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A perspectiva das corporações: as subsecções

3. A organização por secções e os sistemas de acesso: o impacto das corporações

3.4. A perspectiva das corporações: as subsecções

No termo da V Legislatura, Salazar (1959: 141-142) assinalava, perante os dirigentes da União Nacional, uma importante lacuna no regime. A organização corporativa não tivera significativas evoluções, colocando em causa os seus objectivos. Ao perspectivar o próximo acto eleitoral, fazia um breve balanço da implementação do sistema corporativo. De «crescimento rápido e começo auspicioso», as primeiras instituições tinham assumido funções e responsabilidades inesperadas. Perante «a novidade da construção», teriam ocorrido «erros e indecisões», porventura, até, interferências em matérias que lhe não estavam destinadas, justificando, assim, as correcções introduzidas. Para Salazar, o corporativismo era o instrumento mais adequado para «evitar os piores choques da luta de classes no campo social e da tendência para o partidarismo no terreno político». Afirmava mesmo que estes objectivos só seriam alcançados por seu intermédio daquele programa, difundido e executado no terreno. Por isso, «não completar e não consolidar a organização, estruturando-a cabalmente, institucionalizando-a» poderia significar um inaceitável «retrocesso». A própria Câmara

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Corporativa, que considerava ser «basilar na orgânica constitucional», aguardava pela criação das corporações para «completar a sua evolução».

Pouco depois era conferida uma nova organização à Câmara Corporativa, mas ainda sem as corporações. A nova estrutura possuía 12 secções e 21 subsecções. Apenas as Secções de Interesses de Ordem Espiritual e Moral (I), Pesca e Conservas (IV), Electricidade e Combustíveis (VI), Transportes e Turismo (VIII), Imprensa, Artes Gráficas e Indústrias do Papel (IX) e Autarquias Locais (XI) não seriam subdivididas em subsecções. Para facilitar a exposição, faremos sempre referência a 27 secções (correspondentes a seis secções e a 21 subsecções). Definida por intermédio do Decreto-Lei n.º 39442, de 21 de Novembro de 1953, esta estrutura permaneceria inalterada até 1957. Ao longo deste período seria aprovada a lei das corporações, que iria condicionar as futuras orgânicas da Câmara.

Esta orgânica de 1953 seria igualmente provisória, dado que teria aplicação enquanto as corporações não fossem instituídas. A anterior legislação nem sequer era revogada, permanecendo em vigor. Somente o elenco das secções era alterado.

Continuava em curso a mesma fase transitória iniciada em 1938, se bem que, agora, as regras para a criação daqueles organismos de grau superior, tal como tinham sido publicadas ainda antes da II Guerra, se encontrassem muito distantes. Desta vez, não havia correlação com um qualquer diploma sobre as corporações. Não era a proximidade da sua criação que originava a nova estrutura, nem esta constituía uma antecipação do modelo das novas instituições.

O então presidente da Câmara opor-se-ia, com êxito, à integração das secções que poderiam vir a corresponder às corporações numa única estrutura, mais ampla, porque isso significaria uma inaceitável subalternização. De facto, a estrutura das secções económicas do diploma de 1953 corresponde inteiramente à sugestão apresentada por Marcelo Caetano a Salazar, modificando, por completo, a proposta que estava a ser trabalhada no âmbito do executivo. Ao ser consultado, o presidente da Câmara Corporativa seria muito crítico e proporia uma orgânica alternativa, parcialmente aceite136.

Salazar começara por solicitar a Caetano o estudo das alterações a introduzir, dando cumprimento à revisão constitucional de 1951. A recusa do presidente da Câmara foi redigida em termos muito duros. Por si, não assumia o encargo porque deixara de perceber o que

136 Quanto ao projecto do Governo, cf. Decreto-lei. Urgentíssimo (AOS/CO/PC-18B, fls. 135-140). Para uma

versão prévia desta proposta, que contara com as colaborações do ministro da Defesa Nacional, Santos Costa, a propósito do processo de designação dos membros da Secção de Defesa Nacional, do próprio Marcelo Caetano, quanto ao estatuto dos procuradores, e em que era ainda requerida a intervenção do ministro das Corporações e Previdência Social, Soares da Fonseca, cf. Artigo 1º. Para efeitos do artigo 104º. da Constituição (AOS/CO/PC- 18B, fls. 100-105). Quanto aos comentários de Marcelo Caetano, cf. Observações ao projecto de alteração da lei

pretendia o Governo a propósito do sistema corporativo. Também não alcançara o intuito das alterações sobre a Lei Fundamental em 1951, sendo certo que não correspondiam a qualquer premência orgânica ou funcional que tivesse sido manifestada pela própria Câmara Corporativa. Por estas razões, considerava não estar em condições de analisar a questão, tal como, aliás, os procuradores que sondara.

