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Políticas de diminuição da desigualdade: as políticas de acesso ao ensino superior

CAPÍTULO 1 – O CONCEITO DE MOBILIDADE URBANA E SUAS RELAÇÕES COM A TERAPIA OCUPACIONAL

2.2 O QUE PODEMOS DIZER SOBRE OS JOVENS POBRES, MORADORES DAS FAVELAS?

2.2.1 Outros olhares para a juventude urbana brasileira: políticas públicas de acesso ao ensino superior e a organização em coletivos e em movimentos sociais

2.2.2.2. Políticas de diminuição da desigualdade: as políticas de acesso ao ensino superior

Já com relação às políticas públicas de diminuição da desigualdade que atingem mais diretamente a população jovem, temos nos últimos anos no Brasil a implementação de diversas delas, como as políticas de educação e inserção pelo trabalho. Podemos exemplificar com as cotas nas universidades federais (Lei no.12.711, de agosto de 2012), o Programa Universidade para Todos – Prouni (Lei no. 11.036 de janeiro de 2005), o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego – Pronatec (Lei no. 12.513 de outubro de 2011) e o Programa Nacional de Inclusão de Jovens – Projovem (Lei no. 12.513 de outubro de 2011), entre outros. Com relação às políticas de inclusão no âmbito educacional, destacaremos àquelas relacionadas à inserção de jovens no ensino superior, por se tratar das que atingem mais diretamente quem colaborou com o nosso estudo.

Podemos pontuar alguns marcos importantes nas políticas de acesso ao ensino superior. Em ordem cronológica, o Prouni, criado pelo governo federal em 2004 e instituído pela lei no. 11.036 de janeiro de 2005, tem como objetivo promover o acesso de jovens de baixa renda

(com renda per capita máxima de três salários mínimos35) às universidades privadas, com o critério de que tenham estudado durante todo o ensino médio em escolas públicas ou como bolsistas em escolas particulares. São concedidas bolsas de estudo integral ou parcial (de 50%) em troca de um abatimento nos impostos federais. O Prouni realiza ações em parceria com o Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), que possibilita ao estudante com bolsa parcial financiar parte da mensalidade que não é coberta pelo programa. Segundo dados do Ministério da Educação (MEC), até o segundo semestre de 2018, 2,47 milhões de jovens haviam se beneficiado do programa, sendo 69% com bolsa integral (BRASIL, [s.d.]).

As ações afirmativas36 buscam viabilizar o acesso ao ensino superior público no Brasil, tendo como principal estratégia o sistema de cotas. Tais projetos foram iniciados nos anos 2000, sendo a Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) a primeira no país a adotar o sistema em seu vestibular (MENDES Jr., 2014). Desde então, surgiram iniciativas em diferentes instituições, porém se configuravam como ações heterogêneas, que dependiam de leis estaduais ou de resoluções dos Conselhos Universitários das próprias universidades para serem implementadas (DAFLON; FERES JÚNIOR; CAMPOS, 2013; FERES JÚNIOR et al., 2013). Tais iniciativas tinham como objetivo reduzir as desigualdades de acesso ao ensino superior no Brasil, que apresentava, como característica, a pouca diversidade socioeconômica entre os seus estudantes, conforme informam Carvalho e Waltenberg (2015):

De fato, embora entre 2006 e 2008, 85% dos concluintes do ensino médio proviessem do ensino médio público, dos indivíduos que ingressaram nos cursos de graduação no Brasil nesse período, essa proporção cai para somente 57% (MEC/Inep). Na mesma linha, em 2009, enquanto 45% das pessoas com ensino médio completo provinham de famílias relativamente pobres (com renda familiar de até 3 salários mínimos), entre os ingressantes do ensino superior, essa proporção caía para 39%. Considerando apenas as pessoas com ensino médio completo, 50,3% se declararam não brancas enquanto entre os ingressantes dos cursos de graduação a incidência desse grupo era de apenas 36,4%. (p.371-372)

35 Em 2019 o salário mínimo brasileiro era de R$998,00, o que corresponde a cerca de US$ 245.00, na conversão

pelo câmbio do mês de dezembro do mesmo ano.

36 Daflon, Feres Junior e Campos (2013) definem, a partir das ideias de Feres Junior e Zoninsein (2006), ações

afirmativas como “medidas redistributivas que visam alocar bens para grupos específicos, isto é, discriminados e vitimados pela exclusão socioeconômica e/ou cultural passada ou presente” (p.306).

Em 2007, pelo decreto número 6.096, de 24 abril, foi instituído o Programa de Apoio ao Plano de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (Reuni). Este programa teve entre suas principais diretrizes instituir “mecanismos de inclusão social a fim de garantir a igualdade de oportunidade de acesso e permanência na universidade pública a todos os cidadãos (BRASIL, 2007b, p. 10)”. Assim, embora ainda não existisse no âmbito federal uma lei de ação afirmativa para o ingresso no ensino superior, com o Reuni o governo federal condicionou a transferência de mais recursos para as universidades que adotassem políticas inclusivas, além do incentivo a essa prática através de programas de bolsas (FERES Jr. et al., 2013).

