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As Políticas Redistributivas e os Esquemas NDC

2. Os Esquemas de Contas Nocionais de Contribuição Definida

2.7 As Políticas Redistributivas e os Esquemas NDC

Intrinsecamente, os esquemas NDC não possuem ambição redistributiva, mas antes a transferência intertemporal de recursos dentro do ciclo de vida do próprio indivíduo, da fase de vida ativa para a de aposentação. Apesar da conceção destes esquemas ser especificamente vocacionada para financiamento das pensões por velhice, tal característica não é, de forma alguma, impeditiva da inclusão de políticas redistributivas, estruturando-se a sua implementação externamente ao próprio esquema. As políticas sociais podem ser estabelecidas de distintas formas. Uma reside na transferência de impostos, destinados ao financiamento de determinados direitos não contributivos com contrapartida na reforma por velhice e outras situações, tais como a pensão mínima garantida, o serviço militar, o desemprego, a doença, a invalidez, a assistência à família em situação de doença e a parentalidade, para as contas nocionais. Nesta lógica, financiam-se estas prestações sociais a partir de uma base contributiva mais ampla do que apenas a massa salarial, minimizando a incidência de custos laborais diretos sobre as empresas. Deste modo, aquelas contingências encontram-se explicitamente separadas do regime de aposentação por velhice, conferindo-lhe transparência e maior imunidade política. A segunda passa por certos países optarem pela creditação nas contas nocionais de uma denominada taxa de contribuição “imaginária”, designação atribuída em Aguilera (2005), não saindo igualmente afetada, mais tarde, a pensão por velhice. Apesar de não haver lugar a transferências financeiras, recomenda-se, no entanto, o acautelamento do financiamento daquelas garantias a partir das fontes de receitas não circunscritas às do esquema NDC, dado o seu direcionamento exclusivo para a velhice. Desta forma, preserva-se a solvência financeira do sistema.

A consagração legal de uma pensão mínima garantida representa também um elemento indispensável de redistribuição de riqueza e de apoio social para quem ao longo do percurso de vida, por vicissitudes diversas, alheias ou não ao próprio, não conseguir preencher as condições para receber uma reforma mais condigna na velhice. Em geral, a pensão mínima só é requerível a partir de uma certa idade, desejavelmente avançada, de modo a não induzir um desincentivo ao trabalho. À semelhança dos direitos não contributivos e de outros benefícios acima referidos, a sua integração com o esquema NDC financia-se através de impostos (OE).

Os esquemas NDC encerram, em si mesmos, outras fontes de redistribuição de recursos, de caráter mais técnico, específico e menos visível, nomeadamente o uso da esperança média de vida unissexo na anuidade utilizada no cálculo da pensão. De facto, até ao momento, a esperança média de vida dos homens é inferior à das mulheres, havendo uma clara redistribuição dos que vivem menos tempo para quem vive mais, isto é, a favor dos pensionistas do sexo feminino (Palmer, 2006a; World Bank, 2005). Uma outra forma de possibilitar a distribuição do rendimento nos sistemas NDC é a que decorre da redistribuição dos capitais nocionais dos trabalhadores falecidos para as contas nocionais dos sobreviventes, aumentando o seu valor. Nos próximos pontos analisaremos, com maior detalhe, as questões acima abordadas.

2.7.1 Pensão de Invalidez

Na esmagadora maioria dos regimes concebidos no século passado, as pensões por velhice e por invalidez integravam o mesmo sistema. Embora o estudo das segundas não represente um aspeto fundamental da nossa investigação, faremos, no essencial, algumas referências ao seu enquadramento com um esquema NDC, em especial, as pensões por velhice das pessoas em situação de invalidez. Como, por construção, estes esquemas são um instrumento de financiamento vocacionado para a velhice, a integração14 com a invalidez levanta algumas dificuldades. Não nos debruçaremos sobre os