Em alternativa, sugeria um processo de elaboração distinto. Com base nas ideias de fundo do Governo sobre o sistema corporativo, o ministro da tutela deveria ser encarregue da apresentação de um projecto concreto. E só depois a Câmara estaria em condições de se pronunciar, ainda que apenas sob a perspectiva da experiência adquirida137.

Para dar execução à disposição constitucional que havia sido introduzida em 1951 sobre a organização da Câmara Corporativa, o chefe do Governo trabalhara um projecto com apenas quatro secções, correspondentes a outros tantos interesses de ordem administrativa, espiritual e moral, cultural e económica. As Autarquias Locais ficavam integradas entre os primeiros, que contavam com a novidade das Relações Internacionais. Somente a Secção de Interesses de Ordem Espiritual e Moral não teria qualquer subsecção. Nos interesses económicos, Salazar previa 15 subsecções, com uma única novidade perante as instâncias de 1938: o desdobramento de Indústrias Metalúrgicas e Químicas138.

O presidente da Câmara Corporativa seria muito claro quanto a este projecto do executivo: «a solução proposta desagrada-me». E apresentava três justificações. A classificação era meramente «teorica», sem quaisquer vantagens para o funcionamento da instituição e introduzindo dificuldades relativamente à «designação e enquadramento dos procuradores». Por outro lado, nem sequer correspondia à Constituição, que destacava as autarquias locais dos interesses sociais. Finalmente, as futuras corporações, que deveriam possuir «o maior relevo na vida nacional e, portanto, a maior projecção na Camara» eram remetidas para simples subsecções139.

A estas notas, Marcelo Caetano anexava uma proposta alternativa. Para a sua elaboração, afirmava ter considerado as especificidades de algumas Secções (Defesa Nacional e Autarquias Locais) e a possibilidade de convocar, doravante, não apenas as subsecções como também as estruturas mais amplas.

O presidente da Câmara Corporativa projectava 15 secções. Quanto às económicas, Salazar apenas não aprovaria a sequência entre Electricidade e Combustíveis e Indústrias

137 Cf.: carta do presidente do Conselho a Marcelo Caetano, em 27.11.1952; carta do presidente da Câmara

Corporativa ao presidente do Conselho, em 5.12.1952 (J. F. Antunes, 1994: 333-334).

138 Cf. art. A (AOS/CO/PC-18B, fls. 91-93). 139

Transformadoras. Seriam integralmente aceites pelo chefe do executivo as denominações destas secções e subsecções, assim como a articulação entre ambos os níveis. A autonomização das Autarquias Locais também mereceria aprovação. Relativamente às instâncias de ordem espiritual e cultural, Caetano mantinha a organização proveniente do Governo.

Quanto aos Interesses de Ordem Administrativa, o presidente da Câmara Corporativa fazia sugestões que não mereceriam a aprovação por parte do chefe do executivo. Defesa Nacional, Política e Economia Ultramarinas (denominação que já constava da proposta trabalhada por Salazar) e Justiça constituiriam estruturas autónomas. Também Política e Administração Geral passaria a ser a denominação de uma única secção, que integraria quatro subsecções: «Politica geral (a actual Pol. e adm. geral)» e as três restantes (Finanças e Economia Geral, Obras Públicas e Comunicações e, já sugerida por Salazar, Relações Internacionais)140. De referir, ainda, que Marcelo Caetano mantinha a sequência das secções que já constava do projecto governativo. Em primeiro lugar, as de ordem administrativa. Seguiam-se os interesses espirituais e culturais. Finalmente, as instâncias económicas. Na véspera da publicação do diploma, Salazar apresentava ao presidente da Câmara Corporativa três alternativas, inclinando-se, desde logo, para a que seria, de facto, adoptada141.

Sem constituir uma questão primordial, a relação entre a ordem dos interesses representados na Câmara Corporativa e a sequência das secções não deixava de se revestir de alguma importância. Já notámos a discrepância verificada entre a redacção da Constituição e a lei orgânica de 1938. Este problema resulta, sobretudo, do ambíguo perfil da instituição, no que à sua estrutura interna dizia respeito, patenteado na dificuldade de conjugação entre a representação de interesses específicos e a organização corporativa. Derivava de igual modo dos compromissos originários quanto à arquitectura do regime, incluindo o lugar relativo da Câmara e o peso do sufrágio orgânica ou corporativo na designação dos órgãos do Estado, e do pragmatismo com que foram efectuados os sucessivos ajustamentos sobre o sistema político. O ritmo da implementação dos organismos corporativos iria a determinar os interesses representados, a sua ponderação relativa e a respectiva sequência.

