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4. A Gestão da Transição nos Países Pioneiros

4.2 A Gestão da Transição Polaca

4.2.3 A Arquitetura do Novo Sistema Polaco

4.2.4.2 Os Direitos Adquiridos

O tratamento dos direitos adquiridos no antigo regime deu-se pela sua conversão em capital inicial, calculado de modo a obter-se idêntica pensão à do regime anterior. O princípio técnico assumido jazia na hipótese de aposentação de todos os indivíduos no último dia de vigência do antigo regime, de harmonia com a fórmula (4.11) adiante indicada. A conversão dos direitos adquiridos em capital inicial a partir desta assunção permitiu a transição gradual, sem abordagens complexas associadas à reconstituição de valores hipotéticos a afetarem-se às contas. Segundo Chloń-Domińczak & Góra (2006), os gestores do processo decidiram enveredar por este modelo por várias razões, nomeadamente:

- A inexistência de dados individualizados permitindo a obtenção das contribuições efetuadas até à data da transição. No antigo regime, o ZUS recebia a informação individual apenas no momento da aposentação. Como muitos dos registos individuais anteriores a 1980 tinham sido destruídos, este método de conversão permitiu lidar adequadamente com o capital inicial da conta nocional;

- A transformação dos direitos adquiridos em capital inicial permitiu uma transição suave, mantendo o incentivo ao trabalho até mais tarde;

- Este procedimento não favoreceu nenhuma das duas opções, pois o trabalhador receberia a mesma pensão em formação, independentemente da escolha.

Em Chloń-Domińczak et al. (1999) é apontada uma razão adicional, a de permitir uma redução gradual das taxas de substituição do financiamento em repartição, pois o peso do capital inicial da conta nocional vai diminuindo ao longo do tempo. Conforme descrito em Chloń-Domińczak & Góra (2006), a fórmula de cálculo da pensão, 𝑃0𝑐, usada na determinação do capital inicial passou por respeitar a

vigente no plano antigo (ver expressão (4.10)), mas ajustada para a idade e anos de descontos à data da conversão. Era dada pela expressão:

𝑃0𝑐 = 0,24𝑤𝜌 + (0,013𝑡 + 0,007𝑛)𝐵 , (4.11)

sendo 𝑃0𝑐 o valor da pensão mensal em formação no final de 1999, 𝑡 número total de anos de

contribuições, 𝑛outro número de anos elegíveis (desemprego, serviço militar e licença de paternidade), B a base de avaliação individual, 𝑤∗ o salário médio bruto mensal no segundo trimestre de 1998, em que ρ é um fator de ajustamento dado por:

𝜌 = 𝑚𝑖𝑛 (√𝑥 − 18 𝑟 − 18×

𝑛 𝑛𝑟, 1)

onde x era a idade do indivíduo no final de 1998, r a idade de reforma25

, n o número total de anos elegíveis26no final de 1998, 𝑛

𝑟 o número de anos elegíveis exigidos27.

A falta de dados passados não permitiu a constituição de contas nocionais com base nos registos históricos, contrariamente ao sucedido na Suécia. O capital inicial, 𝐾0, obteve-se através da expressão:

𝐾0 = 𝑃0𝑐 𝑒

621998 , (4.12)

sendo 𝑒621998 a esperança média de vida unisexo à idade de 62 em 1998 (209 meses) e 𝑃0𝑐 dado por

(4.11). Esta esperança média de vida foi a utilizada na determinação do capital inicial, a partir de uma tábua unissexo, fixando-se a idade de 62 anos para ambos os géneros. Se no cálculo do capital inicial não se adotasse uma esperança média de vida unissexo, mas, em alternativa, a respetiva idade legal de reforma e a esperança média de vida de cada um dos géneros, para idênticas carreiras contributivas, as mulheres receberiam um capital inicial 30% mais elevado do que o dos homens. Esta abordagem evitava tal desigualdade. Assim, a pensão nocional, 𝑃0𝑟, proveniente da dotação de capital inicial era dada por:

𝑃0𝑟 =𝐾0𝑟 𝑒𝑥𝑟 = 𝑃0𝑐 ∏ (1 + 𝛼𝑖) 𝑟 𝑖=1999 𝑒621998 𝑒𝑥𝑟 , (4.13)

sendo 𝛼𝑖 a taxa de retorno nocional no ano i, r o ano de reforma e 𝑒𝑥𝑟 a esperança média de vida à idade

de reforma, no ano da aposentação. Deste modo 𝐾0𝑟 corresponde à revalorização de 𝐾0 até ao ano da

reforma. Da observação da fórmula anterior, conclui-se pela dependência do montante da pensão futura, não só do rendimento nocional, mas também da relação entre as esperanças média de vida no momento da conversão e da reforma. A legislação definiu um período de três anos, até ao final de 2003, para determinação do capital inicial dos dez milhões de contribuintes abrangidos pelo novo regime. No entanto, findo este prazo, apenas metade dos contribuintes haviam preenchido os seus documentos no ZUS. O capital inicial era bastante expressivo pois o plano antigo oferecia elevadas taxas de substituição, comparativamente às proporcionadas pelo novo. O seu peso representava cerca de 60% da pensão das coortes mais antigas, aposentadas no âmbito do novo regime. Naturalmente, o seu impacto iria decrescendo gradualmente para as gerações subsequentes com o passar do tempo, até desaparecer nas novas admissões no mercado laboral.

