundamental para suas vivências, para sua sociabilidade, expressão e participação” (p.31), referindo-se, especialmente, às ações no campo da cultura, do esporte e do lazer. O exemplo já citado anteriormente dos jovens em conflito com lei que foram ao teatro municipal, em uma atividade com a autora desta tese, por exemplo, é uma ação que exemplifica como se pode pensar na mudança de relação com o espaço público. Eles já conheciam o local onde se localizava o teatro (uma das principais praças do centro da cidade), frequentavam o lugar, mas não se sentiam pertencentes a ele:

Compreendemos que, apesar de serem moradores de bairros distantes daquele, estes jovens tinham uma grande circulação pela cidade, mas, ao mesmo tempo, sua circulação simplesmente não proporcionava um sentimento de pertencimento àquele território (GONÇALVES, 2016. p.134)

Moradores do Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, em pesquisa a respeito das regiões da cidade para as quais se locomovem, responderam, na grande maioria (84,9%), frequentarem somente a zona norte e, mais especificamente, os arredores do Complexo do Alemão, como Penha, Olaria, Ramos, Bonsucesso e Inhaúma. Apenas 5,1% respondeu ir frequentemente à zona sul (VELOSO; SANTIAGO, 2017). Embora a pesquisa não tenha realizado uma análise dos motivos de frequentarem determinadas regiões, a discrepância entre os números chama atenção, conforme destacam os próprios autores:

A discrepante proporção entre a quantidade de pessoas que se locomovem em direção à zona sul – região que reúne bairros e áreas e equipamentos turísticos, como Copacabana, Ipanema, Pão de Açúcar – da cidade e as pessoas que se locomovem nos limites da zona norte, e nas adjacências do próprio Complexo revela a precarização do acesso à cidade por parte de sua população e reflete um aspecto característico da segregação social carioca, que divide a população e cria muros invisíveis entre as várias zonas que compõem o espaço urbano do Rio de Janeiro (VELOSO; SANTIAGO, 2017, p. 24–25).

A segregação espacial no Rio de Janeiro, dividido entre zona norte e zona sul, sendo essa última o principal destino dos turistas e, consequentemente, um território hostil para os moradores de favela, concreta e simbolicamente, é ilustrada da charge de Jaime Magalhães a seguir:

Figura 8: Charge de Jaime Magalhães.

Fonte: Disponível em: https://www.picmog.com/media/1299244835764603149_960817017. Acesso em 30 de maio de 2018.

A título de exemplo acerca da desigualdade territorial no Rio de Janeiro, temos o fato ocorrido em 2015, já citado na apresentação da tese, quando os ônibus que interligavam os bairros da periferia às praias da zona sul foram parados pela polícia militar e 15 jovens foram abordados, sendo que 14 eram negros e nenhum portava armas ou drogas38. As autoridades justificaram a abordagem pelo fato de eles não portarem documentos de identidade ou “não estarem com dinheiro para ir à praia”39, sendo que as abordagens seguiram por mais algumas

semanas. À época, houve grande repercussão do caso, pois, além, dessa intervenção específica, havia acontecido uma mudança de linhas de ônibus da cidade que ligavam a zona norte à zona sul. Essas ações foram interpretadas por muitos como uma forma de isolamento – camuflado pelo discurso de proteção e da segurança - dos bairros mais ricos da cidade, intensificando a segregação urbana já existente (SAVEGNAGO, 2018). Para Monteiro e Cecchetto (2009):

essa forma discriminatória encontra-se respaldada em uma ideia racista bastante equivocada no senso comum, incluindo a polícia, de que a cor preta ou negra, combinada a outros atributos, é um bom indicador de criminalidade. Em geral, os considerados suspeitos por suas aparências (indicador de classe ou posição social) ou cor (traço fenotípico) sofrem abusos de poder ou são tratados como violência física. (p.319)

38 Ver nota 8.

39 Reportagem vinculada na época: “Beltrame sobre arrastões: Como um jovem vai à praia sem dinheiro pra

comer?” -Disponível em: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2015/09/21/beltrame-sobre- prisoes-como-um-jovem-vai-a-praia-sem-dinheiro-pra-comer.htm. Acesso em 04 de junho de 2018.

