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PARTE 2 O TERRITÓRIO, O CAMPO E O PERCURSO DA PESQUISA

3.2 APONTAMENTOS HISTÓRICOS

O começo da história sobre o que hoje nomeamos de “Complexo do Alemão” ocorreu na década de 1920. A primeira parte do Complexo a ser povoada foi o lado leste. Naquela época, haviam três fazendas na região: Joaquim Leandro da Motta, Camarinha e o loteamento do polonês Leonard Kaczmarkiewicz. Em 1941, parte da fazenda Camarinha foi vendida para o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários (IAPC) e, naquelas terras, iniciaram-se as ocupações consentidas pelo Estado, uma vez que o IAPC financiava conjuntos habitacionais que alugava para seus associados. As terras correspondem ao local onde hoje é a favela Nova Brasília.

44O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) foi um programa lançado em 2007 pelo Governo Federal com

objetivo de investir em infraestrutura (nas áreas de transporte, energia, saneamento, habitação e recursos hídricos), para eliminar os principais obstáculos ao crescimento econômico do país, promovendo então a aceleração do crescimento econômico; o aumento do emprego; e a melhoria das condições de vida da população brasileira. Para isto, utilizou-se de um conjunto de medidas destinadas a incentivar o investimento privado e aumentar o investimento público em infraestrutura e remover obstáculos (burocráticos, administrativos, normativos, jurídicos e legislativos) ao crescimento (BRASIL, 2007a). Detalharemos mais o PAC no Complexo do Alemão na seção 3.3. deste capítulo.

Ainda naquela década, trabalhadores do horto florestal tiveram autorização para morar nas terras do IAPC e, com o tempo, começaram a permitir, por conta própria, a fixação de novos moradores, que começaram a chegar na década de 1950, estimulados pelo parentesco com quem ali morava e pela crescente oferta de trabalho nas fábricas das indústrias que se estabeleciam no local. No início dos anos de 1960 surgiu a Associação de Moradores que iniciou a regulação da questão da posse da moradia (COUTO; RODRIGUES, 2015).

Já na região do alto da Serra da Misericórdia, havia a fazenda do polonês Leonard Kaczmarkiewicz. Segundo relatos, por suas características físicas, o imigrante era chamado de “Alemão” pelos moradores das favelas vizinhas às suas terras, o que fez com que a serra começasse a ser chamada de Morro do Alemão. Leonard alugava sua fazenda para inquilinos que construíam suas próprias casas. Outros proprietários de terras ao redor também alugavam seus terrenos ou faziam contratos de arrendamentos com produtores locais. Ao final dos anos 1940, iniciou-se a construção de avenidas e ruas, o que atraiu a vinda de imigrantes da região nordeste do país e, mais tarde, com a industrialização daquela área, os trabalhadores assalariados. Na década de 1960 começou a ocupação desordenada, sem autorização, que culminou no processo de favelização do bairro e, para evitar a perda de suas terras, os proprietários e herdeiros das fazendas do alto do Morro começaram a vendê-las. Assim, as terras da parte baixa do morro foram ocupadas. Esse processo aconteceu na região onde hoje é o Morro do Alemão e a Grota (COUTO; RODRIGUES, 2015; MOULIN; TABAK, 2014; TAVARES; COSTA; TUBINO, 2009).

Entre as décadas de 1970 e 1980 iniciaram-se os processos de ocupação de outros espaços e morros que hoje constituem o Complexo. Segundo Rodrigues (2016), as ocupações eram parte do contexto da época:

Pode-se dizer que a conjuntura política da década de 1980, que agregava apoio político às invasões e aos novos investimentos governamentais nas favelas, conduziu à ampliação da área ocupada por favelas, conformando o território do atual Complexo do Alemão. Novas áreas foram anexadas ao conjunto de favelas já existente, em parte porque se tornaram aptas para a moradia devido à expansão do sistema de adução de água, em parte porque o movimento de invasão de terrenos ociosos para a moradia era respaldado por um conjunto de entidades com representatividade social e política. Além disso, o contexto macroeconômico e social, de queda do emprego e da renda, e a ausência de políticas de habitação de interesse social tornavam a favela uma das poucas alternativas de moradia acessíveis na cidade para a população de baixa renda (RODRIGUES, 2016, p.65).

Na década de 1980 houve um grande aumento da população das favelas, muito maior quando comparado à população geral da cidade do Rio de Janeiro, resultando em uma atenção a este processo pelo governo. Entre 1981 e 1983 a Secretaria Municipal do Desenvolvimento Social do Rio de Janeiro destinou recursos para o Projeto de Desenvolvimento Social das Favelas, que tinha como objetivo realizar o diagnóstico de 21 favelas da cidade. Naquela pesquisa nomeou-se de “Conjunto Favelado do Alemão” a área compreendida pelas seguintes favelas: Morro do Alemão, Nova Brasília, Itararé e Joaquim Queiroz. É importante ressaltar, no entanto, que os órgãos contratados para realizar aquela pesquisa não apresentaram uma “unidade” ao considerar a região, no que se refere à sua nomenclatura e sua área de abrangência, expresso nos relatórios de diferentes maneiras, como “Conjunto do Alemão”, “Complexo do Alemão”, “Morro do Alemão” (MATIOLLI, 2016).

