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PARTE 2 O TERRITÓRIO, O CAMPO E O PERCURSO DA PESQUISA

3.3 O PAC NO COMPLEXO DO ALEMÃO

3.3.1 O teleférico do Complexo do Alemão

O teleférico ganhou destaque na concepção deste trabalho por se tratar de um recurso implantado com a justificativa de melhorar e garantir a circulação e a mobilidade dos moradores na favela. Assim, optou-se por apresentar os pontos de vistas a respeito dessa obra, tamanha a discussão que suscita até os dias de hoje46 (GONÇALVES; BANDEIRA, 2017).

Desde que o PAC adentrou no Alemão com o projeto de construção do teleférico, não foi unânime entre os moradores, segundo Oliveira (2011, p.60): “A população se

46 O teleférico apareceu recentemente na mídia após seu fechamento e as denúncias de corrupção em suas

obras, conforme podemos observar nas reportagens: https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas- noticias/2016/12/21/fechado-ha-3-meses-teleferico-do-alemao-e-exemplo-da-crise-financeira-do-rj.htm, http://jc.ne10.uol.com.br/blogs/deolhonotransito/2017/09/20/o-abandono-do-teleferico-do-alemao- simbolo-da-mobilidade-moderna-e-sustentavel/ e https://istoe.com.br/teleferico-do-complexo-do-alemao- nao-leva-mais-a-lugar-nenhum/; Acesso em 16 de março de 2018.

beneficiava do transporte informal e tinha suas necessidades atendidas, não percebendo problemas com relação ao transporte que justificassem tamanho investimento de recursos públicos”. O teleférico foi inaugurado em 7 de julho de 2011. Era composto por seis estações, sendo a primeira Bonsucesso, onde fazia integração com o trem da Supervia. Seguia com um percurso de aproximadamente 3,5 km. com mais cinco estações: Adeus, Baiana, Alemão, Itararé e Palmeiras. O projeto buscava atender até 30 mil passageiros por dia e, para tanto, o teleférico foi composto por 152 cabines com capacidade para oito passageiros sentados e dois em pé. O tempo total do trajeto era de 20 minutos (GONÇALVES; BANDEIRA, 2017; IZAGA; PEREIRA, 2014; OLIVEIRA, 2011; PÉREZ, 2014). Em cada uma das estações, foi construído um espaço comunitário, com alguns serviços como bancos, comércios, equipamentos sociais e bases da UPP (SANTOS, 2014).

Figura 12: O teleférico visto de uma das estações.

Fonte: Acervo do projeto “Juventude(s)”. Divulgação com autorização.

Izaga e Pereira (2014) apontam que, apesar das divulgações feitas pelos órgãos oficiais, o teleférico não foi eficiente como esperado. Apenas 7% da população local se cadastrou para poder usá-lo gratuitamente. Para as autoras, “o ponto falho quanto ao sistema de teleféricos parece residir no fato de que a sua implantação aparenta não ter tido compatibilidade com o plano urbanístico e com a própria trama viária de cada uma

das favelas que compõem o Complexo do Alemão” (p.100). Segundo Santos (2014) não houve nenhum estudo de demanda para o projeto.

Nas pesquisas de Gonçalves e Bandeira (2017), Santos (2014) e Lima (2015), os moradores referiram que preferiam usar mototáxi ou Kombi. Segundo esses estudos, o teleférico era usado por aqueles que moravam no alto dos morros, pertos das estações, mas, para os demais, não valia a pena subir. Outro fator influenciador era a presença de tiroteios frequentes na região, que chegou a perfurar uma das gôndolas. Um dos pontos polêmicos relacionados ao teleférico dizia respeito ao seu uso para o turismo:

Por outro lado, o uso turístico se consumou em algo novo, gerando questionamentos sobre a função do equipamento na favela. Primeiramente, estava claro que a intenção do governo era que o sistema fosse implantado com a principal função de melhorar a mobilidade dos moradores. No entanto, o turismo nunca foi descartado, e sim, estimulado pelo menos através de visitas e declarações. (SANTOS, 2014, p.81).

Santos (2014) afirma ainda que o uso turístico do teleférico era a única forma de ele ser viável economicamente, uma vez que as tarifas pagas pelos turistas (mais alta do que aquela paga pelos moradores, que usavam integração com outro transporte, além daqueles que tinham gratuidade) poderiam financiar o subsídio para que o governo realizasse a manutenção do equipamento.

O teleférico, junto à ocupação do território pelas Unidades de Polícia Pacificadora (detalhada adiante neste trabalho), efetivamente aumentou o turismo na região. Segundo relato de uma moradora, dona de uma única agência de turismo do local, apesar desse aumento, não houve mudança significativa para o comércio (SANTOS, 2014). Segundo alguns jovens, os turistas conhecem ONGs, vão a bares, lugares de samba, mas têm no teleférico o passeio preferido, pois veem a favela em sua totalidade, com uma vista “de cima”. No entanto, eles refletem que essa vista não contempla a realidade do Alemão, pois, “podem dar a impressão que a favela está melhorando” (PÉREZ, 2014, p.278).

Santos (2014) critica essa forma de turismo “à distância”, na qual não há uma aproximação da experiência da favela, não tem interatividade. A autora afirma que existe uma fetichização e espetacularização da favela, sendo o turista apenas um espectador que, “ao contemplar a estética do precário, vive a experiência como um espetáculo” (p.84).

Para ela, para o turismo ser realmente positivo para a região, seria preciso pensar em formas de que não fosse realizado com tanta distância, para que pudesse ocorrer uma troca entre os turistas e os moradores, não só no sentido comercial, mas também na desmistificação de alguns estigmas das favelas.

Figura 13: O Alemão visto pelo teleférico.

Fonte: Acervo do projeto “Juventude(s)”. Divulgação com autorização.

O teleférico foi desativado por tempo indeterminado em outubro de 2016, após diversas paralizações, por desgaste de um cabo de tração e a falta de repasse de verba do governo do estado para o consórcio que o administrava (GONÇALVES; BANDEIRA, 2017). No momento em que foi realizada a pesquisa de campo (2018), continuavam inoperantes e haviam sido extintos ou migraram de localização os serviços para a população que foram construídos nas estações.

Pode-se afirmar então que, apesar das obras do PAC terem efetivamente beneficiado algumas áreas do Alemão, a desigualdade de distribuição e o alto investimento no teleférico não contemplaram as necessidades do território. Existe, nas ações nas favelas, “um conflito de interesses entre ações do poder público e o que os habitantes do Complexo do Alemão demandam como prioridade para a melhoria da qualidade de vida na região” (PÉREZ, 2014, P.174), sendo o teleférico um exemplo concreto desse conflito.