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A Pensão Mínima Garantida e os Direitos Especiais

4. A Gestão da Transição nos Países Pioneiros

4.3 A Gestão da Transição Letã

4.3.3 A Arquitetura do Novo Sistema Letão

4.3.3.7 A Pensão Mínima Garantida e os Direitos Especiais

A pensão mínima é atribuível à idade legal de aposentação. Realçamos que os indivíduos com um registo de descontos superior a, pelo menos, dez anos têm direito a uma pensão acima da mínima garantida, recebendo 1,1; 1,3; 1,5; ou 1,7 vezes a pensão social base, consoante tenham descontado 11 a 20 anos, 21 a 30 anos, 31 a 40 anos e 41 anos ou mais, respetivamente. As pessoas com um histórico contributivo inferior a dez anos receberão apenas uma pensão social financiada pelo OE.

4.3.4 Outros Aspetos Relevantes da Gestão da Transição

4.3.4.1 A Velocidade de Transição

Não se concedeu qualquer hipótese de escolha entre a admissão no novo regime ou a permanência no anterior. A partir de 1 de janeiro de 1996, todos os contribuintes passaram a integrar o novo esquema, sem prejuízo da existência de algumas regras transitórias relativas ao montante do capital nocional inicial, para acomodar mais suavemente a mudança. A abordagem adotada é considerada a mais rápida

de todas, pois é de aplicação imediata a todo o universo de trabalhadores. O caminho foi acidentado, com diversos problemas técnicos e políticos identificados em Palmer et al. (2006):

- A quantificação dos direitos adquiridos e o modo de introdução de um esquema do tipo NDC, num ambiente económico caracterizado por alterações estruturais, em direção à economia de mercado;

- A eliminação progressiva dos privilégios especiais concedidos durante o período soviético; - A fixação de uma pensão mínima adequada, condição assumida como importante;

- A introdução progressiva de contas financeiras obrigatórias, dados os objetivos de redução da taxa de contribuição nocional e da adoção gradual da indexação das pensões aos salários. Os direitos especiais foram eliminados através da sua quantificação e posterior conversão em capital nocional inicial. De acordo com Fox & Palmer (1999), a eliminação do direito à aposentação antecipada teve o seguinte tratamento:

- A idade mínima de reforma para todos os grupos titulares de direitos especiais incrementou seis meses por ano, até se atingir a idade legal;

- O capital nocional inicial seria aumentado, com base no rácio entre a nova idade de reforma e a do regime soviético.

Comparativamente ao regime anterior extinguiram-se muitos grupos com privilégios. O financiamento por via do OE tornou a sua atribuição mais transparente. Na opinião de Palmer et al. (2006), o processo de eliminação dos direitos especiais, adquiridos no velho regime, decorreu de forma politicamente pacífica, provavelmente por as pessoas terem percecionado como justo e equitativo o tratamento idêntico de todos os indivíduos, na mudança para a nova arquitetura. Porém, conforme descrito no ponto 4.3.4.2, anos mais tarde legislou-se um novo conjunto de direitos especiais, para pessoas que ainda se encontravam no ativo, apesar de terem excedido a idade conferidora do direito à totalidade do benefício definido do esquema antigo. Esta exceção tornou-se tão ostensivamente injusta, que se admitiu nunca mais voltar a repetir.

4.3.4.2 Os Direitos Adquiridos

Em janeiro de 1996, procedeu-se à conversão integral dos direitos adquiridos para as contas nocionais. A falta de alguns elementos técnicos tornou a sua valoração num exercício difícil. Não obstante a existência de registos dos anos de serviço e dos salários dos tempos da ex-União Soviética, a hiperinflação de 1991 a 1992 dificultou no cálculo o uso dos salários expressos em rublos, dada a inexistência de um índice de preços fiável. O recurso a qualquer método de quantificação cairia sempre,

em certa medida, num juízo arbitrário e subjetivo. O armazenamento disperso de dados dificultava muito o ensaio de fórmulas alternativas, razão pela qual foi tomada a decisão política de não fazer depender as futuras pensões dos salários da era soviética. Entre governantes era consensual o reconhecimento dos anos de serviço obtidos na ex-União Soviética. No seu pensamento, apresentava-se como uma medida de incentivo ao desconto de contribuições, enfatizando a opção técnica do uso dos níveis salariais à data da transição. Deste modo, foram quantificados e convertidos os direitos adquiridos em capital nocional inicial, procedimento adequado a uma integração nas contas nocionais. Assim, o capital nocional inicial obtinha-se a partir dos salários individuais registados depois de 1996 e do número de anos de serviço anteriores a este ano. A fórmula precisa para a sua determinação era dada por (Palmer et al., 2006):

Capital nocional inicial32 = rendimentos individuais cobertos33 x número de anos de serviço x 0,2.