Na pesquisa de Savegnago (2018), os jovens relataram situações de preconceito e segregação à autora e disseram que, por essa razão, não tentavam mais frequentar outras regiões da cidade. A mesma conjuntura foi descrita a Monteiro e Cecchetto (2009), a partir de relatos de jovens que contaram que, em alguns espaços públicos como shoppings centers, agências bancárias, ruas e restaurantes, eles percebiam “distanciamento dos transeuntes, descaso no atendimento, perseguição e violência dos seguranças dos estabelecimentos comerciais, assim como da própria polícia” (p.317). Para Castro (2004), a circulação de jovens pobres pela cidade está “permeada de uma vigilância constante, realizada pela repressão e pelo constrangimento do aparato policial, tornam-se o cenário de humilhação e fortalecimento de estereótipos” (p.84). Outro exemplo sobre fatores que impedem a apropriação dos jovens pelos diferentes espaços públicos urbanos por causa dos estigmas que sofrem é o caso dos “rolezinhos” nos shoppings paulistanos em 2013. Os “rolezinhos” se iniciaram em dezembro de 2013, no Shopping Itaquera (Grande São Paulo), e logo se propagaram para outros estados e cidades. Consistiu em nada mais do que jovens moradores da favela que marcaram um encontro no shopping para fazer aquelas que são as atividades típicas da faixa etária nas horas de lazer: paquerar, comer, passear, ouvir música, consumir alimentos e outros bens. Entretanto, o grande número de jovens (negros, pobres, moradores de favela) fez com que os comerciantes do shopping fechassem suas lojas com medo de haver arrastões, tumulto e vandalismo (LEHFELD; SILVA, 2016). A charge abaixo ilustra a questão:

Figura 9: Charge sobre os “rolezinhos”.

Fonte: Disponível em: https://latuffcartoons.files.wordpress.com/2014/01/rolezinho.gif. Acesso em 30 de maio de 2018.

A fragmentação espacial da cidade, conforme Harvey (2012) e Léfèbvre (2001) argumentam, faz parte da manutenção da segregação e da ordem na sociedade capitalista. Para Milton Santos (2007), a forma de organização da cidade causa a distinção do acesso aos direitos. Castro (2004) ressalta que, para os jovens pobres urbanos, são desenhadas diferentes cidades: a real (aquela pela qual ele efetivamente circula), a possível (a que é possível de ser acessada, mesmo que no cotidiano não o seja) e a proibida (aquela que não se conhece e não se pode acessar). Neste sentido, podemos dizer que a cidade proibida se dá por fatores concretos e também simbólicos, sendo que: “a amplitude de cada uma dessas cidades é extremamente variável, já que para alguns a cidade real e a possível desenham-se de forma acanhada” (CASTRO, 2004, p. 95)

Essa questão leva a um debate ainda não encerrado sobre a inserção de serviços e projetos dentro das favelas e a perspectiva territorial das políticas públicas. Defendemos a necessidade de uma perspectiva dialética para o debate a respeito da territorialização de serviços pelas políticas públicas de diferentes setores. Por um lado, temos a convicção de que é preciso que as favelas e periferias dos grandes centros urbanos tenham serviços e espaços de educação, saúde, lazer, cultura, assistência social, de forma que a população os acesse facilmente, sem os impedimentos que a mobilidade urbana pode trazer cotidianamente. Por outro lado, pensamos que muitas vezes a inserção desses serviços e espaços, especialmente os de lazer e cultura, dentro das favelas, pode ser utilizado como uma forma de cercear a mobilidade daquela população e consequentemente a sua participação na cidade. Sobre esse assunto:

embora demandem equipamentos e atendimentos descentralizados nos bairros ou nas comunidades, os jovens não querem ficar aí “confinados”, querem poder fruir os equipamentos, os espaços e as oportunidades de outros pontos da cidade, querem, portanto, ter o direito à “cidade” (SOUTO; PONTUAL, 2007, p.47)

Em diversas pesquisas é comum encontrar discursos de jovens que enfatizam o sentido positivo da circulação por outros bairros, mas ao mesmo tempo sem perceberem a sua falta de mobilidade como um problema (CASSAB, 2009; CASSAB; MENDES, 2011). Para Cassab e Mendes (2011), restringir a circulação ao próprio bairro, embora possa não ser um problema para eles, pode ser uma armadilha para naturalizar sua condição desigual. Por outro lado, Cressweel (2010) destaca que hoje a mobilidade é extremamente valorizada na cultura,

entendida como algo positivo, sinônimo de liberdade e de progresso, visão vinda de um discurso socialmente construído, que reverbera em nosso cotidiano, quando estamos todos sempre “tentando chegar a algum lugar”. Embora não desconsidere a importância da mobilidade para as pessoas e coletivos, o autor considera que esse discurso influencia o desejo individual, fazendo que às vezes a busca por mobilidade seja apenas uma forma de adequação ao mundo (CRESSWEEL, 2010). Já Castro (2004), nos alerta para a associação entre a circulação e o consumo de novas sensações e culturas, sem que haja verdadeiros encontros e trocas entre sujeitos nos espaços comuns. Em suas palavras:

Nem sempre a circulação permite a troca entre as pessoas. Ela pode se determinar pela errância individualizada sempre em busca de novidade e da diversão ou serve para o consumo de novas sensações. Que custo social ela criaria? Pergunta que faço diante da proliferação de trocas que talvez não se realizem com tempo suficiente para

converterem os sujeitos por mais que um ou dois minutos. Ou ainda trocas restritas a

alguns beneficiários em detrimento de outros (CASTRO, 2004, p. 97–98, grifo da autora).