A questão da articulação entre o funcionamento da Câmara por secções privativas e a sua representatividade orgânica e corporativa foi equacionada de acordo com o empirismo próprio das consultas e das decisões do momento, sem uma lógica programática consistente. Em

140 Observações ao projecto de alteração da lei organica da Camara Corporativa, fl. 147.

141 Cf. Comentários de Oliveira Salazar para Marcello Caetano, sobre texto da organização da Câmara

1933, a formulação apontava para a representação, primeiro, das autarquias locais, e, depois, dos interesses sociais, sendo estes subdivididos em quatro ordens distintas (administrativa, moral, cultural e económica). Em 1934, a organização da Câmara Corporativa era a seguinte: interesses sociais, nos seus ramos económico, moral, cultural e administrativo, e administração local. O primeiro e o último ramo teriam de dar origem a secções numerosas, perante os organismos existentes e aqueles que se pretendiam criar, assim como na perspectiva dos problemas que se previa viessem a ser abordados. Só poderiam ser diminutos os ramos cultural e moral, tal como a administração local.

Na perspectiva das corporações, foi fixado, em 1938, um esquema de agrupamentos de secções, que constituía uma terceira possibilidade. Primeiro, os interesses económicos, culturais e morais. Depois, as autarquias locais. Finalmente, a administração pública. Em termos de números de secções, tudo se mantinha como anteriormente. Todavia, o enunciado principal desta lei orgânica procedia a uma separação entre os procuradores das autarquias locais e das corporações morais, culturais e económicas, por um lado, e os representantes dos interesses sociais de ordem administrativa, por outro.

Em 1953, o problema tornava-se mais complexo. Já não haveria agrupamentos, mas tinha de ser executada a disposição constitucional do desdobramento das secções em subsecções. E o art. 104.º/novo §1.º da Lei Fundamental introduzia uma quarta sequência. As secções corresponderiam aos interesses de ordem administrativa, moral, cultural e económica. Seria sobre esta redacção que Salazar iria trabalhar, mas optaria por uma quinta. De acordo com o projecto inicial do presidente do Conselho, as autarquias locais ficariam inseridas nos interesses administrativos. Marcelo Caetano insurgir-se-ia contra esta associação, por ser contrária à Constituição e à lei orgânica. Mantinha, porém, a sequência, multiplicando, sobretudo, o número das Secções da Administração Pública e dos interesses económicos. Como se previa que as primeiras corporações a criar fossem as económicas, não poderiam as respectivas instâncias específicas ser remetidas para o segundo plano das subsecções. Também não era exequível limitar a quatro o número das secções (José Carlos Moreira, 1957: 320).

Só parcialmente a proposta do então presidente da Câmara Corporativa seria aceite pelo chefe do Governo. Daria seguimento à organização das secções económicas, o que já não sucederia no sector da administração pública. Quanto à sequência definitiva, ponderá-la-ia e decidiria. Era uma quinta possibilidade: ramos espiritual, cultural e económico, autarquias locais e, finalmente, o ramo administrativo. Com a criação das corporações, seria o ramo económico que iria continuar a sofrer oscilações, em termos organizativos e na própria ordenação interna.

Na tradicional mensagem no início da VI Legislatura, o Presidente da República, Craveiro Lopes, congratular-se-ia com a nova organização da Câmara Corporativa. A sua estrutura tinha sido aproximada daquela que deteria com a, anunciada para breve, criação das corporações. Nessa altura, a Câmara possuiria a sua feição definitiva, passando a «apresentar- se, sem interferências ou a menor interferência possível do Governo, como a expressão espontânea e real dos interesses materiais e morais da Nação»142. A este respeito, Marcelo Caetano manifestaria a Salazar a sua satisfação, disponibilizando-se, ainda, para colaborar nos estudos necessários. Posteriormente, voltaria a alertar Salazar para a ausência de quaisquer resultados, até porque havia nefastos reflexos sobre a própria Câmara. Nos termos do convite para assumir o cargo de ministro da Presidência, a criação das corporações ocuparia, de acordo com o relato do próprio Caetano (2000: 630-636), um lugar central143.