O apuramento dos rendimentos individuais cobertos seguia a regra:

- Ano de aposentação de 1996: Média dos salários declarados de todos os indivíduos em 1995; - Ano de aposentação de 1997: Média dos salários individuais declarados em 1996;

- Ano de aposentação de 1998: Média dos salários individuais declarados entre 1996 e 1997; - Ano de aposentação de 1999: Média dos salários individuais declarados entre 1996 e 1998; - Ano de aposentação de 2000 em diante: Média dos salários individuais declarados entre 1996 e

1999.

No apuramento da média dos salários anuais entre 1996 e 2000, atualizaram-se os respetivos salários mensais a valores do primeiro ano deste intervalo, deflacionando-os. Posteriormente, determinou-se o capital nocional inicial, projetando-o às taxas de crescimento da massa contributiva total, desde 1996 até ao ano da aposentação. Aquele autor menciona que a opção do uso de salários individuais na determinação do capital nocional inicial, depois de 1995, perspetivava um forte incentivo à declaração correta dos rendimentos e a penalização à evasão fiscal. Este método teve inconvenientes, pois o momento e a duração do período utilizado no cálculo dos salários individuais provaram ser um problema para pessoas com uma fraca participação no mercado laboral durante os anos de conversão, de 1996 a 1999. Assim, em nossa opinião, perante contextos de elevada taxa de desemprego, a Hipótese III, alínea c., mencionada no ponto 3.3.1 pode revelar-se na prática inadequada. Este procedimento permitiu que trabalhadores com percursos laborais semelhantes, anteriores a 1996, auferissem pensões muito distintas, dependentes do seu enquadramento profissional depois de 1995. Gerou injustiças para

32

O valor 0,2 desta fórmula corresponde à taxa de contribuição inicial da conta nocional.

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Salário coberto: salário declarado sobre o qual incidem as contribuições. É influenciado pelos tetos legais e pela evasão fiscal, sendo inferior ao salário médio do país.

os trabalhadores detentores de maior remuneração no anterior regime. Mesmo antes da transição, período onde se obteve a maior parte dos anos de serviço, também existia dispersão do nível de rendimentos e, em certa medida, os salários individuais da década inicial do período pós transição refletem a distribuição dos rendimentos individuais anterior a essa fase. Por esta razão, o uso da regra do salário médio declarado foi injusto para pessoas com rendimentos anteriores a 1996 acima desse valor e que se reformaram nesse ano. Assim, para os anos posteriores a 1996, se se tivesse continuado a utilizar para todas as pessoas o salário médio declarado, os detentores de menores rendimentos sairiam favorecidos e os de mais elevados acabariam penalizados, caindo-se num critério injusto. Alguns trabalhadores tiraram partido desta regra, ao conseguirem negociar com a entidade patronal a declaração de salários superiores, durante este curto período transitório. No espaço de tempo compreendido entre 1996 a 1999, alguns trabalhadores não tinham o registo completo de contribuições, devido à falência da entidade patronal ou por eles próprios terem optado por trabalhar no domínio da economia paralela, razão pela qual uma regra com as caraterísticas da anterior, usada no apuramento do capital nocional inicial, é suscetível de conduzir a pensões baixas. Conforme descrevem Palmer et al. (2006), apesar de possuírem longos registos contributivos no regime antigo, algumas pensões iniciais eram demasiado baixas, face às dificuldades em arranjar emprego no período de mudança para a nova ordem económica. Por este motivo, estabeleceu-se uma garantia de transição, definindo-se regras adicionais para cálculo do capital nocional inicial. Estas foram aprovadas pelo parlamento em 1996 e aplicadas de 1997 a 1999 e novamente de 2002 a 2010.

Esta garantia temporária aplicava-se a pessoas com, pelo menos, trinta anos de serviço, resultando o capital nocional inicial no apuramento do maior dos seguintes montantes:

- Rendimentos individuais, de acordo com a lei geral; - Salário médio declarado, nos anos de 1996 a 1999.

Para os restantes indivíduos, o capital nocional inicial era determinado pela escolha de entre o maior dos valores:

- Rendimentos individuais, de acordo com a lei geral; - 40% do salário médio declarado.

Esta última percentagem correspondia sensivelmente ao salário mínimo letão. A passagem do tempo diminui o peso do capital nocional inicial na conta, dependendo o saldo cada vez mais dos salários individuais correntes e das contribuições efetuadas, apresentando, por isso, menor importância os anos de serviço anteriores a 1996 e a regra de transição. O custo da garantia mínima temporária, superior à taxa de contribuição de 20%, financiou-se por receitas do OE. O intuito de minimizar os efeitos de uma