Segundo Chloń-Domińczak et al. (2012), os gestores da mudança reconheceram a importância da conversão dos direitos especiais do regime soviético para as contas nocionais, mas depararam-se com a

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60 anos para mulheres e 65 para os homens.

26

Min [(t+n); (4/3)t].

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oposição dos sindicatos. Esta resistência deu início a um processo que originou mais tarde, em 2008, o aparecimento do conceito de bridging pension, definido em ZUS (2012). Consistia na possibilidade de aposentação até cinco anos antes da idade legal de reforma, isto é, aos 55 anos no caso das mulheres e aos 60 nos homens, com, respetivamente, 20 ou 25 anos de descontos e pelo menos 15 anos de trabalho em condições especificadas na lei (profissões de elevada exigência física). O OE assegurava o financiamento deste direito especial. Ainda em Chloń-Domińczak et al. (2012) é referido o impacto benigno da medida no aumento efetivo da idade de aposentação, desde o ano da transição. Assim, em 2009, eliminaram-se as reformas antecipadas, mas criaram-se, em contrapartida, as bridging pensions, concedendo privilégios a certas classes profissionais. Em sentido oposto, passou também a existir possibilidade de diferimento da idade de aposentação, sem limite máximo. Na opinião de Chloń-Domińczak et al. (2012), em 2005, deu-se um grande revés na filosofia da reforma, quando o parlamento decidiu retirar os mineiros do esquema NDC, optando por reafetá-los ao antigo plano de benefício definido, com generosas opções de aposentação antecipada. Nasceu, assim, um grupo coberto por um regime de exceção, perdendo-se o princípio da universalidade consagrado no novo regime. Segundo aqueles autores, esta medida potenciava o incentivo à reclamação de direitos especiais, constituindo um mau exemplo para outras classes profissionais.De acordo com o defendido por Chloń- Domińczak et al. (2012), o custo de financiamento associado à atribuição de regimes excecionais deve ser imputado aos fatores de produção dos bens ou dos serviços dos setores onde os indivíduos cobertos por tais regras exerçam atividade. A afetação do encargo com o seu financiamento deverá refletir-se nos respetivos preços desses bens ou serviços. Trata-se, em nossa opinião, de um aspeto muito importante. Tais regimes devem estruturar-se por meio de instrumentos externos ao sistema público, nomeadamente através de esquemas de pensões profissionais de natureza suplementar. Outrora, em 1999, os agricultores já haviam sido alvo de tratamento excecional, por possuírem um baixo nível de rendimentos, tendo sido enquadrados num regime não contributivo. O mesmo sucederia mais tarde em 2001 a certos funcionários públicos, tais como as forças militarizadas, externalizando-os para fora do esquema NDC. O ocorrido com os mineiros representa um bom exemplo para outros países, como Portugal, onde, no seio de transformações sociais com esta amplitude, a permissão de exceções abre caminho a exigências idênticas de outros grupos profissionais, não recomendáveis a um regime sustentável e de adesão universal.

4.2.4.3 Os Fundos de Reserva

À imagem do sucedido na Suécia, também na Polónia houve preocupação com a gestão do impacto de potenciais choques económicos e demográficos sobre a componente NDC. Constituiu-se um fundo de reserva, denominado de Fundo de Reserva Demográfica, com o propósito de assegurar a solvência dos

compromissos assumidos com as pensões por velhice. Conforme estabelecido na lei28, o Fundo é alimentado pelos excedentes do primeiro pilar, pelas receitas das privatizações e pelo retorno dos investimentos. Segundo Williamson & Williams (2003), a preocupação com o provisionamento era a de assegurar a capacidade integral de autofinanciamento, sem a necessidade de dotações orçamentais futuras, sem prejuízo das previstas no desenho da arquitetura e, simultaneamente, manter fixas as taxas de contribuição ao longo do tempo, objetivo análogo ao sueco. A administração da Segurança Social asseguraria a gestão financeira até 2002, data a partir da qual esta transitaria para a esfera de gestores de ativos privados. Esta circunstância nunca sucedeu, permanecendo a gestão do fundo na órbita do ZUS. À época, a lei consagrava um pormenor interessante, o da política de investimento ter de atender às previsões de pagamentos e de receitas, num horizonte temporal de 50 anos, num regime de repartição. Com este requisito pretendia-se acautelar-se os níveis de liquidez adequados. Este comportamento indiciava então preocupações pertinentes com a gestão de risco, consubstanciadas em técnicas do tipo gestão de ativo-passivo.