Com base nesses dados, é interessante destacar, primeiro, uma espécie de confusão no uso da noção de “Morro do Alemão”, que ora expressa todo o conjunto de favelas e ora, apenas uma delas. Depois, o reconhecimento de uma nova escala territorial, o “Complexo do Alemão”, também parece confuso, pois os dados apresentados ora dizem respeito a esta nova unidade territorial, ora se referem às diferentes favelas que a compõem, marcando sua diferenciação interna. Essa perspectiva reconhece uma continuidade entre as favelas do Alemão, sem perder de vista a sua heterogeneidade interna. (MATIOLLI, 2016, p.76)

Já nos anos 1990 a expansão territorial nas favelas do Complexo do Alemão se esgotou com a diminuição do investimento do governo nas obras de urbanização. Além disso, o Alemão não foi incluído no programa Favela-Bairro da prefeitura do Rio de Janeiro, o que levou a uma diminuição dos investimentos. Soma-se, ainda, o aumento da violência com a chegada do tráfico de drogas e a intensificação de conflitos armados entre os grupos de traficantes e a polícia, o que levou a uma diminuição das políticas de urbanização, que foram substituídas pelas políticas de segurança enquanto ponto central nos debates sobre as necessidades das favelas (RODRIGUES, 2016).

Em 1986, o Decreto Municipal no.6.011, de 4 de agosto decretou a XXIX Região Administrativa (RA) – Complexo do Alemão e, em 9 de dezembro de 1993, o Complexo do Alemão passou a ser considerado um bairro da cidade, a partir da aprovação da Lei Municipal no. 2.055 (MATIOLLI, 2016). Hoje, o Complexo do Alemão é constituído por uma área de mais de dois milhões de metros quadrados, o que corresponde a 296 mil campos de futebol (MATIOLLI, 2016; MOULIN; TABAK, 2014).

No censo de 2010, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) buscou aprimorar os dados relacionados ao que denomina de “aglomerados subnormais”45. Nesta

pesquisa, consideraram o Complexo do Alemão como uma área interligada entre o Morro do Alemão e outros nove aglomerados: Itararé, Joaquim Queiroz, Morro da Baiana, Morro das Palmeiras, Mourão Filho, Nova Brasília, Parque Alvorada, Relicário e Vila Matinha (IBGE, 2011). É importante ressaltar que a área que corresponde ao bairro do Complexo do Alemão não é a mesma que a do aglomerado do Morro do Alemão e suas adjacências.

No entanto, a depender da fonte consultada, encontra-se um número diferente de favelas compondo o Complexo, conforme demonstrado por Mees (2015) e Maia (2017). Para o jornal “Voz da Comunidade” (jornal comunitário de um grupo de jovens moradores do Complexo) são 13 as favelas que compõem o Complexo, assim como para o Instituto Raízes em Movimento (uma Organização não-governamental local); ao mesmo tempo, no sítio eletrônico do projeto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPP), da prefeitura, são 15 e para a Central Única de Favelas (CUFA) são 12.

A título de comparação, a imagem abaixo sobrepõe o bairro e a favela Complexo do Alemão, elaborado por Couto e Rodrigues (2015). Na imagem, as autoras indicam que são 12 favelas reconhecidas pelo Instituto Pereira Passos, identificadas com o nome na cor preta. Na cor marrom estão as favelas consideradas pelos moradores que participaram do trabalho de campo da pesquisa das autoras. A linha vermelha apresenta os limites do bairro Complexo do Alemão e a azul os limites das favelas que compõem o Complexo.

45 Conceito criado pelo IBGE em 1987, definido como um conjunto constituído por 51 ou mais unidades

habitacionais caracterizadas por ausência de título de propriedade e pelo menos uma das características abaixo: (1) irregularidade das vias de circulação e do tamanho e forma dos lotes e/ou (2) carência de serviços públicos essenciais (como coleta de lixo, rede de esgoto, rede de água, energia elétrica e iluminação pública) (IBGE, 2011).

Figura 11: Comparação entre o bairro e a favela Complexo do Alemão

Fonte: COUTO, P. B.; RODRIGUES, R. I. A gramática da moradia no Complexo do Alemão: história, documentos e narrativas. Brasília: IPEA - Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, 2015, p.14. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/td_2159.pdf>. Acesso em: 28 nov. 2019