Somente em agosto de 2012 foi instituída a lei 12.711, chamada de “Lei de cotas”. Trata- se de uma política de reserva de vagas nas instituições de ensino médio e superior federais para estudantes egressos de escolas públicas, pretos, pardos e indígenas. São quatro subcotas previstas na lei: (1) egressos de escola pública; (2) egressos de escola pública e de baixa renda; (3) pretos, pardos e indígenas egressos de escolas públicas; e (4) pretos, pardos e indígenas egressos de escolas públicas e de baixa renda.

Existem críticas às políticas afirmativas, especialmente devido à avaliação enviesada feita pela grande mídia, o que faz com que o debate seja permeado de informações equivocadas (DAFLON; FERES Jr.; CAMPOS, 2013). Preocupações como a queda na qualidade do ensino superior não encontraram subsídios em resultados de pesquisas acadêmicas sobre o tema, pois, ao contrário, os estudantes cotistas têm demonstrado rendimento equivalente aos não cotistas (VILELA et al., 2017; VILELA; MENEZES-FILHO; TACHIBANA, 2016). Especificamente sobre o FIES e o Prouni, as críticas se direcionam à mercantilização do ensino, dada a ampliação de vagas no ensino privado, em detrimento de um investimento no setor público, e a supervalorização do capital financeiro de instituições privadas beneficiárias do financiamento público de suas atividades (CAVICHIOLO, 2019; FIGUEIREDO, 2016).

Porém, alguns estudos destacam que tais políticas foram essenciais para que os jovens pobres pudessem acessar o ensino superior, o que implica em uma concreta mudança de status social. O estudo de Carvalho e Waltenbg (2015), que utilizou os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) do IBGE de 2003 e 2013 para comparação das oportunidades e desigualdades no acesso ao ensino superior brasileiro, constatou que, no período de 10 anos estudado, após as ações afirmativas, a disponibilidade do ensino superior público e privado para a sociedade aumentou (de 28,5% para 31,6%) e a desigualdade no acesso ao ensino superior

caiu, o que significa que a distribuição das vagas está ligeiramente mais homogênea entre os grupos de diferentes classes sociais.

Valladares (2009), em um estudo com jovens moradores de favela graduados e graduandos em instituições de ensino superior, antes mesmo da instituição da lei nacional de cotas (mas já com o Prouni, Reuni e Fies instituídos), já afirmava que “estamos diante de um processo significativo de mobilidade social por intermédio da educação. Mediante o acesso de alguns ao ensino superior, a população das favelas se diversifica e complexifica, afetando assim a estrutura social” (p.154). Para além das mudanças concretas no status social relacionadas ao ingresso na educação superior, existe ainda uma mudança simbólica relacionadas à cultura brasileira no que se refere à formação acadêmica:

A necessidade de “ser alguém”, de ser “diferente dos outros”, é muito enfatizada. Lembremo-nos de que, no Brasil, obter um diploma universitário é indicador de ascensão social. Um certificado de curso superior significa uma ascensão em termos de status e também uma mudança subjetiva que implica uma nova visão de mundo, novos valores, novas amizades, novos conhecimentos, novas relações sociais. Ser detentor de um título universitário permitiria, assim, a alguns moradores de favelas, sobressair em meio a uma multidão de “iguais” (VALLADARES, 2009, p. 168).

Acreditamos que as políticas de acesso ao ensino superior têm um impacto na ampliação de mobilidade dos jovens, na medida em que a universidade está localizada efetivamente em outro espaço físico geográfico, não aqueles onde vivem. Assim, mais significativa é a ampliação de ofertas e possibilidades de circulação social e cultural cotidiana. O acesso a mais informação e ampliação de capital cultural dos contemplados pode refletir diretamente em sua mobilidade urbana cotidiana.

Mesmo com a organização da juventude periférica em coletivos e a inserção de parte desse grupo na educação superior e no mercado de trabalho, ainda se tem uma dificuldade na saída dos jovens da periferia para os grandes centros urbanos, como explanaremos mais adiante. Ser um jovem pobre morador de favela no Brasil ainda acarreta estigmas que continuam sendo reproduzidos socialmente e que levam a diferentes tipos de violações de direitos e violências cotidianas. As representações sociais sobre as favelas e as juventudes ainda estão fortemente enraizadas no imaginário popular.

Os avanços conquistados são inegáveis, porém ainda não o suficiente para uma mudança na condição juvenil. Muitas das políticas públicas de diminuição da desigualdade social

atingiram parte dessa população, mas ainda deixaram muitos de fora. Apesar de sua importância no que se refere à diminuição da desigualdade social no Brasil, ainda é preciso um olhar crítico para essas políticas que, em muitos momentos, aproximam-se mais da lógica de inserção para o mercado do que pelo viés do direito e da cidadania (OLIVEIRA; MELLO NETO, 2015).

Acreditamos que parte da dificuldade do segmento juvenil em efetivar seu direito à cidade vem das questões relacionadas à sua mobilidade urbana cotidiana. Buscamos então compreender se abordar a sua mobilidade nos possibilitaria apreender mais elementos sobre o cotidiano e as possibilidades de ampliação de sua participação social e política.