diversos aspetos inerentes ao período anterior à ocorrência desta eventualidade imediata. Regra geral, nos esquemas NDB, as pensões por velhice atribuídas a pessoas em situação de invalidez são pagas quando atingida a idade de reforma. No âmbito de um esquema NDC, até ao indivíduo ser portador de uma situação de invalidez terá possuído anteriormente uma conta. Assim, a articulação mais direta entre aquelas duas contingências é por via do financiamento externo, com contribuições para as contas nocionais durante o período da invalidez até à idade mínima de reforma por velhice (ou uma outra prevista para este tipo de aposentação). A partir dessa data, a pensão por velhice substituirá a de invalidez.

Nos países onde se fez a transição de um esquema NDB para um NDC, Palmer (2006b) identifica duas metodologias:

1. O subsistema de invalidez contribui, através do OE, para as contas individuais nocionais, com base nos rendimentos auferidos pela pessoa durante esse período;

2. As contribuições para as contas nocionais assentam numa regra geral, aplicável a todos os indivíduos, sem atender aos rendimentos passados individuais.

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A primeira abordagem, mais conforme à ideia de seguro, é a por nós defendida e a adotada na Suécia. Entretanto, têm surgido outras hipóteses no tratamento desta eventualidade, nomeadamente:

- Admitir-se a continuação do recebimento da pensão de invalidez vitaliciamente; - Ser obrigatório o pagamento da pensão por velhice a partir de uma certa idade; - Receber o maior valor entre os montantes da pensão por invalidez e a de por velhice.

Na última hipótese, em princípio, far-se-ão transferências financeiras do subsistema de invalidez para o de velhice. Se a pensão por invalidez exceder a concedida por velhice, ao escolher-se a primeira, tal equivale a garantir-se um direito especial, desejavelmente suportado pelo OE.

Naturalmente, à semelhança do implementado na Suécia, se a arquitetura prever uma componente de contas financeiras, o tratamento acima proposto para a conta nocional é aplicável em simultâneo e de forma idêntica para a vertente com capitalização real.

2.7.2 Pensão Mínima Garantida

Quando analisados isoladamente, os esquemas NDC são suscetíveis de não protegerem na velhice pessoas sem carreiras contributivas ou que tenham descontado sobre níveis salariais bastante baixos, resultando num saldo da conta nocional bastante reduzido e consequentemente uma pensão baixa, desadequada a um padrão de vida condigno. De modo a evitarem-se tais circunstâncias, estabelece-se uma pensão complementar a ser suportada pelo OE, sustentável pelo esforço coletivo de todos os cidadãos, afiançando um mínimo de proteção, garantindo uma pensão mínima a todos os pensionistas. A pensão a suportar pelo OE será então igual à pensão mínima que se quer garantir deduzida da proveniente do esquema NDC. Assim, se esta última for inferior, então a soma da pensão suportada pelo OE com a do esquema NDC será igual à mínima garantida, idêntica para todas as pessoas nestas circunstâncias.

Um incentivo à procura de emprego e à participação no mercado de trabalho dos indivíduos em circunstâncias potencialmente condutoras a baixas pensões consiste na dedução de apenas uma parcela da pensão proveniente do esquema NDC, no cálculo da pensão suportada pelo OE. Assim, a pensão total, soma da pensão financiada pelo OE com a do esquema NDC, será superior ao mínimo garantido, sendo tanto maior quanto maior for a pensão do esquema.

À semelhança do sistema sueco, a pensão garantida pode funcionar como uma combinação destas duas abordagens. Deste modo, até um determinado montante de pensão proveniente da conta nocional, a pensão garantida será igual ao mínimo. A partir desse valor, a pensão será calculada de acordo com o parágrafo anterior, incentivando-se ao desconto de contribuições para as contas nocionais.