regra de transição generosa, compensadora da declaração de salários mínimos e da evasão fiscal, durante o período de mudança económica, influenciou claramente o desenho da sua conceção. Todavia, em Fox & Palmer (1999) aponta-se o surgimento de um outro problema relacionado com a regra da transição. A legislação exigia um limite nas contribuições, na expectativa de plafonar as pensões. No entanto, o Governo atrasou a implementação deste teto, pois como a conta da Segurança Social apresentava défice, ter-se-ia de evitar a perda de receitas. Em consequência, a possibilidade de valorizar a pensão final com base no ano anterior ou na média de dois anos de contribuições gerou um incentivo à entrega de contribuições superior ao esperado e até mesmo um efeito contrário ao tecnicamente desejado. Algumas pessoas próximas do momento da aposentação pediram dinheiro emprestado e fizeram avultadas contribuições, chegando a sextuplicar ou mais a pensão média. Por esta razão, quem recebesse pensões inferiores, em particular, as mulheres com menos de 60 anos, protestaram veemente junto do parlamento contra a iniquidade originada por aqueles que haviam ludibriado o sistema, fazendo grandes contribuições em 1996. O parlamento reagiu com as seguintes medidas:

- Fixou um teto máximo das pensão de três vezes o salário médio declarado;

- Quem tivesse contribuído durante os primeiros anos depois da transição obteria pensões com base no salário médio declarado, mesmo que o seu salário individual fosse inferior;

- Alargou-se a concessão de 80% da pensão garantida a todos os homens e mulheres com profissões conferidoras do direito ao recebimento da pensão antes dos 60 anos, de acordo com as regras da transição.

Estas medidas repuseram alguns dos efeitos redistributivos perdidos do antigo regime. No entanto, a última, ao introduzir uma garantia para os que se aposentassem com menos de 60 anos, caso este grupo continuasse a trabalhar após a aposentação, constituiria um subsídio sem justificação de atribuição, razão pela qual ficou em aberto a sua revisão.

4.3.4.3 Os Fundos de Reserva

Devido às diversas mudanças preconizadas e à melhoria da administração das receitas fiscais, no final do ano de 1997 atingiu-se um saldo positivo. Com eleições calendarizadas para o ano seguinte, o Governo sentiu-se tentando a gastar o excedente orçamental durante o ano de 1998, decisão que passou, entre outras medidas, pela atribuição de aumentos de pensões acima da indexação aos preços, prevista na lei. Assim, o Executivo decidiu pelo aumento real das pensões de forma significativa, nos seguintes termos (Fox & Palmer, 1999):

- Em outubro de 1997, alterou-se a indexação com base em dados passados, adotando-se o uso de projeções. Por este motivo, em 1 de novembro, os pensionistas beneficiaram de uma dupla

indexação: 4,1% devido à inflação, entretanto atribuída, e 3,1% por causa da inflação futura estimada. Curiosamente, a inflação para o período de novembro a março do ano subsequente coincidiu com a prevista;

- Em março de 1998, concederam-se indexações adicionais aos pensionistas a receber de acordo com as regras anteriores à mudança, resultando em aumentos de 15,8%, incluindo 9,6% para compensar as indexações não atribuídas em 1995, quando existiu um défice. Os restantes beneficiaram de um aumento de 5,8%, para uma inflação projetada pelo ministério das finanças de 3,1%, a qual na realidade seria ainda inferior. Em consequência, a execução orçamental da Segurança Social registou, naquele ano, um défice.

Para ultrapassar as consequências decorrentes destas decisões, foi incontornável o recurso aos fundos de reserva. Este défice não facilitou a introdução das contas financeiras. Em 1999, com a queda da receita fiscal associada à crise russa, o Governo reposicionou o cálculo da indexação com base em dados passados.

Num plano mais técnico, Palmer et al. (2006) referem que, enquanto a indexação das pensões fosse substancialmente inferior à variação da totalidade da base salarial contributiva, gerar-se-iam, expectavelmente, excedentes. Efetivamente, com a revalorização das pensões à inflação, os esquemas NDC tendem a ser superavitários nos períodos com crescimento positivo da massa contributiva total superior à inflação, registando-se défices nas situações contrárias. Ao estabelecer-se a indexação à inflação, estimava-se dispensável a incorporação de um mecanismo de equilíbrio explícito nos próximos anos para assegurar a sustentabilidade financeira. Nestes contextos, não só é adequada como plenamente justificada a presença de fundos de reserva numa arquitetura.

A demografia favorecia a adoção dos esquemas NDC, uma vez que a grande coorte de nascimentos, verificada por volta de 1980, entraria na vida profissional no período compreendido entre 2000 a 2010. Assim, na ótica da gestão de risco, os excedentes esperados justificavam a implementação de um fundo de reserva para manutenção do equilíbrio. Em Fox & Palmer (1999), realça-se a montagem de uma estrutura de fundos de reserva referentes a distintas contingências, nomeadamente, o fundo das pensões, da maternidade, o do seguro de doença e o de invalidez. Anualmente, o Parlamento decide o montante da taxa de contribuição a afetar a cada um dos fundos. Independentemente da taxa de contribuição alocada ao fundo das pensões, a destinada à conta nocional é de 20%. O remanescente serve de financiamento à dívida oriunda do antigo regime.