Apesar dessas ponderações, entendemos que trabalhar com a circulação para promover mobilidade e apropriação à cidade “seja uma possibilidade de construção de novos espaços coletivos numa dimensão política, rompendo a lógica do consumo” (CASSAB, 2009, p. 168). Mesmo que a circulação seja apenas parte da mobilidade que pretendemos atingir e que, talvez, seja ainda não tão significativa para os sujeitos, ela faz parte do início de um processo de apropriação da cidade. O desejo de circulação pela cidade revela ser importante na experimentação e ampliação das redes sociais juvenis, contribuindo para suas construções identitárias. Scandirizi, Maximino e Liberman (2015) relatam que a circulação e a mobilidade por diferentes territórios e espaços não usados frequentemente pelos jovens pode ser um desencadeador de questionamentos, ampliação de conhecimento e potências no que se refere à participação em diferentes espaços. Sendo que, para que a mobilidade se efetive, não apenas como forma de consumo ou como uma falsa apropriação, é preciso que as políticas públicas e ações sociais se debrucem em formar de garantir este direito (SOUTO; PONTUAL, 2007).

Por isso, ressaltamos a importância das políticas públicas de direito à cidade, que devem ser articuladas às políticas de outros setores, e, pensando no caso da juventude, das políticas específicas para essa população. Justamente por não ser um direito consolidado, existem no Brasil e no mundo movimentos juvenis de reivindicação do direito à cidade, especialmente ligados aos estudantes, conforme aponta Almeida (2013):

O “movimento pelo passe-livre”40 que eclodiu em diversas capitais do Brasil nos

últimos anos, também protagonizado por jovens, geralmente é associado aos estudantes, por serem estes os atores principais das reivindicações. No entanto, não se trata de uma demanda vinculada tão somente ao deslocamento do jovem para a escola. Antes, revela a necessidade e o desejo de poder circular pela cidade utilizando transporte público gratuito. A circulação pela cidade, tão praticada ou desejada pelos jovens, aparece aqui em forma de um direito a ser garantido pelo Estado (ALMEIDA, 2013, p.160)

O movimento referido pelo autor ganhou visibilidade com as manifestações que ocorreram em junho de 2013. Em princípio localizadas na capital paulista, as manifestações acabaram crescendo territorialmente, devido a atuação do Movimento Passe Livre – MPL (SOBREIRO FILHO, 2015). O MPL, conforme já citado no capítulo anterior, declara-se como um movimento social independente, sem relação com partidos políticos ou qualquer tipo de instituição, que luta pelo transporte público gratuito de acesso universal (MOVIMENTO PASSE LIVRE,[s.d.]). As manifestações que ocorreram em junho e julho de 2013, em um movimento chamado por alguns de “Jornadas de Junho” (SINGER, 2013), ou ainda Primavera Brasileira (em referência à Primavera Árabe) se iniciou com manifestantes protestando contra o aumento de vinte centavos nas passagens de ônibus municipais em São Paulo, mas com a liderança do MPL, acabaram levantando outras pautas:

Na evolução das manifestações foram trazidas à tona pelo movimento questões importantes a serem pensadas e reivindicações importantes tais como: discutir uma mobilidade urbana real para a população localizada nas periferias e, sobretudo, para os estudantes; debater e levar a população à participação e definição do IPK – Índice Passageiro por Quilômetros; priorizar o investimento no transporte público coletivo; demanda que o Estado invista e arque com os custos e que, de fato, escolha pela via do transporte coletivo para a resolução de questões de trânsito, pois pela via de investimentos em transporte público coletivo seria possível a redução dos onerosos custos gerados pelo transporte individual e que é pago pelo Estado; subsídio integral ao transporte público; estatização do transporte público coletivo; etc. (SOBREIRO FILHO, 2015, p. 20–21).

Após as manifestações que chegaram a quase 400 cidades, incluindo 22 capitais brasileiras, as pautas foram se transformando e agregando outros setores da sociedade e outros movimentos e coletivos. Foi quando surgiu o slogan “não são só 20 centavos”. Com a apropriação dos protestos por militantes e partidos de direita, o MPL se retirou oficialmente do comando e da convocação das manifestações, mas, diante de seu impacto na mídia e na