2.7.3 Ganhos por Herança

Na sequência da morte de pessoas durante a vida ativa geram-se ganhos provenientes da desafetação das contas a esses indivíduos, propondo Palmer (2000) a sua atribuição da seguinte forma:

- Criação de benefícios por sobrevivência para os mais novos, com idades inferiores à da aposentação;

- Aumento da pensão de reforma por velhice;

- Utilização como dotação para cobrir certos aspetos técnicos não previstos durante a conceção do sistema.

Apesar de reconhecermos que a atribuição destes ganhos sob a forma de aumentos de pensões por velhice ser a solução tecnicamente mais coerente com a especificidade dos esquemas NDC, concordamos com a escolha de qualquer uma destas opções, recomendando a sua seleção em conformidade com os objetivos de financiamento que se pretendam privilegiar.

Analisado, em particular, o modelo NDC sueco, perante o falecimento de um trabalhador, encontra-se consagrada a redistribuição do seu capital nocional proporcionalmente às contas dos sobreviventes, de acordo com a coorte de nascimento. Assim, a pensão a receber no futuro sai incrementada. Na prática sueca não se concedem pensões por sobrevivência aos cônjuges dos trabalhadores e dos reformados, sendo apenas atribuída, de forma temporária, uma survivors allowance. Em Itália, segundo Gronchi & Nisticò (2006), aborda-se a pensão por sobrevivência de forma distinta. No falecimento do trabalhador, atribui-se diretamente ao cônjuge sobrevivo uma pensão de sobrevivência de 60% da pensão virtual a que ele teria direito, a partir da multiplicação do capital nocional acumulado à data pelo coeficiente de conversão aos 57 anos, independentemente da idade do cônjuge sobrevivo. Abstraindo-nos de juízos de natureza social, tal como mencionado em Gronchi & Nisticò (2006), no plano estritamente técnico, também reconhecemos uma maior estabilidade financeira na solução sueca comparativamente à italiana. Esta última, em nosso entender, também apresenta menor coerência com a estrutura dos NDC.

Na circunstância específica de se ponderar a atribuição de uma pensão por sobrevivência a um cônjuge sem filhos, Palmer (2006b) defende que tal direito coloca as pessoas solteiras e os casais em posição desigual, o que não é conforme a um princípio de equidade entre géneros. Para o autor, um cônjuge no ativo não difere de qualquer outro trabalhador solteiro, assim como um cônjuge desempregado não é, em princípio, distinto de qualquer outra pessoa sem emprego. Por esta razão, o autor sustenta que não é claro o motivo pelo qual um cônjuge sobrevivo no ativo deverá “herdar” o capital nocional acumulado pelo cônjuge falecido, ao invés de este ser repartido por todo o grupo de trabalhadores sobreviventes. Porém, naquele documento, o autor admite a concessão de um benefício de adaptação de curto prazo, acomodando a transição do estado civil de casado para o de viúvo, embora, mesmo nestas

circunstâncias, o problema pouco se distinga do de um divórcio, onde este tipo de salvaguarda não existe. Para o autor, a pensão tradicional de viuvez atribuível a pessoas em idade de vida ativa remonta a um tempo onde não era expectável que as mulheres viessem a trabalhar, promovendo na realidade hodierna a desigualdade entre géneros. Refere ainda a dificuldade em determinar uma regra de divisão justa das contas nocionais entre cônjuges. Palmer (2006b) aceita como regra a concessão de uma pensão por sobrevivência a um cônjuge com filhos a cargo, a título de compensação pelo tempo despendido a tomar conta de crianças. Na sua conceção, se o argumento contra a pensão tradicional por sobrevivência for aceite, então restará calcular os direitos adquiridos para os cônjuges sobreviventes do antigo regime e eliminar a sua atribuição no futuro. Menciona, ainda, que a alternativa à instituição da pensão por sobrevivência em detrimento dos ganhos por herança apresentar-se-á sempre como uma hipótese a um país que rejeite os argumentos acima referidos.